"Como fazer pão. Essa é uma das principais buscas que os brasileiros têm feito no Google desde o início da pandemia. A panificação caseira ganhou bastante protagonismo durante a quarentena, e até quem não era muito chegado aos afazeres culinários rendeu-se a ela. Não à toa, a timeline das redes sociais está repleta de fotos de pães em diferentes versões, e famosos, anônimos e chefs compartilham seus sucessos por lá todos os dias.
Alguns fatores colaboraram com essa febre, que para muitos já resultou em hobby e até mesmo em uma forma de empreender. O primeiro deles foi o isolamento social, pois ficando em casa as pessoas encontraram mais tempo para dedicar-se à cozinha. O pão exige um tempo de maturação e uma paciência que não combinavam com o estilo de vida corrido pré-pandemia.
Outro fator é a popularidade do alimento - é bem difícil encontrar alguém que não goste de um pãozinho. Ele está presente na mesa e na cultura de vários países pelo mundo, passando apenas por variações. Além disso, não é novidade que os pães pertencem ao grupo das chamadas comidas afetivas - ou comfort food. Aquelas que trazem uma certa nostalgia e remetem à culinária de avós, mães, pais...
A paixão pelo pão, quase universal, levou a fotógrafa Patricia Sales e seu esposo, Igor Ribeiro, a arriscar-se na cozinha durante a quarentena. Ela conta que, logo no início do isolamento, uma fotógrafa que o casal acompanhava nas redes sociais começou a ensinar o passo a passo da criação do fermento, e, posteriormente, a fazer o pão. Eles ficaram de olho.
Era um processo em que eu e meu marido sempre tivemos interesse, mas a gente nunca tinha parado para estudar e testar. Sempre cozinhamos aqui em casa, os dois gostam de cozinhar. Mas com a quarentena essa atividade se intensificou tanto aqui como na maioria das casas, né?, comenta Patricia.
O casal, que é mineiro, deu um toque todo capixaba à receita, assando seus pães em panelas de barro, e também em panelas de ferro. Tudo é feito a quatro mãos, apenas eu e o Igor, conta.
O pãozinho caseiro de Patricia e Igor também passou a ser uma forma de demonstrar carinho neste momento em que o contato pessoal está tão limitado. A gente descobriu que cozinhar e presentear nossos amigos era uma forma de dar um abraço, de estar perto, mesmo com todo o distanciamento físico que estamos precisando manter. Então, o pão entrou nessa história também: a gente fazia, levava para algum amigo e o abraço estava entregue.
Enquanto alguns estão começando, outros aproveitam o aumento do interesse em panificação para ensinar o que já sabem. Diana Abreu é oceanógrafa de formação, trabalhou muitos anos com fotografia e em 2017 foi apresentada à fermentação natural. Desde então, nunca mais largou o universo dos pães.
"Uma amiga me deu um pouquinho de levain (fermento natural), um livro sobre o tema e me explicou como eu faria para manter o fermento vivo. Então comecei a testar, pesquisar e fui me apaixonando, ficando cada vez mais encantada pelo processo e pelos resultados", lembra ela.
Diana conta que sempre deu pães a amigos e familiares e muitos tinham interesse em saber como ela os fazia. Apesar de já ter muita coisa na internet, as pessoas ainda se sentiam inseguras para fazer, um curso sobre isso fazia falta. Então comecei a pensar nisso, mesmo antes da pandemia.
Foi em julho deste ano, já na quarentena, que Diana resolveu criar sua primeira oficina de pães feitos com fermento natural. Ela chamou dez amigos interessados na temática e fez um teste. "Preparei um kit para cada aluno, com os ingredientes e as ferramentas básicas, para todo mundo conseguir fazer de casa, acompanhando pela internet. A ideia era que todos colocassem a mão na massa, e a oficina foi um sucesso", conta.
Desde então, ela seguiu com a ideia de compartilhar seus conhecimentos com os novos adeptos da panificação caseira e a oficina já está indo para sua quarta turma. Além disso, Diana criou um grupo em um aplicativo de mensagens onde o único assunto é pão. Por lá, a conversa rende. Reuni todos os ex-alunos em um grupo de WhatsApp onde tiramos dúvidas uns com os outros e compartilhamos conteúdos relacionados aos pães. Tem muita interação entre os veteranos e os novatos, é como uma comunidade.
Assim como em várias outras receitas, para muita gente o processo de produção dos pães vale tanto quanto o resultado. Com Dudu Altoé, que atua na área de relações públicas, não foi diferente. Caiu no meu colo quase como uma terapia. Acredito que o meu novo hobby seja a cozinha como um todo, mas a panificação é parte importante desse momento, com certeza, diz.
Ele explica que, depois de muito tempo dentro de casa, cansou um pouco de delivery e resolveu inventar moda no fogão. Hoje temos acesso com muita facilidade a receitas mil, e tudo de forma bem didática. Até canais no Youtube estou seguindo, para aprender mais. Acredito que faça parte de um ritual de casa, uma verdadeira experiência. Cozinhar é estar consigo mesmo criando algo novo, e isso me instiga.
Após participar de uma das oficinas de Diana Abreu, Dudu não demorou a assar seus primeiros pães. "A fermentação natural é algo que me chama a atenção há algum tempo. Descobri que a Diana estava promovendo esses encontros virtuais durante o isolamento e decidi aprender também."
Sabe aquela história de comfort food? Cai como uma luva na história de Dudu. Sou descendente de italianos, como grande parte dos capixabas, e temos o pão como um pilar da gastronomia. Ele é quase um membro da família, item obrigatório à mesa, desde o café da manhã até as reuniões de domingo, conta.
A demanda para que eu ministrasse cursos de panificação cresceu muito durante a pandemia, recebo mensagens quase todos os dias. São vários relatos de pessoas que precisam complementar a renda e que encontraram nos pães uma forma de se reinventar. Tenho alunos que nunca fizeram um pão que seja na vida e estão aproveitando este momento para desafiarem-se em busca do novo.
O relato é de Kenya Cristina Souza, formada em gastronomia e especialista em pães artesanais de fermentação natural. Para ela, o sucesso da panificação na quarentena não veio à toa e deve-se principalmente ao processo. Fazer um pão não é tão simples quanto parece, requer técnicas, respeito a tempos de fermentação. O pão nos ensina a ter calma e paciência. E para fazer pão não é preciso um grande investimento inicial. Uma cozinha com um bom forno já é um ótimo começo, diz.
Além de tema para aulas, os pães também são o empreendimento de Kenya. Sua decisão de empreender surgiu na pandemia, quando não era mais possível dar aulas presenciais. Eu gravava os conteúdos (receitas) para minhas alunas e enviava por WhatsApp para que pudessem reproduzir. Compartilhei nas redes sociais e começou a procura para comprarem os pães, e também por aulas particulares de panificação.
A partir da demanda pelo pãozinho surgiu a Madame Kenya, uma página que a professora criou para expor e vender seus produtos. Faço fornadas bem reduzidas, apenas duas vezes por semana. São pães artesanais, de fermentação natural e prolongada. Crio um cardápio semanal, onde o cliente faz seu pedido antecipadamente, explica.
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