Para nós, negros que cresceram sem qualquer referência positiva, ver nos últimos dias tanta gente preta nas mídias, tendo espaço e oportunidade, é realmente um momento que esperávamos há séculos. E eu preciso começar esse texto dizendo que tudo isso é muito importante, que falar sobre racismo é extremamente necessário, mas que eu almejo que esse “despertar para as causas raciais” seja contínuo ao ponto de sermos chamados também para pautas diversas, ocupando os espaços positivos na mesma proporção que os brancos ocupam.
A morte de George Floyd, assim a como de tantos negros brasileiros - que ocorrem diariamente, choca porque desmistifica a ideia de que somos todos iguais. Somos todos iguais, mas ainda não somos tratados da mesma forma. Negros ainda colhem os frutos cruéis de um sistema escravocrata que durou por mais de 300 anos. Ainda são vistos como suspeitos nas ruas, excluídos dos espaços elitizados, preteridos em relações e - enquanto são maioria nas estatísticas de assassinatos, são minoria nos dados de melhores salários e cargos de chefia, por exemplo. O fato é que enquanto a luta pela vida das pessoas pretas for problema apenas das pessoas pretas, nada vai mudar. É nesse ponto que chega uma palavra tão usada nos últimos dias, sobre ser antirracista.
Quem realmente quer ser antirracista tem que, primeiro, saber que não vai ser fácil. Depois, é essencial ler, ouvir e assistir pessoas pretas, na maior frequência possível. E mais que isso, é preciso contratar negros e dar oportunidade de permanência. Não é mais aceitável a justificativa de que não há um profissional negro para determinado trabalho. Porque esses profissionais existem e podem ser 50% de qualquer equipe/projeto. Também é necessário reconhecer e negar os privilégios que só existem em cima de uma opressão contra as pessoas pretas. Enfim, sair da bolha é um caminho longo, que necessita muito mais que hashtag. É preciso vontade, empatia, aprendizado e ação.
Por fim, volto dizer que uma real mudança só será possível quando nós, negros, tivermos a oportunidade de ocupar espaços e permanecer neles. Pretos precisam ser vistos em todos os locais, falando sobre qualquer assunto, como seres individuais que são e não como um bloco único. Essa falta de representatividade constante não pode ser vista como normal. Não pode ser tido como normal entrar em uma festa bacana, um restaurante legal ou assistir um programa de TV e não ver nenhum negro (ou ver pouquíssimos) a não ser como subalterno. Porque enquanto brancos forem exclusividade em ambientes positivos ou elitizados e pretos forem maioria apenas nas estatísticas negativas, haverá um eterno apartheid.
Elis Carvalho, repórter
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta