"Aprendi a sorrir com os olhos". O depoimento emocionado é da técnica de enfermagem Maria Vicência, que há 40 dias viu a rotina mudar na Unidade de Terapia Intensiva do hospital em que trabalha, na Serra. A UTI foi criada especialmente para receber apenas os pacientes com a Covid-19.
A capixaba de 40 anos é uma das centenas de mulheres no Estado na linha de frente do combate ao coronavírus e têm enfrentado desafios e momentos dramáticos no tratamento de pacientes. De acordo com o relatório "Mulheres no centro da luta contra a crise Covid-19", divulgado pela ONU Mulheres, a pandemia afeta mais as mulheres. Para se ter ideia, 70% dos trabalhadores de saúde em todo o mundo são mulheres, fato que as expõe a um maior risco de infecção pela doença. "No começo não imaginava que chegaria num estágio com a UTI com muitos pacientes. Mas, quando recebi os três primeiros infectados, percebi o quanto seria difícil. Vi que teria uma longa batalha e que precisaria estar preparada psicologicamente para ela", conta.
Maria trabalha em plantões que duram 12 horas. E em pouco mais de um mês viu a rotina no Vitória Apart Hospital mudar. "UTI sempre é estressante, mas não tinha o peso desse novo vírus e o medo por ser uma doença nova. Estamos aprendendo como tratar. Os procedimentos vão mudando e vamos aprendendo ao longo do processo. Todo dia é uma vitória".
Pelas regras do hospital, a profissional não pode revelar quantos pacientes estão internados com a doença. A rotatividade é grande e a demanda também. As visitas são proibidas. Em algumas exceções familiares são permitidos a olhar de longe, pelo vidro. A vida na UTI é resumida entre o profissional e o paciente. "Os olhos são uma das poucas coisas que o paciente vê. Por isso digo que o meu sorriso é através do olhar. E por incrível que pareça eles percebem. O tom de voz também tem que ser mais alegre. O pouco tempo que permanecemos ali é o que dá conforto para quem está sozinho. O único contato com o mundo é a gente. O vírus tem transformado nossa maneira de trabalhar. O cuidar hoje é fundamental". Parentes costumam mandar bilhetes, recados e vídeos. É o único jeito de matar a saudade.
Não ter apego também é impossível. "Essa doença gera um processo de empatia. Quando você vê um paciente sozinho, se agravando, é duro. Mas se ele acorda é uma vitória. Ele é o amor de alguém, não tem como não se apegar e não pensar na família. É muito triste". Ela, que trabalha na UTI desde a internação do primeiro paciente testado positivo, se agarra à religião para seguir em frente. "É ela que me ajuda espiritualmente. Passei por todos os estágios acompanhando pacientes, não é fácil. Desde o início me preparei como se fosse um treinamento de guerra. É exaustivo", conta Maria.
O medo maior, claro, é não ser contaminada. Para isso ela segue todos os protocolos, inclusive em casa, na quarentena. "Quando chego tiro a roupa, tomo banho e mantenho certo distanciamento de familiares. Também não compartilho alguns objetos, como talheres, por exemplo. A maior preocupação é com os meus familiares, tenho medo que eles se contaminem. Porque eu sei que não é fácil. Vejo o que esse vírus é capaz de fazer todos os dias".
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta