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Filtros embelezadores: quando o uso dos efeitos se torna prejudicial?

Filtros embelezadores: quando o uso dos efeitos se torna prejudicial?

Aumentar a boca, mudar a cor do olhos e dos cabelos pode ser algo divertido. Mas e quando você passa a querer postar fotos e gravar só com filtros, é saudável? Conheça os riscos escondidos por trás do excesso de uso dos filtros disponíveis nas redes

Publicado em 29 de outubro de 2020 às 06:01

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Mulheres fazendo selfie com o celular
Insatisfação com a própria imagem real e baixa autoestima podem ser efeitos do excesso da utilização dos filtros. (shutterstock)

No universo sem defeitos do Instagram não há poros, manchinhas, rostos redondos, nem cicatrizes de acne ou queixo duplo. Os padrões de beleza que até outro dia eram apenas inatingíveis, hoje são ficção de rede social Através dos filtros, as fotos podem ter efeitos como a coloração diferente dos olhos e cabelos, bochechas menores, cílios alongados e lábios preenchidos.

Mas que problema há em querer brincar e mudar de vez em quando? Nenhum. A questão está em se tornar dependente desses filtros e dessa estética que não está disponível na vida real e que torna todos os rostos muito parecidos. Tudo isso pode ocasionar uma fixação por uma aparência computadorizada e pouco realista e ainda representar riscos físicos e psicológicos.

E quem pensa que os efeitos das redes sociais não são tão profundos assim, pode estar enganado. Segundo dados de uma pesquisa realizada pela Academia Americana de Cirurgiões Plásticos Faciais e Reconstrutores, 55% das cirurgias plásticas no nariz feitas em todo o mundo no ano de 2017 foram motivadas pelo desejo de sair melhor em selfies.

#SemFiltro

Carolina Rocha só usa os filtros raramente e é adepta de uma estética fotográfica mais natural.
Carolina Rocha só usa os filtros raramente e é adepta de uma estética fotográfica mais natural. (Arquivo pessoal)
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Valorizo uma imagem que represente uma realidade mais “crua”, composta pela singularidade das linhas, marcas - que são apagados pelos filtros

Carolina Rocha
Instagrammer que reduziu o uso de filtros
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“Quando tive a oportunidade de experimentar outras cores nos meus olhos, uma boca maior, um rosto livre de espinhas, pensei em como seria se eu fosse assim. Mesmo que isso não tenha se mostrado como algo relevante para a maneira como eu quero me modificar, por instantes, me pegou e me fez questionar se eu seria mais bonita daquele modo. Em contrapartida, em outros momentos, já me assustei com o tanto que eu fiquei modificada, o que me gerou estranhamento e, logo, bastante sobriedade de que eu estava bem da forma que eu estava, sem a necessidade de nada mais.”

O relato acima é de Carolina Rocha, psicóloga que usa o Instagram desde 2012. Ela conta que, no começo, foi apresentada aos filtros como um recurso interessante para edição de fotos, já que eles permitiam ferramentas para “imitar”, de maneira prática e simples, algumas de suas referências de imagens. Porém, para ela, nos últimos tempos, o filtro tem ganhado outras proporções, principalmente os dos stories. “Atualmente, tenho o uso dos filtros com ressalvas e em situações específicas, mas isso diz muito sobre o tipo de construção de imagem que eu valorizo nesta rede social e também em minha interação para além dessa realidade virtual”, salienta.

“Valorizo uma imagem que represente uma realidade mais “crua”, composta pela singularidade das linhas, marcas - que são apagados pelos filtros”, complementa.

Carolina acredita que os filtros impactam em como ela e as outras pessoas se veem. “É muito comum vivermos uma disparidade entre como estamos e como gostaríamos de estar. Sinto que, muitas vezes, os filtros nos capturam justamente por essa lacuna, de forma a nutrirmos, de maneira desproporcional, essa diferença”.

“Isso impacta na minha percepção de autoimagem porque alimenta justamente algo que não me constitui, como um traço, um formato, uma pigmentação, como se meu formato tivesse que se adaptar (e apagar) para ser como o do filtro. Além de sustentar a ideia insustentável de uma imagem perfeita e “saudável”, o tempo todo, não dando terreno ao cansaço, à olheira, ao estresse e à falta... Penso que nossa imagem acompanha nossos ritmos de vida, que são compostos por altos e baixos, se mostrando desumano estarmos de uma única forma o tempo todo”, acrescenta.

Filtro próprio

A universitária Loren Carvalho criou o próprio filtro no Instagram.
A universitária Loren Carvalho criou o próprio filtro no Instagram. (Arquivo pessoal)

A universitária e digital creator Loren Carvalho afirma gostar de filtros que mudam a edição das cores, mas não curte muito aqueles que mudam o rosto, afinam o nariz ou aumentam a boca. “Eu tento não utilizar pra não impactar na minha própria percepção da minha imagem”, diz.

“No período em que usei mais filtros que mudavam muito meu rosto, eu comecei a querer afinar meu nariz com editor de imagens e maquiagem. Era como se os aspectos que eu quisesse mudar fossem pseudo amenizados com os filtros”, lembra Loren.

Estes aspectos colaboraram para que Loren criasse o próprio filtro na plataforma, livre de deformações nos rostos em que ele é utilizado. “Além de fortalecer minha marca pessoal, um dos motivos de eu ter criado meu próprio filtro foi querer que as pessoas usassem essa configuração de cor. E que também fosse um filtro que atendesse a todo mundo sem trocar as características do rosto nem a cor de pele”, explica ela.

Em que ponto a brincadeira dos filtros deixa de ser saudável?

A psicóloga Gabriela Bergamaschi explica que as redes sociais têm um papel muito importante na reprodução de padrões, de um modo geral, e na forma como interagimos. Segundo a profissional, muitas vezes elas podem impor a forma como as pessoas devem ou não se vestir, por exemplo, e podem modificar percepções e comportamentos. “Isso acontece através dos reforçadores imediatos que estão disponíveis ali o tempo todo, através de likes e comentários. Eles acabam “guiando” nosso comportamento, nos mostrando o que é mais aceito, o que é mais aplaudido, o que ganha mais likes”, pontua.

“O uso de filtros é um ótimo exemplo de como a aprovação do meio social virtual pode gerar uma grande influência na percepção sobre nós mesmos. E isso pode trazer uma insatisfação em relação a nossa autoimagem real, provocando uma busca incessante, e às vezes até excessiva, por aquele padrão de beleza reforçado nas redes”, complementa.

Segundo Gabriela, essa insatisfação com a autoimagem acontece porque a construção social de um padrão de beleza impõe que algumas características são mais aceitas, mais desejadas do que outras, e isso provoca essa insatisfação, baixa autoestima e tentativas de se adaptar. “Quando nos olhamos e vemos que não estamos dentro desse padrão, a tendência é que fiquemos realmente insatisfeitos. Isso pode causar baixa autoestima, isolamento social não virtual, busca por procedimentos estéticos - em alguns casos, de forma excessiva -, além de distúrbios de imagem, como autoimagem distorcida, por exemplo e até distúrbios alimentares”.

O limite entre a diversão e a toxicidade dos filtros

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Se a sua busca por aprovação e por relações está sendo apenas através de redes sociais, é hora de avaliar se não está deixando de lado o mundo real

Gabriela Bergamaschi
Psicóloga
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“O limite é encontrado quando passamos a nos comportar de forma a se adaptar ao que consumimos e ao que é reforçado nas redes sociais, deixando, assim, de nos comportar de acordo com o que realmente valorizamos. Se a sua busca por aprovação e por relações está sendo apenas através de redes sociais, é hora de avaliar se não está deixando de lado o mundo real, deixando de lado a sua imagem real, suas relações reais”, destaca a psicóloga.

A profissional acrescenta ainda que a quantidade de curtidas pode significar aprovação, aceitação social, mas não necessariamente sentimentos reais como afeto, amizade, amor, que é o que mantêm as relações e os vínculos do mundo real.

Use o "filtro" para escolher o que você consome nas redes sociais

Psicóloga Gabriela Bergamaschi
A psicóloga Gabriela Bergamaschi aconselha que seja feita uma seleção do que é consumido nas redes. (Thais Carletti)

Uma dica da psicóloga é filtrar o que é consumido nas redes sociais. Procurar identificar perfis que reforçam essa busca por padrões e silenciar ou deixar de seguir. “Além disso, a busca por entender porque esses padrões existem e o que nos faz consumir e reforçar todos eles, pode ajudar a desconstruir e entender que, na vida real, não é possível se adaptar e tentar alcançar algo que, na verdade, é inalcançável, que está fora das possibilidades reais”, complementa.

Segundo ela, essa desconstrução pode acontecer durante o processo terapêutico, onde o caminho é construir autoconhecimento e autoaceitação da própria imagem. "Assim, entendemos que todos os corpos são belos e que tudo o que é imposto como padrão de beleza, não passa de uma infeliz construção social”, finaliza.

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