Os dias ensolarados de céu azul tornam o confinamento ainda mais difícil de suportar e viram um convite para aquela corrida ou pedalada, quem sabe uma caminhada na areia seguida de um belo mergulho no mar. E aí, basta ver os calçadões das praias para constatar que essa regra primordial em tempos de coronavírus não vem sendo seguida à risca pela população.
Claro que no Brasil não foi implantado o chamado lockdown, que é quando há a proibição total da circulação de pessoas, com fiscalização policial inclusive. Mas é principalmente nos finais de semana que se tem a sensação de que muita gente se esqueceu de que o mundo vive uma pandemia, pelo grande número de pessoas se exercitando ao ar livre.
Afinal, é possível dar uma saidinha com segurança? O que dizem médicos, o governo do Estado e o ministério da saúde?
O ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, que antes estimulava a população a fazer suas atividades externas, desde que mantidos certos cuidados, foi mais cauteloso dias atrás em uma entrevista coletiva à imprensa: Fique em casa esse final de semana, tenha paciência, pediu. O ministro defendeu, no entanto, uma saída para uma caminhada, de modo que a pessoa possa tomar um pouco de sol, vitamina D, mas sem aglutinar, ir todo mundo para o mesmo point. Desestressou, volta para casa, reforçou ele.
Perguntamos para a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) qual seria a orientação aos capixabas. Em nota, a pasta não fez nenhuma referência à atividade física ao ar livre. Disse apenas que recomenda, neste momento, que a população adote o isolamento domiciliar como forma de prevenção ao contágio do coronavírus enquanto durar a situação de emergência em saúde pública.
A Sesa afirmou ainda que o indivíduo, caso tenha necessidade de sair em via pública, que adote a etiqueta respiratória: manter a distância do outro, não espirrar nem tossir nas mãos e sim no antebraço, higienizar as mãos com água e sabão, ou álcool a 70%.
Os especialistas afirmam, porém, que, na prática, muita gente tem ignorado as recomendações e alertam para os riscos a que essas pessoas se expõem ao descumprirem o isolamento. Afirmam ainda que, da porta de casa para fora, as chances de contágio aumentam consideravelmente, por maiores que sejam os cuidados tomados.
Para a pesquisadora em epidemiologia e professora da Universidade Federal do Espírito Santo, Ethel Maciel, a decisão de sair de casa tem que ser pensada em termos de risco e benefício que essa pessoa vai ter.
Sair de casa para dar uma caminhada, uma corrida no calçadão não é proibido. Tem gente alegando que é uma questão de saúde mental. Mas acho que é preciso medir bem os riscos dessa ação para você e para quem mora com você, se vai valer a pena, observa ela.
Os perigos, diz Ethel, estão mais próximos do que se pensa. Uma pessoa que mora num prédio de frente para a praia vai ter que pegar elevador, apertar botões ou segurar um corrimão. Por mais que esteja atenta, vai tocar em muita coisa. É essa exposição que tem que evitar. Não sabe se nas proximidades tem alguém infectado, alguém que passou por ali, espirrou dentro do elevador.
Se for inevitável sair, a pesquisadora chama a atenção para a importância de se adotar uma série de medidas. Digo que se vai sair, tem que sair de máscara, usar álcool em gel. Tem que ver se é uma pessoa que vai ter capacidade de conviver com essas novas medidas, porque vamos conviver por um bom tempo com elas. Se ela não vai dar conta de todas as etapas, tem que ficar em casa, ser protegida. O que essa pandemia mostra é que a gente vai ter que estar mais atenta ao nosso comportamento, onde colocamos nossa mão, pontua.
O infectologista Luís Henrique Barbosa Borges diz que muitos pacientes têm questionado sobre os riscos dos exercícios ao ar livre. Muitos argumentam: ah, mas só tem eu. Não é o que temos visto, comenta ele.
De acordo com o médico, não é o momento de furar a estratégia do isolamento. Quando vemos calçadões cheios percebemos que está havendo uma incorreção, uma falta de compreensão sobre a pandemia e a condição de risco.
O problema de sair de casa para dar um pulinho na praia, segundo Borges, é que há todo um percurso até lá. A pessoa desce pelo elevador ou vai pela escada, pega no corrimão, no portão, cumprimenta A e B, encontra um amigo, para e conversa com ele Outro dia, vi no calçadão um monte de pessoas aglomeradas em torno do vendedor de água de coco. Ali, tem todo um ritual de pegar o copo descartável das mãos dele, pagar, pegar o troco. Nesse momento, há várias possibilidades de contaminação. Aí, a pessoa volta para casa achando que não teve risco, dá um abraço no pai ou no avô, cita.
O infectologista concorda com o ministro da saúde que o simples ato de caminhar na praia não é um risco tão alto. Porém, não há garantias de que isso seja 100% seguro.
Como controlar o comportamento individual? Entendo que ao dizer que a pessoa pode sair e caminhar, o ministro leva em conta que ela não vai fazer contato tátil com nada. A gente sabe que o vírus não circula com o vento, ele se deposita no solo com gotícula de saliva, fica nas superfícies dos objetos. Quando a gente coloca essa questão, não é por conta desse risco, mas são as incorreções. Além do mais, todo mundo achando que pode sair, pensando assim, não são 10, 20 pessoas, são 200 pessoas usando o mesmo espaço público, considera Borges.
Para o médico, o ideal é pensar em se exercitar dentro de casa. A pessoa pode adaptar o exercício, fazer alongamento em casa.
Mesma dica de Ethel: Tenho visto várias academias com aulas virtuais, até alugando equipamentos. São mudanças que estão acontecendo para as pessoas evitarem de sair.
É hora de pensar não somente em si, mas também no outro. Às vezes, o idoso até ficou quieto em casa, mas o contato não. É o filho que não obedece e quebra toda a cadeia de cuidado. Muitos dão pequenas saídas, na ansiedade de sair, vão à farmácia, à padaria, rodam, rodam e não compram nada. Só que na escolha de um produto, manipulam um shampoo que alguém que entrou 10 minutos atrás contaminou. E acabam levando o vírus para casa, para a família, destaca Luís Henrique Borges.
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