Por mais que o tratamento de câncer de mama seja difícil, é também nesse momento que as pacientes encontram força para enfrentar a doença. E essa jornada pode se tornar uma experiência humana. Mas, para isso, é preciso ter fé.
Algumas pesquisas mostram que a espiritualidade também é uma ferramenta de enfrentamento ao câncer. Acreditar e encontrar sentido na existência, além de perceber o mundo para além do material, produz esperança, sensação de refúgio e certeza de amparo, o que ajuda no processo terapêutico.
O doutor em Ciências da Religião Kenner Terra explica que, para o paciente tornar a jornada do tratamento mais humana, é preciso se reconciliar com suas limitações. "Perceber que somos frágeis e sujeitos a diversos males possibilita vencermos o sentimento de culpa, o medo da exposição... Dessa forma, aceitamos auxílios que são extremamente necessários. A humanização é fundamental porque nos enraíza na realidade e não permite que criemos expectativas inalcançáveis. A espiritualidade saudável, inclusive, não tenta ocultar as fraquezas humanas com discursos triunfalistas, mas desenvolve senso de dependência e humildade diante das dores comuns da realidade humana", diz.
O professor conta que a fé ajuda no tratamento. "Há pesquisas que mostram que fé é fundamental no tratamento, especialmente por gerar uma 'teimosa esperança'. Antes de produzir passividade ou irresponsabilidade, a fé madura é fonte de fôlego e coragem durante o tratamento. A fé dá razão para continuar. E permite encontrarmos propósito até mesmo nas experiências irracionais da vida", diz Kenner.
O doutor diz que, para quem enfrenta o câncer, a fé não pode servir de alienação ou para deslocamento da realidade. O grande benefício está na capacidade de produzir reconciliação com as fragilidades, ao mesmo tempo em que aponta para a esperança de superar as dores e incertezas. "Tal postura faz com que a maneira como o paciente enfrente o processo já seja uma grande vitória".
Fé não faltou para a fisioterapeuta, educadora física e bailarina contemporânea Sandra Motta, de 51 anos. Em abril de 2017, enquanto conversava com a mãe, sem querer tocou a mama direita. E percebeu um nódulo. "Na semana seguinte fiz os exames e confirmou minha suspeita. Soube do resultado dirigindo, quase morri de acidente de carro e não do câncer. Não enxerguei mais nada. Fiquei cheia de dúvidas, mas todas de ordem prática, mas não fiz a pergunta: 'por que comigo?'", conta.
O tratamento durou 10 meses entre mastectomia radical (retirada total) da mama direita, 16 sessões de quimioterapia e 25 de radioterapia. E, apesar de todas as incertezas, ela conta como a fé foi importante. "Sem o olhar da fé eu não teria tido a experiência mais fantástica da minha vida, pois eu não conseguiria enxergar toda a beleza que uma dor pode te trazer. Às vezes, as pessoas diziam para mim: 'nossa, você tem tanta fé!'. Eu respondia: 'provavelmente você também tem, mas nunca precisou tanto dela como eu estou precisando neste momento. Eu também não sabia que ela é esta força tão incrível'. Tive a oportunidade de praticá-la", conta.
Para ela, o período da doença foi um mergulho na experiência humana. "Quanto mais eu experimentava a fragilidade do físico, vendo o meu corpo definhar, mais eu mergulhava em Deus, sentia meu espírito forte. Essa é a experiência do humano mais incrível. Nunca desejei o sofrimento, mas acredito que em Deus ele se torna um terreno muito fértil para nossa mudança e crescimento como filhos de Dele. A gratidão, ao invés da reclamação, e a oferta da vida, ao invés do drama, foram os principais ingredientes para eu passar por esta situação na paz e na alegria", lembra Sandra.
Kenner Terra, que também é pastor, explica que o conceito de fé é polissêmico e pode ser aplicado a várias coisas. É muito comum vinculá-lo a práticas ou expectativas produzidas pelas instituições religiosas. "Contudo, quando alargamos o sentido do termo concluímos que ele está para além dos sistemas religiosos e suas estruturas tradicionais. Crer no valor da vida, no sentido da existência ou até mesmo em um Ser superior é possível mesmo quando não somos vinculados a alguma instituição".
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta