Ela abre os olhos e percebe que está na própria cama, em seu quarto. Tudo parece normal, mas ela não consegue se mexer. Pensa em chamar alguém em casa. Não adianta, a voz não sai. A agonia dura alguns minutos, embora pareça uma eternidade.
O episódio descrito é real. Aconteceu algumas vezes com a jovem Carolina Malisek, 22 anos. E tem nome: paralisia do sono. É um dos muitos transtornos que podem acometer as pessoas enquanto elas dormem.
Sonambulismo, terror noturno, narcolepsia são alguns deles. Nem todos são graves a ponto de precisarem de intervenção médica. No entanto, todos são inquietantes, desses de deixar assustado tanto quem sente quanto quem presencia a cena.
Carolina diz que nunca procurou ajuda. Nunca pensei. Consigo conviver porque não acontece com tanta frequência. Começou na adolescência, mas não tenho sempre. Aparece mais em épocas em que estou preocupada, estressada com alguma coisa ou muito cansada, conta.
De acordo com a pneumologista especialista em Medicina do Sono, Jéssica Polese, a paralisia realmente pode ser desesperadora, mas não exige um tratamento específico na maioria dos casos.
A pessoa tem consciência do que acontece ao redor, mas tem atonia muscular, um relaxamento tão grande que ela desperta, mas não consegue se mexer. A impressão que ela tem, às vezes, é de que vai morrer, porque dá um desespero. Porém, é inofensivo. Só se a pessoa tem outros sintomas. Aí, pode ser indicado algum tipo de antidepressivo, diz ela.
Para esses casos, a dica é o indivíduo tentar focar a atenção em alguma parte do corpo e tentar mexê-la. Pode ser, por exemplo, prestando atenção nos olhos, movimentando-os de um lado para o outro para tirar o foco, orienta Jéssica.
É comum, segundo a médica, o problema ocorrer junto com outro transtorno mais raro e difícil de diagnosticar: a narcolepsia. Nela, a sensação é de uma sonolência excessiva durante o dia, que leva a cair no sono abruptamente, a qualquer momento.
A pessoa está conversando e cai no sono no meio da conversa. Tive um paciente que dormia no meio de uma prova, levava bronca do professor e já foi expulso de sala de aula. Tive que interceder, emitir um laudo médico para ele concluir os estudos, cita a pneumologista.
Vida social
De acordo com a otorrinolaringologista e especialista em Medicina do Sono Zuleika Paim, a narcolepsia deve ser acompanhada porque atrapalha a vida social. Ela costuma se manifestar pela primeira vez na segunda década de vida. O paciente fica estigmatizado como preguiçoso. Isso tem um impacto social muito grande. Há exames específicos para diagnosticar, junto com análise da história clínica.
Popularmente mais conhecido, o sonambulismo não costuma trazer grandes consequências. Mesmo assim, é cercado de mitos, como o de que o sonâmbulo não pode ser acordado. Ele pode ser acordado sim, no máximo ficará assustado. O indicado é tentar conduzi-lo com calma de volta à cama, diz Jéssica.
Já viu alguém mexer as pernas sem parar enquanto dorme? É a síndrome das pernas inquietas, que tende a ser benigna, sem maiores consequências, mas também tem tratamento. Ocorre quando a pessoa está no estado de repouso. Ela tem uma sensação de incômodo, um formigamento que só se alivia quando ela movimenta as pernas. Muitas têm que andar pela casa. Há medicação para isso, diz Zuleika.
Um outro transtorno pouco conhecido também não traz perigo, mas é bem angustiante para quem presencia: é o terror noturno. Segundo a especialista, é mais comum em crianças e pode começar a se manifestar em torno dos três anos de idade.
Do nada, a criança acorda, fica com os olhos vidrados, se senta na cama e passa a chorar e a gritar desesperadamente. Pode durar uns 40 minutos. Depois passa. Ela se deita e volta a dormir tranquilamente. Muitos pais confundem com pesadelo e tentam acalmar o filho. Só que quanto mais o manipulam, mais aquilo persiste. Por isso, o melhor é esperar e só cuidar que ele não se machuque. E a tendência é isso melhorar com o crescimento, orienta.
Perigo mesmo atinge quem sofre da chamada síndrome comportamental do sono REM. Nela, a pessoa consegue executar ações durante o sono, por isso, é preciso tratamento. O problema é que, normalmente, são sonhos agressivos, de que ela está sendo perseguida. Então, ela chuta a parede ou até o companheiro. Ou pode pegar um carro, dirigir por quilômetros e agredir ou matar alguém, relata Jéssica Polese.
O sonambulismo é de família, diz empresário
Numa madrugada dessas, o empresário Manoel Bessa, 58 anos, levantou-se da cama, foi até a geladeira e pegou um pote de azeitonas. Tudo seria normal se não fosse um detalhe: ele fez tudo isso dormindo.
O empresário só descobriu o que fez no dia seguinte porque a esposa contou para ele, claro. Sonâmbulos raramente se lembram do que fazem à noite.
E não foi a única atitude estranha que ele teve em casa. A família já está acostumada e, mesmo sabendo que Manoel tem um distúrbio, se diverte dos episódios de sonambulismo dele.
Uma vez, ele se levantou e começou a levantar o colchão da nossa cama, gritando aranha, aranha. Eu, que já sabia que ele estava sonâmbulo, só disse: calma, Manoel, vai dormir. E de repente ele parou, deitou e dormiu. Igual um zumbi, conta a esposa de Manoel, a também empresária Mira Moreira, 53 anos.
Geladeira
O próprio Manoel, aliás, acha engraçado o que faz durante o sono. Já aconteceu algumas vezes de eu ir até a geladeira, pegar uma comida e voltar para cama. Mas já tirei televisão da sala e a levei para o quarto. A gente morre de rir da situação. Imagino como é engraçado quem me vê fazendo essas coisas com a maior cara de bobo, comenta.
Felizmente, nunca aconteceu nada mais grave. Exceto uma vez, como lembrou Mira: Ele andava aborrecido com uma prima. Aí, no meio da noite, se levantou, pegou uma espingarda que tínhamos em casa e ficou falando que ia atirar nela. Mas a arma nem tinha balas.
Manoel nunca achou esquisito. É de família. Meu irmão também é. E um tio, que já faleceu, costumava levantar à noite e ir para o bar de pijama. Pedia bebida e tudo. E quando acordava e via onde estava levava um susto, relembra o empresário.
DEPOIMENTO: "Sinto falta de ar, desespero"
Tenho paralisia do sono. Começou no ensino médio, mas não tenho sempre. Aparece mais em épocas em que estou preocupada ou estressada com alguma coisa, ou quando estou muito cansada. É uma sensação de que meu cérebro acordou, mas meu corpo não conseguiu acompanhar ainda. Aí vem a falta de ar e o desespero por estar meio consciente, mas não conseguindo me mover.
Consigo ter consciência de estar na cama, do que está à minha volta, mas às vezes entram alguns elementos do sonho junto também.
Eu não consigo nem chamar alguém. Eu tento, às vezes até aparece na minha imaginação que estou gritando, mas, na realidade, não estou.
Lendo sobre a paralisia do sono, eu aprendi uma técnica que ajuda, que é focar em uma parte pequena do corpo (um dedo, por exemplo) e tentar mover ela. Assim, dá para acordar mais facilmente. Não dá para saber quanto tempo exatamente dura cada crise. Mas acho que não dura mais do que minutos.
Nunca pensei em buscar tratamento para o problema. Nunca pensei nisso porque consigo conviver com o problema, já que ele não acontece com tanta frequência.
CONHEÇA OS DISTÚRBIOS
Narcolepsia
Pessoas com esse distúrbio têm um sono súbito e incontrolável várias vezes ao dia. Os ataques de sono podem ocorrer em situações inusitadas: em pé no ônibus, dirigindo o carro, fazendo uma prova, por exemplo.
É um problema que traz prejuízos à vida social e até riscos aos portadores. O tratamento é feito com estimulantes e antidepressivos.
Sonambulismo
É quando a pessoa realiza coisas durante a transição entre sono e vigília. Ela se levanta da cama, caminha, mas depois nem se lembra do que fez. Basta conduzi-la de volta à cama. Mas não há problemas em acordá-la. É benigno e mais comum em crianças. Mas vale tratar se os episódios são muito frequentes e se envolvem risco de acidente ou constrangimento.
Paralisia do sono
É um transtorno que ocorre logo após acordar ou no momento em que se está tentando adormecer e que impede o corpo de mexer, mesmo quando a mente está acordada. Assim, a pessoa acorda mas não consegue se movimentar, causando desespero e angústia.
Não é um problema perigoso, nem coloca a vida da pessoa em risco. Para casos graves, o médico pode indicar o uso de antidepressivos.
Terror noturno
É um tipo de distúrbio comum em crianças, confundido com pesadelos, caracterizado por eventos acompanhados de choro e gritos. Dura alguns minutos e não chega a prejudicar o sono da criança, que nem se lembra do que aconteceu e adormece tranquilamente após o evento.
Não costuma demandar tratamento. Basta fazer uma boa higiene do sono e tornar o ambiente seguro com cama acolchoada, cercada e firme, por exemplo.
Sexonia
Alteração rara que faz com que a pessoa tenha comportamentos sexuais enquanto dorme. Pode fazer gemidos, apalpar o(a) companheiro(a), masturbar-se ou até tentar manter relação sexual. É aconselhável procurar um médico para diagnosticar o transtorno e iniciar o tratamento, que geralmente é feito com remédios e psicoterapia.
Transtorno alimentar noturno
É quando a pessoa acorda à noite, duas ou três horas após adormecer e sente uma vontade incontrolável de comer. Pode ser consciente ou não. E a ingestão geralmente é calórica. Nos casos graves, ela pode comer até papel ou sabonete. O tratamento requer terapia e medicação.
Distúrbio comportamental do sono REM
A pessoa consegue vivenciar o que está sonhando. Muitas vezes, o comportamento é violento, podendo resultar em fraturas, cortes ou mesmo a agressão a outras pessoas. A causa não é conhecida.
O tratamento requer medidas de segurança, como trancar portas e janelas para evitar acidentes. Além disso, pode ser necessário tratamento clínico com medicamentos como sedativos.
Síndrome das pernas inquietas
É quando a pessoa tem uma vontade incontrolável de mexer as pernas e as move involuntariamente. Pode ser necessária medicação.
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