FOLHAPRESS - "Corra para uma UTI agora. Seu filho está morrendo!" A sentença do médico, assim, na lata, nunca vai sair da cabeça de Mila Miranda Costa, 35, mãe dos gêmeos Benjamim e Enzo, de dois anos.
Neste ano, eles receberam dois corações novos no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (Incor) e estão se recuperando bem.
Naquele dia, 7 de novembro de 2017, Mila correu com Benjamim para um hospital em Imperatriz, a 632 km da capital do Maranhão. Mas não foi atendida porque seu plano de saúde ainda estava no prazo de carência.
De nada adiantou o pai, Deivid Allan Costa da Silva, 35, dizer que se tratava de um caso de vida ou morte. Só 15% do coração de Benjamim estava funcionando. Diagnóstico: miocardiopatia dilatada.
Já de madrugada, Deivid e Mila foram pedir ajuda a um juiz de plantão no Fórum. Na mesma hora, mandou-se internar a criança na UTI.
Era só o início da saga do casal. Gêmeos univitelinos, Benjamim e Enzo apresentavam os mesmos sintomas, dificuldades para respirar e cansaço excessivo.
Logo foi constatado que Enzo sofria do mesmo problema, o coração grande não conseguia bombear sangue para os pulmões. Trata-se de um caso inédito na cardiologia brasileira: gêmeos que possuem a mesma doença cardíaca, com sintomas que surgiram ao mesmo tempo, e receberam transplantes com apenas cinco meses de intervalo.
Só um transplante, ou melhor, dois, poderiam salvá-los. Conseguir doador para um bebê já é enorme desafio, quanto mais para dois.
Logo se formou uma rede de parentes e amigos do casal em Imperatriz, que fizeram contatos com médicos em São Paulo, além de providenciar uma vaquinha para as despesas. Em poucos dias, angariaram R$ 5.000.
Eletricista, Deivid ganhava R$ 1.200 por mês no seu último emprego. Mila, um pouco mais, como funcionária terceirizada da Caixa Econômica.
Como o estado de saúde dos gêmeos se agravava, era necessário providenciar uma UTI aérea, mas o plano de saúde se recusou a arcar com as despesas. Para complicar, os dois pegaram pneumonia.
No final de 2017, diante do impasse, Mila decidiu: "Tô indo amanhã para São Paulo com as crianças em voo comercial", informou à família.
Uma vizinha da sogra de Mila e a cunhada Márcia passaram a ela contatos no Incor e no HCor, dois hospitais em São Paulo em condições de cuidar de casos graves como os de Benjamim e Enzo.
"Não conhecia ninguém aqui e, de repente, estava com seis médicos cuidando dos meus filhos, primeiro no Instituto da Criança e, depois, aqui no Incor. Aí eu tive certeza de que meus meninos seriam bem cuidados e que conseguiriam se salvar. Aconteceu uma coisa linda, eu não parava de chorar", conta a mãe.
A cardiopediatra Estela Azeka, 56, entrou na vida da família e não saiu mais. Chefe clínica do Programa de Transplante Cardíaco Infantil, ela acolheu os gêmeos de Mila desde a primeira consulta e cuidou de todos os procedimentos para prepará-los para os transplantes.
Benjamim, que estava mais fragilizado, entrou primeiro na fila para um novo coração. Mas, quando apareceu um doador, ele contraiu uma virose. O primeiro coração acabou indo para Enzo, em março.
No começo de agosto, apareceu outro doador, bem no dia em que Mila tinha voltado ao Maranhão, pela primeira vez, para ver a família.
Ao saber da notícia, ela correu para o aeroporto e conseguiu um voo com várias conexões, que levou dez horas para chegar a São Paulo. Quando enfim chegou à capital paulista, Benjamim também já estava de coração novo.
Deu tudo certo. Os dois já tiveram alta do hospital, onde, antes disso, para alegria dos pais e de Estela, fizeram uma foto histórica de todos juntos.
Até chegar a esse momento, passaram-se quase dois anos de corrida contra o tempo, à espera de doadores, numa batalha que envolveu dezenas de profissionais, entre clínicos e cirurgiões, enfermeiras e funcionários de apoio.
Um dos pioneiros de transplante pediátrico do Incor, em 1992, o cirurgião Marcelo, 57, filho do ex-ministro da Saúde Adib Jatene, comanda uma das seis equipes que operam de três a quatro crianças por dia. Foi ele o responsável pelo transplante de Benjamim, uma cirurgia sem intercorrências que durou quatro horas.
"Aqui nós cuidamos não só dos pacientes mas também das famílias, que têm um papel muito importante, principalmente no período pós-operatório, quando é maior o risco de rejeição".
Para isso, o Incor formou um grupo multiprofissional, com psicólogos, assistentes sociais e nutricionistas, que acompanham os pequenos pacientes antes e depois dos transplantes.
"Os cuidados são necessários pelo resto da vida. A cirurgia é apenas uma etapa de todo o processo", diz o médico.
Por este motivo, Deivid e Mila já decidiram que a família agora vai morar em São Paulo, num apartamento que alugou no Jardim Bonfiglioli [zona sul de SP], para ficar mais perto do hospital onde os gêmeos farão exames periódicos. "Nosso casamento com o Incor é para a vida", diz Deivid.
Sem conseguir emprego na sua área, três semanas antes do transplante de Benjamim, o eletricista criou coragem e foi trabalhar como motorista de aplicativo, depois de pedir para uma tia mandar seu Etios vir de Imperatriz numa cegonheira.
"O problema é enfrentar esse transito terrível com passageiro apressado pedindo para correr", conta ele.
A renda da família é completada com a venda de bordados que Mila aprendeu a fazer em São Paulo.
Ao relembrarem, com os filhos no colo, tudo o que aconteceu desde que receberam o diagnóstico dos médicos de Imperatriz, Mila e Deivid se emocionam, abraçam a doutora Estela, alternam risos e choro e parecem não acreditar na própria história.
A doação de órgãos ainda está muito aquém do número de pacientes que aguardam na fila, declara o médico Roberto Kalil Filho, presidente do Incor e diretor da Divisão de Cardiologia Clínica. "Por isso, não podemos perder sequer uma oportunidade de captação, esteja ela onde estiver."
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