Cinco milhões de brasileiros não consomem produtos de origem animal na alimentação, vestuário e cosméticos. A procura pelo termo vegano no Google cresceu quase 1000% nos últimos cinco anos. É o que mostra um estudo divulgado pela Sociedade Vegetariana Brasileira, com números de um grupo que cresce em relevância e também consome bastante. Simpatizantes da causa ou apenas atentos à demanda crescente, pequenos e médios empresários vêm investindo alto nesse promissor nicho de mercado, que, calcula-se, cresce 40% ao ano.
O vegano deixa de ingerir queijo, leite, carne e ovos, substituindo esses alimentos por produtos da terra, como castanhas, leguminosas, frutas e verduras. Quem é vegano também não compra roupas, sapatos e cosméticos produzidos com material animal ou testados em animais. Mas o que leva essas pessoas a mudarem completamente seu estilo de vida, deixando de comer e consumir igual à maioria da população?
Para os adeptos deste estilo de vida, o veganismo é um ato de amor, de enxergar o animal como um amigo. A chef Clarisse Merlo, que produz e vende alimentos sem crueldade, conta que decidiu parar de comer carne aos 10 anos. Comecei a fazer amizade com os bichinhos no sítio dos meus avós, e depois de um tempo percebi que eles não estavam mais lá, pois tinham virado comida, conta. Ela não se sentia bem com a situação, e decidiu que não queria ver aqueles animais na panela.
É nas redes sociais que os novos e antigos veganos têm se comunicado e trocado experiências. As plataformas online também são essenciais para quem precisa divulgar seu negócio e conquistar novas pessoas para a causa.
Gastronomia vegana
Dona Odete Merlo não teve a dificuldade que muitas mães têm para fazer os filhos comerem coisas saudáveis. A Clarisse comia verduras, frutas, ia no supermercado e ficava procurando por produtos veganos. Começou a cozinhar cedo, experimentava novas receitas, conta a mãe. Clarisse é Chef Vegan desde o ano passado.
A empreendedora produz diariamente produtos veganos criativos por encomenda, e atende a um público variado. Não são apenas veganos que me procuram. Eu atendo muita gente intolerante a lactose, por exemplo, que quer poder comer coisas diferentes. Mas meu objetivo é mostrar que o vegano não come sempre a mesma coisa, conta ela que produz coxinha, bolos e tortas.
De segunda à sábado, a partir das 11 horas, Renata Penna, 46, recebe seus filhos para almoçar no restaurante Mãe Divina, em Vila Velha. Ela e as sócias Flávia Requiere e Maite Belesa investiram em um espaço com ambiente simples e aconchegante, para servir uma comida totalmente vegana e mostrar a possibilidade de continuar comendo bem, experimentando todos os sabores e temperos, mas de uma forma mais ética e sem sofrimento envolvido, conta Renata.
Ela conta que a relação do restaurante com os clientes nas redes sociais é de maternidade mesmo: Nossas postagens são carinhosas, mas também damos bronca quando os clientes se alimentam mal. A relação nas mesas também é assim, quando alguém não gosta a gente substitui o alimento.
Segundo Renata, todos os dias o restaurante recebe novos clientes interessados em conhecer o veganismo. Há uma procura grande no nosso Estado. Não é mais moda, as pessoas estão em busca de uma alimentação diferente. Nossa intenção é que elas percebam que não são necessários ingredientes de origem animal para comer algo gostoso.
Dieta vegana e as mudanças no corpo: mais energia
Quem deixa de comer alimentos de origem animal para acabar com o sofrimento dos bichos não pode esquecer: o corpo humano também precisa de atenção com a nova dieta. A médica Marcella Uliana, que é vegana e especialista em saúde integrativa, explica que a flora bacteriana do intestino - responsável pela saúde da nossa digestão - muda bastante quando carnes e derivados são retirados do menu.
As bactérias que fazem a digestão de carnes e queijos são diferentes das que fazem digestão de plantas. A maior parte das pessoas percebe uma melhora, o intestino funciona com mais frequência, pontua. Marcela também conta que alguns pacientes sentem que têm mais energia na dieta vegana, já que a digestão de produtos de origem animal é mais lenta e demanda mais esforço do organismo. Muitas pessoas também falam que se sentem mais calmas. Uma das explicações é a tranquilidade do intestino, que trabalha menos na dieta vegana, completa.
E a proteína?
Apesar dos benefícios da dieta vegana, é preciso estar sempre atento às necessidades do organismo. Marcela alerta que existem dois tipos de vegano: o que baseia a alimentação em plantas, folhas, alimentos naturais e integrais, e aquele que consome produtos industrializados, como biscoitos e refrigerantes, e frituras em excesso.
Muita gente deixa de comer carne e desconta tudo no carboidrato. Desse jeito pode vir a sentir muito mais fome, comer muito arroz, macarrão, batata. Não é o objetivo da alimentação vegana, ensina. Ela enfatiza que para manter a saúde em dia é preciso ter uma dieta rica em produtos da terra, o que é totalmente possível com a variedade em grãos, hortaliças e frutas encontradas no Brasil.
Para quem acha que o vegano não consome a quantidade certa de proteína, a médica revela que uma xícara de feijão tem 17 gramas de proteína, enquanto um bife, se não for muito frito, tem 20. Couve, brócolis, espinafre, lentilha, grão-de-bico, todos esses alimentos têm uma grande quantidade de ferro. A quinoa tem mais cálcio que o leite e mais ferro que a carne, a chia e a linhaça têm tanto ômega 3 quanto os peixes, completa.
Consumo engajado
Foi após um intercâmbio nos Estados Unidos, no final de 2014, que Lorena Honorato, 23 anos, virou vegetariana. A dona da casa que recebia os intercambistas era vegetariana. Ao longo dos meses conversamos muito sobre o assunto, ela me explicou seu ponto de vista sobre o vegetarianismo aliado à sustentabilidade, saúde e espiritualidade e percebi uma sintonia. Chegando no Brasil, decidi pesquisar mais sobre o assunto e realmente me identifiquei com o estilo de vida, conta.
Com isso, os produtos de beleza acabaram sendo uma das muitas consequências desde que ela passou a ser - e exigir - mais consciência de tudo o que fazia. Também passei a pensar mais sobre os impactos gerados a partir das minhas escolhas. Na verdade eu já gostava de consumir produtos mais naturais antes mesmo de parar de comer qualquer tipo de carne, e a partir dai só potencializou.
Atualmente, entre os cosméticos veganos que ela consome, tem xampu, condicionador, hidratante, maquiagem, sabonete, demaquilante e até pasta de dente. Acredito que assim como quando mudei minha alimentação, passei a dar mais valor a tudo o que de certa forma me deixava mais próxima à natureza. Os produtos veganos geralmente são mais leves, não agridem a nossa pele, mesmo as mais sensíveis, e não trazem crueldade animal na composição, ressalta ela, que compra os produtos em lojas de cosméticos comuns, pela internet ou em viagens para fora do país. É automático ler todos os rótulos.
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