O câncer mata milhões de pessoas no mundo inteiro a cada ano. Não à toa, a ciência se concentra tanto no desafio de chegar à cura dessa doença. Ainda não chegou, mas talvez esteja perto disso.
E uma prova foi que o Nobel de Medicina deste ano saiu para dois cientistas que abriram as portas para o que se revelou uma revolução no combate ao câncer. Cada qual com sua pesquisa, James P. Allison e Tasuku Honjo foram cruciais para o desenvolvimento da chamada imunoterapia. Ela seria como, de acordo com o Comitê do Nobel do Instituto Karolinska, na Suécia, um quarto pilar no tratamento contra a doença, junto com os já conhecidos quimioterapia, cirurgia e radioterapia.
As pesquisas começaram em 1990, mas desde o início desta década os resultados dessa nova terapia vem sendo efetivados contra diversos tipos de câncer.
A imunoterapia é algo novo. De 2010 para cá vem mudando muito o conceito de tratamento oncológico, afirma o radioncologista Carlos Rebello, reconhecendo o grande mérito desses estudos e seus autores.
SISTEMA IMUNE
Nessa terapia, o nosso organismo é treinado para combater os tumores. Nos demais tratamentos, todas as drogas atuam na célula cancerígena. Na imunoterapia, elas atuam no sistema imune, fazendo com que ele reconheça e ataque as células do câncer, explica a oncologista clínica Taynan Nunes Ribeiro.
Esse tipo de tratamento já vem sendo aplicado com êxito e salvando vidas. Mesmo assim, ainda pode ser visto como algo experimental, de acordo com Rebello.
É experimental porque ainda há novas drogas surgindo e elas dependem de aprovação de agências reguladoras. Mas ao mesmo tempo, já há drogas efetivas usadas no tratamento contra o câncer, com eficácia e comprovação de resultados, diz o especialista.
Começamos a usar mais nos últimos cinco anos. São medicamentos caros, mas já com cobertura pelos planos de saúde. E a cada dia surgem drogas melhores, com mecanismos de ação diferentes, completa Ribeiro.
As novas drogas seriam a cura do câncer? Rebello prefere deixar a interrogação aí. Mas vemos casos de desaparecimento da doença, em que podemos melhorar a sobrevida dos pacientes.
CURA
Ribeiro vai além: Estamos mais próximos da cura. Alguns tumores respondem melhor do que outros... Mas sem dúvida essa terapia abriu a possibilidade de curarmos pacientes que anos atrás não teriam essa chance. Uma parcela deles consegue eliminar completamente a doença ou pelo menos estabilizá-la.
Apenas alguns casos de câncer podem se beneficiar da imunoterapia, por enquanto. A maioria das indicações é para doença metastática, ou seja, em casos avançados da doença e não na fase inicial. No Brasil, começamos usando para melanoma, que é o câncer de pele mais agressivo. Já tratamos câncer de pulmão, de cabeça e pescoço, rim, bexiga e estômago. Lá fora essas indicações já foram ampliadas para outros tipos de tumor, cita a oncologista.
Outro benefício é a quase ausência de efeitos colaterais, outro ponto negativo das outros tratamentos, como a quimioterapia. É um soro que é aplicado a cada duas ou três semanas por alguns anos. Não precisa de internação. Afeta muito pouco a vida do paciente, destaca Ribeiro.
Quem está na ponta, junto com o doente, espera que as pesquisas nessa área avancem mais. Esperamos que ela possa ser usada para casos mais precoces, diz a médica.
"FOI UM MILAGRE DIZ PACIENTE QUE FEZ TRATAMENTO"
Praticante do Jiu-Jitsu, Fabian Fidalgo estava acostumado a lutar. Mas nenhum adversário havia sido tão perigoso. E em nenhuma dessas lutas ele se sentiu tão vitorioso como a que ele travou contra o câncer, com o tratamento da imunoterapia. Foi um milagre, diz.
Não se pode dizer que levou a cura como troféu - a própria medicina prefere não usar essa palavra quando se trata de câncer. Mas nessa batalha, ele venceu o inimigo.
Eu estava tomado por tumores. Os médicos me davam seis meses de vida, contou Fabian, hoje com 50 anos e dois meses depois de encerrar o tratamento com imunoterapia, a última e definitiva etapa de um tratamento de cinco anos de combate ao câncer de pele.
Doença que ele descobriu no tatame. Estava no jiu-jítsu e, ao vestir meu quimono, vi o sangue escorrer. Era uma pinta meio feia que eu tinha nas costas, relembra Fabian.
Surfista desde os 9 anos de idade, dono de uma loja de surfe, Fabian não tem pudor em dizer que aproveitou a juventude. Aproveitei mesmo. Mas também bebia muito, fumava e usava drogas. Com o câncer, mudou tudo. Parei com tudo isso. Então, posso dizer que o câncer me salvou, me curou de várias coisas. Coisas que eu fazia e não faço mais. Estou mais espiritualizado, mais ligado à minha família, que tanto me ajudou, diz ele.
Para alguém que chegou a ser desenganado pelos médicos, é uma visão um tanto positiva. Estava condenado pelos médicos a morrer. Disseram que eu teria, no máximo, seis meses de vida. Até que apareceu a imunoterapia.
DESÂNIMO
O prognóstico era mesmo ruim. O melanoma, tipo agressivo de câncer de pele, avançava rapidamente. Fiz cirurgias, comecei a quimioterapia, mas estava desanimado. Já havia metástase para pâncreas e fígado. Tinha tumores na axila, na cervical, no rim e no cérebro. Já havia tentado de tudo. Resolvi procurar outros médicos, conta Fabian.
Uma médica o recebeu na nova clínica com um abraço e uma esperança. Ela me disse para tentarmos uma medicação nova. Para isso, eu teria que me inscrever como voluntário em uma pesquisa de um programa em um hospital de São Paulo. Era só para pessoas com metástase. Fiz um teste e fui aceito. Éramos eu e mais 54 pacientes. Eu viajava duas vezes por mês de avião para receber as doses. Aí, tudo começou a melhorar.
Fabian conta que o tratamento foi fazendo efeito. E logo o medicamento foi liberado para uso em todo o país. Aí eu pude continuar aplicando no Espírito Santo mesmo.
EFEITOS
A terapia melhorou a vida dele em vários sentidos. Não tinha quase efeito colateral. Eu não passava mal. Era uma maravilha, comenta.
Dois anos e meio de imunoterapia e a notícia tão aguardada, de que os tumores haviam desaparecido. Alguns amigos com o mesmo problema não se adaptaram ao remédio e faleceram. Mas tem muita gente fazendo uso e se levantando. O câncer é uma doença violenta, e você tem que combater com uma arma poderosa. Para mim esse medicamento foi meu salvador. Foi um milagre o que ele fez!, vibra ele.
No rosto, há sinais que são a marca desse duro combate. Eu era bem forte, pesada 96 quilos, tinha cabelo grande e bem preto. Cinco anos depois, estou pesando 75 quilos, com cabelos brancos. Mas estou de pé, vivo, com minha família. Há dois meses que não tomo nenhum remédio, nada. É só alegria agora.
SISTEMA UMINE TEM O PODER
Treinando as defesas
A imunoterapia envolve diversos tratamentos com o mesmo objetivo: treinar o sistema imunológico para que ele destrua o câncer.
Ameaças
O sistema imunológico usa as células-T (um tipo de glóbulo branco) para destruir as células de câncer e outras ameaças.
Checkpoint
Quando uma ameaça é eliminada, o organismo envia sinais que acionam os checkpoints (proteínas que freiam o ataque imunológico) para evitar que células normais sejam atacadas.
Disfarce
Para escapar ao ataque, a célula de câncer usa um marcador que se encaixa no checkpoint, acionando os freios da célula-T.
Ataque
As células-T não reconhecem as células tumorais como inimigas, detêm o ataque e o câncer avança.
Sistema imune em ação
As pesquisas laureadas com o Nobel de Medicina descobriram as proteínas envolvidas nesse freio do sistema imune, abrindo caminho para novas terapias. As novas drogas funcionam como inibidores de checkpoint e bloqueiam as proteínas da célula-T, que passam a reconhecer as células cancerosas como inimigas e as atacam.
Diferença
Diferentemente de outras terapias, em que as drogas atuam diretamente nas células cancerosas, tentando destruí-las, na imunoterapia o próprio sistema imune é bombado para combater a doença.
Indicações
A imunoterapia, por enquanto, é indicada para casos avançados de câncer, em metástases. No Brasil, tem sido aplicada para casos de melanoma, câncer de pulmão, de cabeça e pescoço, rim, bexiga e estômago.
Como funciona
O medicamento é aplicado na veia, em doses com intervalos de duas ou três semanas, durante um ou dois anos. Não há necessidade de internação. E quase não há efeitos colaterais, como enjoos, queda de cabelo, como na quimioterapia.
Fonte: Estadão e especialistas entrevistados
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