Às 5 ou 6 da matina, elas já começam a trocar ideias no grupo do WhatsApp sobre a variação da maré, o vento, a ondulação... Pronto! Definida a praia, lá vão atrás da melhor onda do dia. Passam algumas horas no mar. Depois, voltam à rotina da casa, do trabalho. Porque essas mulheres não são surfistas profissionais, são empresárias, servidoras públicas, professoras São mães, em sua maioria.
E já não são mais garotas. Ou podem até ser! Elas passaram dos 40 anos e procuram tirar proveito de tudo de bom que a maturidade traz. Mais experientes e cheias de energia, sabem que ainda têm muita estrada - ou melhor, água - pela frente, o que lhes dá bastante fôlego para encarar um horizonte de altas ondas.
Fomos atrás de algumas histórias dessas mulheres que têm um jeito especial de ver a vida. Cada uma teve seu motivo particular para subir numa prancha. Para todas elas, porém, o surfe é mais do que um esporte: garante prazer, alegria, confiança, resiliência, autoestima, amizades e paz de espírito.
A servidora pública federal Janda Tamara de Sousa sempre gostou de praia. E, como muitas crianças da década de 1980, teve sua pranchinha de bodyboard. Mas veio a adolescência, o casamento, os filhos... Parei e esqueci o surfe, conta.
Foi só aos 38 anos que ela sentiu que era hora de manobrar de volta para o mar. Uma época comprei uma pranchinha para meus filhos. Logo vi que o mais velho estava ficando em pé na prancha. Um amigo me indicou uma escolinha de surfe e resolvi comprar um pacote de aulas para eles e para mim. Fiz as aulas e passei a alugar a prancha. Levei um ano para escolher que modalidade queria fazer. Até que escolhi a de longboard e mandei fazer uma pra mim.
Pronto! Janda viu sua vida dar um 360. Sou outra pessoa! Minha vida é em função disso. Claro que sou mãe, trabalho, cuido de casa, mas tudo isso na perspectiva de surfar amanhã. Deixo de sair à noite, ir para barzinho se vai passar do horário e me atrapalhar a surfar no dia seguinte. Aí, quando acordo, ponho a prancha no carro e vou embora, conta ela, hoje com 42 anos.
Esse encontro com o surfe, diz, não poderia ter acontecido em melhor momento. Estava trabalhando e fazendo mestrado. Passei por crises de ansiedade. Fiz terapia e tal. Mas ter o surfe ali foi fundamental porque eu sabia que teria algo que iria me dar um prazer imenso. O surfe te movimenta. É uma alegria incomparável! Um dia bom de surfe te dá gás pra muitas outras coisas. Isso é muito saudável.
É na praia que ela encontra as amigas Rosane Biazussi e as irmãs Suzana e Raquel Hamasaki. Com outras dezenas de surfistas, elas são as Long Sisters. A função do grupo de WhatsApp é criar uma rede de contatos por meio da qual as meninas podem se informar sobre as condições da maré, se vai ter onda em Jacaraípe, em Lodinho, Xangão ou outros picos famosos de surfe no Estado. Uma passa o checks para a outra, estimula a ir. Na verdade, formamos um tipo de irmandade. É sempre uma ajudando a outra, destaca Raquel, servidora pública, 43 anos.
A irmã, Suzana, também teve sua fase de bodyboard. Mas com o pranchão foi amor à primeira vista. Surfei de bodyboard por 22 anos. Minha irmã foi morar no exterior e, quando voltou, ficava enchendo minha paciência para surfar de long. Já são 13 anos no longboard, relembra a empresária de moda de 53 anos.
Mas independente do tipo de prancha, o que vale, segundo Suzana, é viver essa experiência. Meu lugar predileto é atrás da arrebentação. É estar lá na água. É o que recarrega minhas energias. Tomar caldo, sentir aquele cheiro de maresia cedinho... A vibe toda é muito legal!.
Tudo muito lindo, muito romântico. Mas não é tão simples e fácil. Remar exige esforço, cuidado. Tem o peso da prancha. E o da idade. Temos nossas limitações por causa da idade. Faço fisioterapia para minha coluna aguentar o surfe. Corro na areia para manter a condição física. Não surfamos mais como antigamente, mas não deixamos de ir, avisa Raquel.
Suzana também se prepara como pode. Surfar exige muito da lombar, do joelho, do quadril. Faço musculação em função do surfe. Uma vez fui numa surfe trip para El Salvador e voltei morta, demorei uns dias para me recuperar. A idade pesa um pouco sim, admite. Às vezes, surfar pode dar errado, machucar. Tenho um ombro lesionado por causa do surfe. Fiz meses de fisioterapia, relata Janda.
A amiga surfista Rosane, que é personal trainer, ajuda com dicas. O surfe exige cuidado, atenção em algumas partes do corpo. O pranchão maltrata a gente, afirma. Para ela, que tem 55 anos, o maior fator limitador, entretanto, não é a idade. Para mim, é o fator psicológico. Se a pessoa se determina a surfar, ela se programa e faz. Pode não surfar tão bem, mas vai se divertir, fazer amizades, criar essa relação especial com o mar, que é nosso playground. Eu aprendi depois dos 40 anos! Se eu consegui, outras também podem!.
O surfe, garantem essas garotas radicais, cura tudo, as dores do corpo e da alma. Você acorda, vai cedo para dentro da água - que às vezes é gelada -, encontra pessoas... É uma relação muito rica com a natureza. Oro muito quando estou dentro da água. O mar lava sua alma. Isso que eu acho que as pessoas buscam. Não tem nada que um bom dia de surfe não cure. Não tem como voltar para casa estressado!, frisa Suzana. Só de cair no mar a gente ganha o dia, diz Janda.
Quando resolveu encarar o surfe, quase 20 anos atrás, ela olhava para o lado e não via mais ninguém de biquíni em cima da prancha, o que tornava tudo mais difícil. Fui a primeira menina a surfar de long aqui no Estado. Era só eu e 500 homens dentro da água. Eu sofria muito preconceito por ser mulher. Ninguém respeitava, passava por cima, reclamava..., conta Raquel Hamasaki, analista financeira, 43 anos.
Paulista, filha de pai japonês, ela se mudou com a família para Vitória na década de 1980. Logo viu que aqui era mesmo sua praia.
Comecei a surfar depois que uma de minhas irmãs morreu. Não foi por causa da perda. Acredito que tenha sido porque eu queria me sentir feliz. Dentro dágua era o lugar onde mais me sentia feliz. Era lá que esquecia tudo.
Por isso, insistiu no pranchão, aprendendo meio que sozinha mesmo. Não tinha escolinha de surf na minha época. Aos poucos, alguns longboarders homens, da velha guarda, me davam dicas. Atropelei muita gente dentro dágua, diz Raquel, que descobriu que era boa no esporte. Acabei me mudando para a Califórnia (EUA), onde pude aprimorar mais o surfe. Voltei no final de 2004 e de lá para cá nunca mais parei de surfar. Em 2007, participei até de campeonato brasileiro.
Veio o primeiro filho, e ela teve que parar de treinar. Mas não abandonou sua long. Surfar é um exercício, é terapia, é hobby. É os três. Sem isso certamente teria surtado! O trabalho, filhos e casa são muito estressantes, comenta a mãe do Estevão, de 11 anos, e da Lívia, de 7, que cuida da área financeira de uma empresa de navegação.
Raquel conta ainda que chegou a ter a companhia do marido no mar. Ele aprendeu a surfar logo que casamos porque cansou de ficar mais de 5 horas na areia me esperando. Ele reclamava, daí eu falei: Ué, compra uma prancha!. E então ele comprou e eu o ensinei a surfar. Mas meu marido não vai muito. Geralmente, fica em casa com as crianças e vou surfar sossegada. Nunca demoro, claro. Vou cedo e antes das 10h30, 11h já estou de volta.
A surfista também já não tem tantos problemas com a ala masculina do esporte. Mas se algum quebrar a regra da boa convivência e quiser confusão, ela já sabe como enfrentar. A minha prancha tem uma quilha gigante e de caveira que faço questão de mostrar para tentar botar algum medo nos homens que não nos respeitam. Tipo: Tá vendo essa quilha? Eu passo por cima se não me respeitar!, garante a analista financeira.
Toda essa coragem só fica meio submersa quando as crianças estão na água. A Livia certamente seguirá o surfe, pois ela ama água do mar. O Estevão tem prancha também. Mas tenho medo quando eles estão na água. Por isso eles só surfam quando estou junto, diz Raquel.
E é com os filhos que ela gostaria de realizar um sonho ligado ao surfe. Um só não, dois. Um sonho seria ir ao Havaí. É o sonho de todo surfista. Estou planejando ir com a família, mas as crianças precisam crescer mais um pouquinho. Outro sonho que tenho é um dia surfar com meus filhos remando a mesma onda, revela.
Ela passou a adolescência na Barra do Jucu, de frente para um dos berços do bodyboard capixaba, vendo meninas como a pentacampeã Neymara Carvalho crescerem e despontarem na carreira. Não foi difícil se enturmar.
Minha história com o surfe vem desde meus 12 anos. Comecei a surfar de bodyboarding por influência de amigos e do próprio local onde eu morava, relembra Zahie Cozac, professora de muay thai, nascida em Goiânia. A vida adulta já foi mais distante do mar. Passei um tempo longe do esporte por questões de trabalho, estudo, etc.
Até que ela foi atraída para as ondas novamente. Em um período turbulento da minha vida, fui assistir a um campeonato de bodyboarding em Vila Velha e lá encontrei meus amigos da época da adolescência, entre eles a Neymara, que, com todo o carinho de amiga, me pediu que a esperasse até o campeonato acabar, me levou até sua casa e me presenteou com uma prancha novinha, me incentivando assim a voltar às ondas, conta Zahie. Isso me ajudou muito a superar as adversidades por que estava passando no momento.
Foram anos se divertindo com o bodyboarding até que, há um ano e meio, aos 43 anos, por influência do namorado, a professora decidiu experimentar a pranchinha. Me apaixonei, diz ela.
A idade nunca foi impedimento para este novo desafio. Não acho que a idade seja um fator limitante, tanto é que aprendi a surfar de pranchinha com praticamente 43 anos e a cada dia tenho evoluído mais. Pretendo surfar até ficar bemmmm velhinha!, comenta Zahie, que tem uma filha de 20 anos.
Já faz tempo que ela trocou a Barra do Jucu por Vitória, mas nunca mais deixou o mar. O surfe, pra mim, é terapia, conexão com a natureza, o momento em que me sinto mais pertinho de Deus. Surfar é superação, emoção, felicidade. A sensação de deslizar sobre as ondas é indescritível, descreve.
Não vai ser fácil no início. Você vai ter dificuldades para ficar em pé na prancha, vai cair diversas vezes, vai ter medo das ondas, vai tomar caldos, se machucar até. Não desista!
Respeite seus limites e, acima de tudo, a natureza. Ela é mais forte que você. Não a enfrente a todo custo
Há muitas escolinhas de surfe. Faça umas aulas. Vai ser importante entender um pouco de teoria sobre o mar, a maré, aprender a contar as ondas
Mulheres costumam ser muito amigáveis, acolhedoras. Se encontrar um grupo, apresente-se, ouça conselhos, observe como elas fazem. Você poderá fazer grandes amizades
Surfar não é moleza! Queima bastante caloria! Mas é fundamental fortalecer articulações e musculaturas para não se lesionar. Fazer musculação ajuda. Joelhos, quadris e coluna são as partes que mais sofrem. Vale fazer uma atividade aeróbica para ter mais preparo cardiorrespiratório
Surfar exige hábitos saudáveis. Não combina com noitadas na balada! Surfistas acordam cedo e gostam de ir para o mar de manhãzinha, quando o vento costuma estar mais fraco, o que garante ondas mais perfeitas
O surfe é uma excelente atividade física. Mas também ajuda a relaxar a mente, desestressar. Faça dele uma terapia, um momento precioso para você se conectar consigo mesma e com a natureza
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