Pacientes infectados pelo coronavírus podem ter coágulos sanguíneos espalhados pelo corpo. A disseminação desses coágulos sanguíneos está em um estudo, realizado por cientistas de instituições norte-americanas, e publicado no fim de junho na revista científica EClinicalMedicine, periódico de acesso aberto pertencente à Lancet, uma das publicações científicas mais relevantes da área médica.
No artigo, os pesquisadores descrevem sete autópsias feitas em pessoas mortas por Covid-19. Todas possuíam coágulos nos vasos sanguíneos menores (microvasculatura) dos pulmões, coração, rins e fígado. Segundo os autores, os achados sugerem que a trombose tem um papel relevante no processo da doença.
Em entrevista à CNN americana, a patologista Amy Rapkiewicz, pesquisadora no NYU Langone Medical Center, hospital universitário ligado à Universidade de Nova York, e principal autora do estudo, disse que a descoberta é dramática. "Embora estivéssemos esperando esse resultado nos pulmões, acabamos encontrando os coágulos em quase todos os órgãos que estudamos", afirmou.
A trombose acontece pela formação de coágulos nos vasos sanguíneos, que atrapalham ou bloqueiam a passagem do sangue. "A interrupção do fluxo leva ao sofrimento do órgão por falta de sangue", explica Fernanda de Oliveira Santos, médica hematologista do Hospital 9 de Julho, em São Paulo.
De acordo com Santos, o resultado do artigo corrobora o que os médicos têm observado em pacientes com Covid-19 que manifestam derrame cerebral, embolia pulmonar e até trombose nas pernas que podem levar a amputações.
Problemas com a coagulação sanguínea causada pela Covid-19 fizeram com que o ator canadense Nick Cordero tivesse a perna amputada em abril. O ator morreu no início de julho devido a complicações da doença.
Um documento publicado em maio pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira, pela Sociedade Brasileira de Infectologia e pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia orienta o uso do anticoagulante heparina em doses profiláticas em pacientes internados com Covid-19.
Um artigo publicado por pesquisadores da China em maio no periódico científico Journal of Thrombosis and Haemostasis já havia relacionado o uso de tratamento com anticoagulantes a menos mortes em casos mais graves de Covid-19.
Na última sexta-feira (10), a revista científica Clinical and Applied Thrombosis/Hemostasis publicou um artigo assinado por especialistas brasileiros e estrangeiros que reúne orientações baseadas nas evidências mais recentes para o tratamento da trombose em pacientes da Covid-19.
A publicação tem o endosso da Sociedade Brasileira de Trombose e Hemostasia (SBTH), da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV), da União internacional de Angiologia e do Fórum Venoso Europeu.
"Dados confiáveis estarão disponíveis em breve, mas, até lá, médicos devem fazer o que é comprovadamente eficaz e seguro e, em caso de incerteza, randomizar [dividir aleatoriamente] pacientes em estudos clínicos em andamento", escrevem os cientistas.
Segundo o artigo, cerca de 40 estudos estão em andamento no mundo para avaliar diferentes estratégias anticoagulantes em doentes da Covid-19.
Segundo Santos, que também participa de um estudo para avaliar a dose adequada de heparina para os pacientes com a doença, uma das hipóteses é que esses coágulos surgem no contexto da tempestade de citocinas, substâncias inflamatórias liberadas pelo corpo para combater o vírus mas que acabam prejudicando os órgãos do infectado.
A médica patologista da USP Katia Ramos Leite também afirma que o aumento dos coágulos pelo corpo pode estar ligado à tempestade de citocinas. Segundo ela, o fenômeno, chamado de coagulação intravascular disseminada, é observado em outros casos de processos infecciosos graves.
"Essas células inflamatórias criam um ambiente brutal para que o corpo se livre do invasor. Mas é uma resposta muito violenta, que provoca alterações em outras partes do corpo e levam ao óbito", diz Leite.
Em abril, pesquisadores da USP relataram no Journal of Thrombosis and Haemostasis a presença de trombose nos pequenos vasos sanguíneos do pulmão de pessoas que morreram com a Covid-19.
Os resultados foram obtidos por meio de uma técnica de autópsia minimamente invasiva, que usa exames de imagem. Como se trata de uma doença infecciosa, o uso da técnica diminui os riscos de que algum profissional se contamine durante o procedimento.
O novo coronavírus se conecta a um receptor específico, o ECA2, que está presente em células do sistema respiratório, intestino, rins e vasos sanguíneos. Nessas áreas, o efeito do invasor para destruir as células é direto e localizado.
Segundo Leite, da USP, autópsias têm mostrado que coágulos podem ser vistos em partes que não foram diretamente infectadas pelo vírus, como testículos e próstata. Para ela, isso pode ser mais uma evidência de que o fenômeno dos coágulos são uma consequência do processo inflamatório desencadeado pelo vírus.
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