Trabalho e estresse são praticamente sinônimos hoje em dia, duas palavras que estão sempre juntas na mesma frase. Mas para algumas pessoas, ir trabalhar todos os dias pode virar um grande tormento, algo até insuportável. Como se, aos poucos, a satisfação no emprego fosse dando lugar a uma exaustão física e mental, a um desinteresse e uma sensação de incompetência que não passam.
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É o burnout, termo em inglês que pode ser traduzido como algo que queima por completo. Nesse caso, é o trabalhador que entra em um estado de esgotamento profundo, sem energias para voltar.
Não é um problema novo, mas na última semana ele que ganhou importância ao entrar para a lista de doenças da Organização Mundial de Saúde (OMS). Estará na próxima revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID), que passa a valer em 2022.
Ao divulgar isso, a OMS quis trazer o assunto para o debate, na visão da psiquiatra e médica do trabalho Letícia Mameri.
Nesta nova CID, há uma mudança em torno da burnout, que antes era considerado um dos fatores que influenciam na saúde. Assim, uma mulher executiva que era mãe, cuidava ainda da casa, da sogra, ou seja, vivia nessa sobrecarga absurda, podia ser enquadrada como burnout. Agora não mais, pois isso passará a ser algo específico da questão laboral, como um fenômeno ligado ao trabalho, explica a especialista, que é membro da Associação de Psiquiatras do Espírito Santo.
Apesar de estar acostumada a lidar com casos de burnout no consultório, a médica não esconde a preocupação com a repercussão do tema após esse anúncio. Esse boom de divulgação pode fazer com que muita gente comece a achar que tem esse problema. Vai sobrar para os médicos. Só que o diagnóstico da Síndrome de Burnout é dificílimo, com grande chance de erro. E isso vai para a Justiça do Trabalho, observa Letícia.
SINAIS
Não é qualquer estresse. Não aparece de um dia para o outro. A burnout, segundo ela, tem três sinais clássicos: o esgotamento físico e emocional; a despersonalização, marcada por um distanciamento, uma indiferença e até um cinismo frente às pessoas que estão envolvidas no local de trabalho; e a baixa satisfação profissional.
Um quadro que pode ser facilmente confundido. Muitos pacientes chegam com o diagnóstico pronto porque leram na internet. Dizem que estão com burnout porque estão com muita pressão no trabalho, muitas metas para bater. Mas no consultório é praticamente impossível identificar se é mesmo esse problema sem conhecer a realidade laboral da pessoa, destaca a psiquiatra.
Policiais, agentes penitenciários, médicos, enfermeiros, professores e jornalistas são alguns dos profissionais mais afetados pelo estresse crônico. E quando ele aparece, é importante procurar ajuda. O que não significa que será burnout.
A síndrome tem sintomas parecidos com a depressão, a ansiedade e o próprio estresse. Mas carrega elementos claros que a diferenciam. Um funcionário que sofreu um assédio moral na empresa pode ter depressão. Isso pode ser mais rápido. E aí, ele passa a não ter vontade de tomar banho e de comer para ir trabalhar. Não tem vontade de nada, nem de viver. No caso do estresse, a pessoa até fica desanimada, produz menos. Mas se é promovida, volta a ter aquele brilho no olhar. Se sai de férias, o estresse passa, detalha a psicóloga Cristiane Palma Bourguignon.
Já no burnout, diz, o processo é lento, ocorre ao longo dos anos e não se resolve com férias ou um bom salário.
A pessoa vai se distanciando emocionalmente dos colegas, dos clientes. Fica apática, agressiva, reclamona, insatisfeita. Para ela, não faz sentido nenhum o trabalho dela. Por isso, vive escapando do trabalho para tomar café, fumar. O rendimento se torna baixíssimo porque ela não tem concentração, não consegue mais executar as tarefas.
PROCESSO
Um funcionário entediado, sem disposição e criatividade não tem burnout. Não é uma semana estressante que leva a esse quadro, que é resultado de um processo crônico, de meses, anos de estresse. Como se a pessoa, no início, até lidasse bem com o problema. Mas isso vai ficando cada vez mais difícil. É comum no consultório pacientes relatarem que não aguentam mais, que não dão conta mais de ir para o trabalho, complementa o psiquiatra Valber Dias Pinto.
É, portanto, um mal-estar generalizado que faz o empregado rejeitar tudo relacionado à função. Ele passa mal mesmo. Começa a rejeitar tudo, o endereço, o nome da empresa. Não consegue olhar para o prédio, não consegue respirar o ar lá dentro, tem taquicardia. Vai parar no hospital e passa a depender de licença médica, cita Cristiane.
O que fazer quando o profissional chega a esse ponto? A síndrome de burnout é um sinal de alerta, de que alguma coisa está errada, e a pessoa precisa tomar uma providência. Ela tem o corpo e a mente no limite. Pode ficar depressiva e isso evoluir para quadro de sofrimento que culmina em suicídio. Por isso, vai precisar ficar reservada e cuidar do emocional, para então decidir se é necessário mudar de trabalho, destaca Valber Dias.
O importante, segundo o médico, é ir a fundo no tratamento. É possível continuar na profissão. Um médico pode querer continuar sendo médico, mas atuando de forma diferente. Claro que algumas pessoas não conseguem fazer essa adaptação, então chutam o balde. Mas devem saber que se não tratarem a causa dessa fragilidade, se arranjarem outro emprego que exija muito irão adoecer de novo, diz ele. (Com informações de Estadão e site G1)
"EU CHORAVA NO PORTÃO"
Foi em 2012 que Silvia (nome fictício), de 35 anos, começou a perceber que as coisas não andavam bem no trabalho. Assumi uma tarefa de muita responsabilidade. Tinha uma demanda muito grande, e eu me cobrava muito. Ficava horas a mais, não almoçava, e tentava sempre trabalhar mais. Fui adoecendo, conta ela, que não quis ter o nome nem a profissão revelados.
Os sintomas foram só piorando. Cheguei a tirar várias licenças. Mas quando voltava ao trabalho, chorava e tremia ao portão. Até que um dia tive uma crise, desmaiei e fui hospitalizada. Fiquei três dias internada.
Até que descobriu que essa sensação negativa, a exaustão, tinha um nome na Medicina: era a Síndrome de Burnout.
Entre 2014 e 2015, Silvia ficou afastada da função. Fiquei a licença toda me cuidando. Fazia terapia duas vezes por semanas e tomava remédios. Cheguei a tomar mais de 15 medicamentos diferentes, um para um problema no coração, outro para um problema intestinal, outro ainda para ansiedade....
Quando retornou para o trabalho, achou que tudo iria melhorar. Não foi o que aconteceu: Consegui remoção para desempenhar a mesma função em outro lugar, desta vez menor. Mas comecei a me sentir perseguida. Voltei a passar mal e a faltar. Alguns colegas duvidavam do meu mal-estar. É como lutar contra uma doença invisível e não socialmente aceita. Eu até tentei me matar, comenta ela.
Hoje Silvia continua em tratamento. Mesmo assim, mantém um sentimento ativo de desconfiança, de medo. No ano passado, fiquei o ano inteiro sem tomar remédio e sem tirar licença. Estou conseguindo manter o estresse sob controle. Mas faço terapia ainda e comecei a praticar exercícios, como o Krav Maga. Vejo que estou bem. Fiquei alerta 24 horas com minha saúde. A acupuntura me ajudou muito. E me desvinculei de pessoas negativas, busquei uma alimentação mais saudável. Foi esse conjunto que me fez sair do que eu estava vivendo.
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