A superestrela da ginástica, a americana Simone Biles, chegou a Tóquio sendo a protagonista das Olimpíadas 2020. Porém, a pressão parece que vem lhe afetando e trazendo à tona a importância de se falar sobre a saúde mental. A atleta não vai disputar a final individual da modalidade, que acontecerá nesta quinta-feira (29), na qual defenderia o título. A decisão foi anunciada na madrugada desta quarta-feira, 28, pela federação americana de ginástica. Simone admitiu estar lutando para manter sua saúde mental.
"Após uma avaliação médica adicional, Simone Biles retirou-se da competição individual geral final. Apoiamos de todo o coração a decisão de Simone e aplaudimos sua bravura em priorizar seu bem-estar. Sua coragem mostra, mais uma vez, por que ela é um modelo para tantos."
Na terça-feira, a ginasta foi retirada do time dos Estados Unidos durante a final por equipes de ginástica por "razões médicas", segundo a federação. Em conversa com jornalistas, ela disse: "Depois da apresentação que fiz, eu simplesmente não queria continuar", disse Biles.
A pressão não aconteceu somente com a americana. Outra estrela dos Jogos Olímpicos no Japão, Naomi Osaka, tenista número 2 do ranking mundial, se despediu do torneio precocemente ao ser derrotada pela tcheca Marketa Vondrousova, número 42 do ranking. A tenista também já deixou claro que enfrenta problemas emocionais e que toda a pressão que vem enfrentando a deixa vulnerável.
O desabafo das superatletas trouxe a discussão sobre os cuidados com a saúde mental. Até que ponto a pressão é válida? A psicóloga Camila Carvalho, da Clínica Aube – Cuidados da Mente, explica que a pressão por si só não pode ser considerada ruim, desde que seja na medida certa, sem excessos.
"É preciso ter equilíbrio, mantendo uma rotina de cuidados com o corpo e com a mente para que o trabalho e as interações sociais não sejam comprometidos. A pessoa também precisa estar aberta a buscar ajuda. Caso sinta que a pressão está demais, ela não precisa lidar sozinha com os problemas, os medos e os desafios enfrentados. É importante conversar com amigos, colegas de trabalho, familiares e, é claro, buscar apoio profissional".
Ela conta que todo comportamento excessivo pode desencadear o adoecimento emocional. É preciso observar o surgimento de sintomas de ansiedade, angústia e estresse, assim como a persistência dos mesmos. "Ter o apoio psicológico é fundamental para aprender a lidar com a rotina complexa, com as cobranças, a pressão, o perfeccionismo e, é claro, as derrotas e perdas", diz Camila.
O psiquiatra Rodrigo Eustáquio Telles, da Green House Psiquiatria, conta que níveis muito elevados de expectativa e cobrança são um terreno fértil para o aparecimento de ansiedade, depressão e outros transtornos mentais. "As expectativas muito exageradas podem levar a quadros de ansiedade antecipatória intensas ao ponto que não alcançar o nível desejado pode acarretar frustrações e desenvolvimento de quadro depressivo".
Ao expor a luta interior que enfrentam, os atletas de alta performance demonstram ser gente como a gente. "E tira o estigma de pensarmos que eles são pessoas imbatíveis. Quando, na realidade, podem sofrer dos mesmos transtornos mentais e emocionais como qualquer pessoa que está na plateia", diz o psiquiatra.
A psicóloga Camila Carvalho explica que precisamos parar de pensar que o sofrimento está associado apenas a perdas, fraquezas e desqualificação. "Quando a pessoa tem bons desempenhos constantes, acaba tendo muita cobrança para mantê-los, o que também pode causar sofrimento. O perfeccionismo, a vontade de agradar e de nunca errar, a necessidade de sempre parecer forte, também podem ser causas de sofrimento, ansiedade e estresse".
Rodrigo Eustáquio concorda. "As pessoas são levadas a crer que estar com um quadro de depressão são porque elas são fracas e isso só aumenta o sentimento de culpa. A boa notícia é que esse estigma tem reduzido e cada vez mais as pessoas estão dando importância a saúde mental e entendendo que o sofrimento de depressão, ansiedade e estresse não é algo que tem que se envergonhar. Estamos cada vez mais sendo exigidos emocional e psiquicamente do que fisicamente".
Alterações no humor, no sono, na alimentação, além do fato de que a atividade passa a ser desmotivadora, são alguns dos sinais de que a pressão está fazendo mal a pessoa. Por isso, é preciso estar atento e buscar ajuda profissional ao observar sintomas persistentes de ansiedade ou depressão.
O neuropsicólogo Fabiano de Abreu Rodrigues explica que quando temos sintomas que incomodam, que não nos faz bem, ou começamos a não fazer bem feito as coisas, é preciso ligar o sinal de alerta. "Podemos usar a ansiedade para aperfeiçoar, mas ela também pode distorcer, confundir, atrapalhar. Tudo está relacionado ao estágio e à inteligência emocional. Quanto mais inteligente a pessoa for, quanto melhor souber usar a região da lógica no cérebro, melhor será o domínio sobre a emoção".
A atitude de Simone Biles, que não deixou de ser menos importante no evento mundial, é um caminho na busca do amor-próprio e do autocuidado. "Ela mostrou que não precisamos nos envergonhar dos nossos limites. É um amadurecimento quando conseguimos reconhecê-lo. Esse talvez seja o maior ensinamento que uma atleta de alta performance quis passar para todos nós nesse momento. Acendeu o alerta para as pessoas que estão sofrendo e precisando reconhecer que necessitam procurar o atendimento para promover a melhoria da saúde mental quanto antes", diz o psiquiatra Rodrigo Eustáquio.
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