Ainda na gravidez, a influenciadora digital Vanessa Endringer, 39 anos, foi alertada sobre as dores e delícias da amamentação. Depois que Maria Clara nasceu, ela constatou essa verdade ao ver que a bebê estava com dificuldade para pegar o peito. Angustiada, quis investigar possíveis causas e foi aconselhada a levar a filha, que tinha 18 dias de vida, para fazer o teste da linguinha.
O exame é para detectar se o recém-nascido tem língua presa, um problema que pode, entre outras coisas, atrapalhar a amamentação, causando sofrimento para o bebê e também para a mãe.
Foi a consultora de amamentação que me indicou como forma de eliminar essa hipótese. Depois é que vi no prontuário da maternidade que o teste já havia sido feito lá, conta Vanessa, que saiu aliviada da consulta com uma odontopediatra.
O teste da linguinha é obrigatório no país desde que a lei 13.002/2014 entrou em vigor, em janeiro de 2015. Mas a maioria dos hospitais não está cumprindo a medida, deixando milhares de crianças sem o diagnóstico.
Desgaste
Já atendi famílias desgastadas emocionalmente, com dificuldades na amamentação, muito em função da pega incorreta da mama pelo bebê. E, após a avaliação, detectamos a língua presa, afirma a odontopediatra Beatriz Moura Dutra.
A anquiloglossia, ou língua presa, é quando o freio lingual, uma fina membrana que conecta a língua ao assoalho da boca, limita os movimentos desse músculo no bebê, podendo trazer várias consequências, como dificuldade para mamar e se alimentar e até problemas de fala.
É muito comum que bebês com a língua presa tenham dificuldades de sucção, podendo levar à perda de peso e gerando dor e fissuras nas mamas. Isso acontece porque essa alteração limita os movimentos da língua do bebê e acaba comprometendo algumas funções, como sugar, deglutir e falar. Prejudica ainda a qualidade da mamada, explica Beatriz.
Essa anomalia é descoberta no teste da linguinha, que analisa um conjunto de fatores para concluir se há necessidade ou não de um procedimento cirúrgico para liberar esse frênulo. É aquele pique na língua, que é rápido, indolor e pode ser feito com tesoura, com bisturi ou ainda com laser.
No caso do laser, é um procedimento seguro, sem sangramento, sem necessidade de pontos e menos chance de infecção. Para a rápida reparação tecidual, utilizo o laser de baixa potência, que promove ação analgésica e ação anti-inflamatória, diz Beatriz.
Maria Clara, que já completou um mês de vida, mostrou a linguinha e tirou de letra o exame."Ela ficou bem tranquila. E pude tirar isso da cabeça. Agora sabemos que a pega no peito não está tão boa porque ela tem a boca bem pequena, e tenho os bicos do seio grandes", comenta Vanessa.
Após expor a dificuldade na amamentação nas redes sociais, ela percebeu como o teste da linguinha ainda é pouco conhecido. "Muitas mães me escreveram dizendo que não sabiam que o exame é obrigatório e que se tivessem tido essa informação antes, talvez a amamentação teria dado mais certo".
SAIBA MAIS SOBRE O TESTE
O que é?
O teste da linguinha é um exame padronizado que possibilita diagnosticar e indicar o tratamento precoce das limitações dos movimentos da língua causadas pela língua presa que podem comprometer as funções exercidas pela língua: sugar, engolir, mastigar e falar
Como fazer?
O teste não dói. Ele deve ser realizado por um profissional da área da saúde qualificado, como o fonoaudiólogo ou odontopediatra
Deu positivo?
Se o resultado da avaliação do protocolo indicar a presença da língua presa, o procedimento de liberação do frênulo lingual, popularmente conhecido como pique na língua, deve ser realizado por um profissional médico ou dentista e consiste em uma cirurgia feita com tesoura, bisturi ou laser de alta potência
Precoce
É importante que o bebê faça o exame o mais cedo possível, preferencialmente no primeiro mês de vida, evitando dificuldades na amamentação, possível perda de peso e, principalmente, o desmame precoce, com introdução desnecessária da mamadeira
Outras consequências
A criança tem dificuldade para mastigar e engolir. Costuma ter alterações na fala. Adultos relatam até problemas para beijar
ENTREVISTA
'Mães até desistem da amamentação"
Roberta Martinelli, fonoaudióloga
Apesar de ser obrigatório há mais de quatro anos, o teste da linguinha ainda não é muito popular e ainda esbarra em uma polêmica. É que pediatras discordam da necessidade de que haja um protocolo para que ele seja realizado. Em abril deste ano, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBC) se manifestou contra a lei.
Fonoaudióloga responsável pela elaboração do critério padronizado para a realização do teste, Roberta Martinelli critica esse posicionamento.
O que diz o protocolo do teste da linguinha?
Antes não havia um critério padronizado de avaliação da língua presa. Profissionais de várias áreas avaliavam a língua presa de diferentes maneiras, ou pela forma de coração na ponta da língua, ou pela dificuldade de colocar a língua para fora. Porém, é um conjunto de características que leva ao diagnóstico da língua presa. O protocolo foi desenvolvido e validado em mestrado e doutorado na USP e serviu de base para essa lei. Quando se padroniza o exame é possível realizar estudos para definir a real prevalência dessa malformação congênita.
É um problema muito frequente em bebês?
Afeta em torno de 10% dos recém-nascidos e traz uma série de complicações, entre elas a dificuldade na amamentação. Nem todo problema de amamentação é por causa de língua presa. Mas muitas vezes o bebê não consegue sugar por causa da restrição dos movimentos da língua. A mãe sente muita dor e pode desistir de amamentar por estresse, desânimo e por achar que seu leite é fraco, pois o bebê faz intervalos muito pequenos entre uma mamada e outra. Aí, o problema vai ser descoberto mais tarde.
Quais as outras complicações?
A criança tem dificuldade para mastigar, principalmente carne. Costuma mastigar a carne e cuspir fora. E depois pode ter alterações na fala. Na adolescência e até na fase adulta, é comum ouvirmos pessoas se queixarem de que não conseguem beijar.
Por que os pediatras criticam a lei?
A Sociedade Brasileira de Pediatria diz que o teste da linguinha faz parte do exame físico do bebê. Porém, realizam apenas uma inspeção visual. A maioria dos hospitais não qualifica os profissionais para aplicar o protocolo. E muitos bebês saem sem um diagnóstico. Mais tarde, a mãe acaba tendo dificuldade e procura um profissional, mas aí o bebê já está desmamado ou usando fórmula como complemento. Vejo mães desesperadas. Amamentar não é fácil, e com língua presa é mais difícil ainda. A falta de um diagnóstico e tratamento adequado é algo desumano para com as mães e seus bebês.
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