Dizer que a pandemia tem repercussão direta sobre a saúde mental já se tornou um senso comum. Inclusive, nas redes sociais, não faltam alertas sérios, frases feitas e “memes” sobre o assunto que, de brincadeira, não tem nada.
As pesquisas realmente indicam que, com a pandemia e o isolamento social, houve um aumento significativo de casos relacionados à depressão, ansiedade, Síndrome de Burnout, entre tantas outras doenças do amplo universo que representa a saúde mental, como o Transtorno Bipolar, sendo essa uma das mais complexas e mal compreendidas e que tem em 30 de março um dia mundial de conscientização.
Muitos entendem a bipolaridade como um transtorno em que o indivíduo oscila de estado e vai da felicidade à tristeza em questões de segundos. Mas não é tão “simples”. “A característica mais marcante da doença é, sim, a alternância de episódios de depressão com os de euforia, mas os quadros são bem mais complexos do que uma simples variação de humor. O bipolar pode levar anos para ser diagnosticado, justamente por apresentar quadros eufóricos apenas durante determinado período da vida”, explica o psiquiatra da Samp, Jovino da Silva Alves Araújo.
Segundo ele, é preciso entender que as fases de euforia, que se intercalam com a depressão, não representam um estado agradável, de bem-estar. “É uma fase de inquietação, de extrema irritabilidade, de muita energia, pouco sono. O indivíduo tende a ficar acelerado, a falar muito. A aceleração, em geral, impede que as atividades sejam concluídas porque não há foco”, afirma.
Para o psiquiatra, os casos de bipolaridade demandam atenção ainda maior neste período de pandemia, em diversos aspectos. “É realmente um período difícil para todos porque a pandemia, por si só, já carrega uma série de questões que podem afetar a saúde psíquica: o medo da morte, a falta de controle, a relação com o imprevisível, a necessidade de isolamento, que pode gerar solidão. Quando já há um transtorno como a bipolaridade, a preocupação é ainda maior. Muitos pacientes diminuíram a frequência de acompanhamento médico ou deixaram de lado o tratamento, o que não pode ser feito sob nenhuma hipótese. Há ainda uma maior propensão tanto à depressão quanto à crise de euforia, além de mais dificuldade de aderir a protocolos de prevenção no caso de pacientes bipolares. Ou seja, vários motivos para redobrar o cuidado”, considera.
Números divulgados pela Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata) apontam a existência de cerca de 140 milhões de pessoas com transtorno bipolar no mundo. Outro dado preocupante indica que 50% dos portadores da doença tentam o suicídio ao menos uma vez na vida, sendo que 15% desses não sobrevivem.
Para evitar consequências mais graves, Jovino pede atenção por parte do próprio paciente e de seus familiares. “Manter as consultas em dia é uma forma de perceber a aproximação de crises, por exemplo e manter uma rotina de hábitos saudáveis, como atividade física, meditação, música... Enfim, algo que pode variar de indivíduo para indivíduo, mas que traga prazer e bem-estar efetivos para a saúde mental”, completa.
Do ponto de vista prático, a família também pode incentivar a prática dessas atividades, incluindo o exercício físico e a criação de uma rotina com horário definido para dormir. Trabalhar para evitar atritos dentro de casa, ainda mais durante o isolamento, é outro cuidado importante.
A pandemia, o número assustador de mortes, o colapso do sistema de saúde, a dificuldade de implementar uma política eficaz de vacinação. Tudo isso já representa problemas de grandeza inquestionável, mas não é só.
“Como se não bastasse, devido ao isolamento, as pessoas -principalmente as de grupo de risco tais como idosos, hipertensos, diabéticos e cardiopatas – por medo da exposição ao Covid tem interrompido o acompanhamento médico, exames de rotina e uso de medicações. Perder o controle de doenças crônicas somado à ansiedade e depressão decorrentes do isolamento podem prejudicar a qualidade de vida. A medicina preventiva indica manter o acompanhamento de saúde regular, se possível de forma virtual. É importante valorizar o tempo em família, o tempo de lazer e, se necessário, buscar apoio psicológico. Na busca de informações, é importante priorizar os meios de comunicação sérios e tomar cuidado com as fake news. Muitos esquecem, mas a mente e o corpo são um só, afirma o médico e coordenador de medicina preventiva da Samp, Ramon Minarini.
Exercitar-se contribui no controle do cortisol (o hormônio do estresse) e na liberação de serotonina (neurotransmissor responsável pela felicidade e bem-estar) e de endorfina (que regula as funções do sistema nervoso). Além disso, atividades físicas ajudam no relaxamento do corpo, melhoram a qualidade do sono e aumentam a disposição.
Encontrar algum hábito saudável que proporcione satisfação pode ajudar o paciente a preservar a saúde mental. Ioga, jardinagem, marcenaria, pintura, desenho, música, dança são práticas que podem aliviar a tensão do dia a dia e trazer foco e estímulo ao cuidar de si mesmo.
Pesquisas indicam que ler por apenas seis minutos é o suficiente para reduzir o nível de estresse em até 68%. Funciona como uma forma de entrar numa realidade que permite “escapar”, de forma saudável” do mundo cotidiano, o que promove o relaxamento.
O isolamento social não precisa ser barreira para rir, conversar, chorar, ouvir, falar com pessoas queridas. Faça bom uso das tecnologias.
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