De repente, o mundo se viu tomado por um vírus mortal desconhecido que tinha, no começo, como suas principais vítimas os mais velhos. Uma situação assustadora para um grupo tão vulnerável e que se viu como alvo da pandemia, sendo obrigado a se afastar de tudo e de todos em nome da própria sobrevivência.
A geriatra e paliativista Gleida de Oliveira Lança avalia que o impacto de ordem física e emocional é algo difícil de se calcular.
"O isolamento social do idoso facilitou a perda da memória, do funcionamento da mente e deterioração da capacidade de realizar as atividades de vida diária. Houve uma piora mais rápida da doença de Alzheimer e outras demências. Muitos idosos ficaram mais ansiosos e depressivos pela limitação de atividades que faziam anteriormente, quando podiam sair de casa e conviver com outros familiares e conhecidos", comenta a geriatra, que atua na Aracê Casa de Vivência, em Vitória.
As consequências foram maiores ainda, segundo ela.
Gleida observa que muitos idosos deixaram de realizar suas avaliações médicas rotineiras, e suas doenças prévias ficaram mais descompensadas.
"Diabetes e hipertensão, por exemplo, precisam de controle periódico. Percebemos uma redução de exames de detecção precoce de doenças como câncer de mama, de intestino e de outros tipos. Aumentou o número de pessoas diagnosticadas mais tardiamente com câncer e outras doenças".
Assim, diz a médica, a onda de descompensação de doenças crônicas prévias e o aumento de transtornos emocionais em idosos se tornou uma preocupação grande entre os especialistas da área. "Os sintomas iniciais de doença de Alzheimer precisam ser detectados precocemente para garantir proteção do idoso. E, por isso, o acompanhamento geriátrico também se faz necessário junto com a rede de apoio do idoso", cita.
Alguns idosos que conseguiram vencer ou escapar da doenças tiveram que superar esses e outros tantos desafios para manter seu bem-estar. O que eles têm em comum?
"Os idosos que têm superado melhor esta fase e conseguem preservar a saúde são aqueles com maior resiliência, capacidade de conviver com dificuldades, flexibilizando a vida no que é possível fazer. Os idosos que cultivam alegria, reclamam menos das dificuldades, convivem bem com os outros, mesmo com a distância física, buscam se sentir úteis a alguém e semeiam perdão, certamente têm colhido os frutos do bem-estar e saúde. Mais do que quantidade de problemas de saúde e doenças, essas atitudes contribuem para viver com maior longevidade e qualidade", destaca Gleida.
Um exemplo disso é dona Ida Carvalho Monteiro. Aos 96 anos de idade e em uma cadeira de rodas por causa das limitações impostas por uma esclerose múltipla, ela pode dar um testemunho lúcido sobre esse momento tão complicado.
"Não tenho medo de coronavírus. Nunca tive. Já passei por muita coisa na vida. Penso que o que tem que acontecer vai acontecer. Não podemos mudar todas as situações", diz a senhora que tem três filhas e vive desde 2017 na Aracê Casa de Vivência.
A tranquilidade de dona Ida pode ser explicada pela rede de apoio ao redor dela. Mesmo isolada, longe da família há mais de um ano, ela se conserva positiva. Ainda mais depois das duas doses da vacina contra a Covid-19.
"Teve um momento em que ela ficou isolada dentro da instituição porque os demais idosos, em sua maioria, haviam sido infectados com Covid. Mas buscamos oferecer a ela um ambiente o mais acolhedor possível. Ela poderia ter entrado em depressão. Dona Ida sabe por que precisou ficar sem ver as filhas no Natal, no Dia das Mães", conta a terapeuta ocupacional da Casa, Luana Bergamaschi.
Assim, a equipe do abrigo cuidou para que a idosa, bem como os demais do grupo, tivesse conforto, carinho e tudo o mais para manter a saúde física e mental em dia.
"Dona Ida está numa cadeira de rodas, com mobilidade reduzida. Mas tem autonomia, independência para dizer o que quer. O contato com a família foi fundamental, por meio de chamadas em vídeo semanais. Além disso, mantivemos os hábitos de rotina dela, como leitura de notícias, que ela faz diariamente. Quando ela queria comer algo diferente, nós mandávamos preparar para ela", relata Luana.
São recursos que ajudam nessa rede de apoio ao idoso, como ressalta a geriatra Gleida Lança.
"É importante investir tempo conversando com o idoso, ajudando-o a reconhecer as suas emoções, nomear e falar sobre elas. Pode-se incentivar o idoso a escrever um diário, mandar recados aos amigos e gravar áudios para familiares. Fazer em conjunto um novo álbum com histórias da família tem sido relevante", sugere ela.
A rede de comunicação virtual, segundo a médica, tem sido um grande apoio de conexão. "Infelizmente, internet e celulares de qualidade não são acessíveis a todos idosos. E muitos idosos vão precisar de uma 'ajudinha' dos filhos e netos para utilizar a tecnologia. Mas é fundamental manter conexão familiar. Tanto o idoso quanto seus parentes podem combinar horários para conversas. Várias festas on-line têm sido feitas em família, com uso de Zoom e Whatzapp".
Gleida lista uma série de opções para o enfrentamento de um período tão duro como o da pandemia.
"Eles devem fazer coisas que geram prazer, como costurar roupas e bordados, cuidar de jardins e plantas. Os animais de estimação têm sido companheiros preciosos nestes tempos reduzindo ansiedade e depressão. Podem ainda assistir a bons filmes, dançar e ouvir músicas de que gostam, assim como ver um bom futebol. Jogos de mesa são ótimos", indica ela.
É importante, reforça a geriatra, manter uma rotina do dia a dia estabelecida. "O idoso precisa ter horário de dormir e de acordar e evitar cochilos. Nada de usar pijamas e chinelos durante o dia. Devem ficar lindos e arrumados, pois isso ajuda muito na autoestima. Usar o batom e o perfume predileto para se agradar e, assim, poder olhar no espelho agradecido por mais um dia vivido também tem grande impacto na saúde".
Não para por aí. "Vale se manter ativo e usar qualquer oportunidade para se mexer, andar e não ficar parado. Tem a atividade física criativa, com orientações de preparadores físicos e fisioterapeutas, que dão exercícios como sequências de se sentar e levantar da cadeira, torcer toalhas, atividades de equilíbrio e alongamentos. Vale manter caminhadas em locais abertos e em horários com pouca movimentação de pessoas para reduzir o risco de quedas. A exposição ao sol na varanda do apartamento e quintal ajudam muito a mente e as emoções", completa ela.
Não deixar que desânimo e monotonia tomem conta da alimentação. A síndrome do café com pão não deve substituir uma alimentação saudável, com verduras, frutas, leite e ovos.
A comidinha gostosa da vovó pode ser curtida com delivery e muita criatividade. Fazer pratos para os netos e filhos anima o idoso a comer melhor.
Manter avaliação médica periódica. Os consultórios médicos estão sendo organizados para atender com segurança os pacientes. E a telemedicina tem contribuído muito, facilitando orientações e apoio importante à distância.
Em caso de desconforto e sintomas, não deixar de procurar atendimento médico por medo da Covid-19. Muitos infartos e pneumonias têm o quadro complicado por atraso na hora de procurar o pronto-atendimento.
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