Cada vez mais a ciência se convence de que não basta sobreviver à Covid-19 para se ver livre dela. Há relatos, já estudados, de vários sintomas que persistem por semanas ou meses após a cura da doença. Entre eles estão problemas como dor de cabeça, dificuldade de concentração e de raciocínio, além de perda de memória.
Uma pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), que acompanhou, por seis meses, mais de 880 pessoas que estiveram internadas por Covid, apontou que os danos cognitivos afetaram 58,7% desse grupo. Em 42%, houve relato de perda de memória. Outros 31% se queixaram de prejuízos no raciocínio, na concentração.
Esse quadro está sendo chamado pelos médicos de Síndrome Pós-Covid, que traz uma lista de outras manifestações e que pode ser explicada pelo fato de o vírus se manter, por um tempo após o contágio, presente em vários órgãos, entre eles o cérebro.
De acordo com o neurologista Rodrigo Braga, do Hospital Santa Rita, em Vitória, pessoas que tiveram manifestações graves da Covid-19, que precisaram ficar internadas e até foram submetidas à ventilação mecânica, estão entre as que mais relataram essas alterações cognitivas.
"Isso pode ser explicado pelo próprio estresse da infecção pela Covid, que gera uma resposta sistêmica imunológica, provocando alterações na função cerebral. Quanto mais grave a pessoa ficou com a Covid, mais chances têm de desenvolver essas encefalopatias. Mas também há casos de pacientes que tiveram um quadro leve de infecção e também ficaram com sequelas relacionadas à cognição, como uma velocidade de processamento reduzida, uma dificuldade maior de concentração e alterações de memória. Inclusive, em alguns trabalhos foram vistos casos de redução de Q.I, o quoficiente de inteligência", aponta o médico.
Rodrigo Braga afirma que estudos mostraram a presença do vírus no sistema nervoso central. "Não se sabe, no entanto, se é o vírus agindo diretamente no sistema nervoso central ou se essa cascata inflamatória gerada pelo vírus causa alterações na função cerebral."
A médica psiquiatra Letícia Mameri também segue essa linha. "Existem algumas teorias para explicar essa relação entre a Covid e esses sinais. Uma trata sobre a invasão cerebral pelo vírus. A outra é a cascata de resposta inflamatória que o vírus estimula", avalia.
A recomendação, diz Letícia, é buscar ajuda profissional. "Para esses casos, o tratamento deve ser multidisciplinar, com mais de um tipo de especialista. Pode ser necessário fazer exercícios para o cérebro, fisioterapia, hidroterapia e melhorias na alimentação."
Rodrigo Braga reforça a importância de um acompanhamento com neurologista. "É para vermos qual o tratamento será necessário e até para acompanharmos se essas alterações vão permanecer ou se irão desaparecer com o tempo", pontua.
A medicação também pode ajudar. "Mas a medicação é sempre uma parte de qualquer tratamento. Nunca é o tratamento inteiro", destaca Letícia Mameri.
A própria Letícia teve essa complicação após se infectar com coronavírus. "Peguei Covid em novembro do ano passado. Eu me senti um pouquinho mal, mas não cheguei a ir para o hospital. Em janeiro deste ano, comecei a sentir uma dor nas costas, queda de cabelo, dor de cabeça, dificuldade de foco e para memorizar. Algo muito esquisito. Pelos estudos, tudo indica que a Covid agrava os quadros inflamatórios que a pessoa já tem. Então, meu problema de tireóide ficou pior, assim como a dor nas costas, que eu já sentia antes", descreve a psiquiatra.
Uma dica para esses casos, recomenda Letícia, é a pessoa usar ferramentas que possam ajudar a lidar com essas alterações de memória e de concentração: "A pessoa pode usar despertador para não perder compromissos. Usar agenda para fazer check-list de tarefas, por exemplo, também é outro recurso", finaliza.
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