A cultura do estupro foi uma das pautas debatidas durante a primeira live do projeto Todas Elas, uma iniciativa de A Gazeta para fomentar o debate sobre a violência contra mulher e a desigualdade de gênero. O encontro virtual realizado na noite desta terça-feira (13) contou com a participação de Ana Paula Araújo, jornalista, apresentadora do Bom Dia Brasil e autora do livro "Abuso - A cultura do estupro no Brasil".
Com a mediação da repórter Elis Carvalho, também reforçaram a discussão a delegada Michelle Meira e a presidente do Movimento Bertha Lutz, Vânia Venâncio.
Ana Paula conta que o próprio meio social já possui uma cultura que favorece aos homens e a não denúncia dos crimes sexuais. "A nossa cultura de modo geral é de que os desejos e vontades dos homens prevalecem sobre a vontade das mulheres. Estupro dentro do casamento é ainda mais difícil, pois muitas vezes nenhum dos dois lados percebem que está ocorrendo o crime. Os homens se veem no direito e as mulheres no dever de ceder. Se denunciar um estupro é difícil, denunciar alguém que é seu companheiro, seu marido que está dentro de casa e que a mulher é dependente é ainda mais difícil", afirmou.
A jornalista disse não conhecer uma nenhuma mulher que não tenha um registro de violência, desde as mais graves até os assédios do dia a dia. Já sobre os abusadores, ela afirma que qualquer homem pode ser um deles, não sendo necessariamente uma pessoa aparentemente louca ou má.
"São homens completamente normais que circulam tranquilamente pela sociedade, têm famílias e que recebem visitas na cadeia mesmo condenados por estupros. Isso faz com que até homens que são estupradores não se vejam como tal, que acreditem que apenas forçaram a barra ou que aconteceu o crime porque a mulher tinha bebido, por exemplo. Precisamos desmitificar isso, são homens comuns e que estão convivendo com a gente", pontuou.
A jornalista explicou que os crimes sexuais contra mulheres ocorrem em qualquer faixa social. Nas favelas, onde há a presença do tráfico, muitos estupros acontecem e os agressores não reconhecem a gravidade dos crimes.
"O traficante escolher uma menina de até 13 anos na comunidade para ser 'esposa' dele, e isso já é estupro. Ou quando mais velha, as meninas não têm escolha, pois como dizer 'não' para o chefe do tráfico? Além disso, há registros de casos de estupro coletivo, que é visto como diversão entre amigos ou inserção do garoto na vida sexual", aponta Ana Paula Araújo.
A mudança da mentalidade tem que estar em todos, em especial parar de culpar a vítima. "As mulheres cresceram ouvindo todas as histórias machistas. Mesmo com perfis completamente diferentes, as vítimas sentiam a culpa. E isso todos, homens e mulheres, vão incorporando isso, inclusive a polícia e o judiciário, o que dificulta ainda mais as denúncias", ponderou.
Uma alternativa da presidente do Movimento Bertha Lutz, Vânia Venâncio, para desconstrução da cultura do estupro deve começar dentro de casa, para que não se crie abusadores. "Temos que observar que a mãe que educa dizendo que o filho pode e a filha não pode, constrói um muro entre homem e mulher e o futuro dos relacionamentos. Essa mãe repete o que ela aprendeu, que o homem tem o poder. Se não começarmos a mostrar que pode ser diferente, pode chegar a violência contra mulher. Precisamos encerrar os ciclos de violência", destacou.
A violência contra mulher é de responsabilidade única e exclusiva do autor. No entanto, a sociedade em geral pode colaborar com ações de proteção, como explicou a delegada Michelle Meira, gerente de Proteção ã Mulher da Secretaria de Segurança do Estado. "O enfrentamento é da polícia, dos hospitais, dos centros de referência social que devem acolher. Assim como os vizinhos, os amigos devem denunciar e oferecer ajuda. A violência doméstica para uma mulher dar um basta é muito mais complicada, precisamos retirar essa vítima do ciclo e não julgá-la", observou.
Ana Paula é objetiva ao apontar a necessidade de encorajar as vítimas a procurar ajuda e que seja atendida adequadamente em todas as esferas do poder público. "Ainda acredito que dá para ser menos pessimista se nos unirmos e lutarmos juntas para impedir que isso aconteça e acolheremos as vítimas", completou.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta