O sorriso bonito da foto era da técnica de enfermagem Jaciara da Silva Moura, a baiana que saiu de Itapebi aos vinte poucos anos para viver no município da Serra, no Espírito Santo, na esperança de oportunidades de emprego e estudo para dar uma vida melhor para a filha e mãe esta que havia deixado na Bahia.
A data do aniversário de 33 anos de Jaciara foi na segunda-feira (15), mesmo dia em que ela foi morta a facadas pelo marido, na frente da filha de 11 anos do casal, em Vila Nova de Colares, na Serra.
A morte bárbara da baiana foi o inimaginável final da vida de uma mulher que que sempre lutou muito pelo que desejava. Ao vir para o Estado, o primeiro posto de conseguiu foi de doméstica.
"Jaciara sempre foi muito guerreira, esforçada e buscava o melhor. Foram anos trabalhando para que pudesse estabilizar e dar início ao curso particular de técnica de enfermagem", contou a universitária Elivânia Moraes, 29 anos, prima e amiga.
Jaciara e a prima cresceram juntas. Elivânia também se mudou para o Espírito Santo quando a prima veio para as terras capixabas. Ela conta que logo Jaciara conheceu o marido, Zezito Pereira, com quem um ano depois teve uma filha, atualmente com 11 anos. A técnica de enfermagem já tinha uma menina, hoje com 16 anos, que preferiu morar com a avó, mãe de Jaciara, na Bahia.
Com o curso de técnica de enfermagem completo, Jaciara logo conseguiu emprego no Hospital Jayme Santos Neves, na Serra. "Doce, amável e muito atenciosa, ela foi trabalhar na Unidade de Tratamento Intensivo Infantil Neonatal (Utin), onde lidava com bebês recém-nascidos. Os pais dos bebês a adoravam exatamente por tanto cuidado que ela tinha com os nenéns" detalhou a prima.
A construção da casa própria que tanto desejava fez com que Jaciara buscasse outra vaga de emprego, dessa vez em uma maternidade em Vitória, para aumentar a renda família.
"Ela amava o que fazia, estava feliz e sabíamos que ainda queria mais, até fazer faculdade de Enfermagem quando, enfim, conseguisse terminar uma outra casa, dessa vez uma em cima da que morava, para que o marido a quem deseja se separar fosse morar. Aliás, recentemente, eles já estavam separados mas ainda moravam dentro da mesma casa", detalhou Elivânia.
Apesar de manter-se as aparências, era nítido aos que amavam Jaciara que alguma coisa a incomodava. "A gente percebia que tinha algo, perguntávamos a ela, que respondia estar tudo bem. Ela amenizava as situações, pois ele pedia para não falar que estavam em crise. Eu cheguei a ter medo dele por ter conhecimento de situações que chegavam até o meu ouvido. Ela não o amava, iria se separar, mas mesmo assim ela o ajudou em tudo", recorda-se Elivânia.
Entre as ajudas de Jaciara ao marido, estão os inúmeros plantões para manter a casa e muito incentivo para que ele cursasse também o curso de técnico de enfermagem. Assim, ele deixaria de vez a profissão de pedreiro, que nem sempre era garantia de renda.
"Ela trabalhava demais, todos os dias, ia para plantões, saía de um e ia para o outro emprego. Nunca deixava faltar as coisas para a filha e colocava uma pessoa para cuidar dela, para que a menina não ficasse sozinha. Jaciara tinha como meta ser feliz. Faltavam três meses para o marido conseguir o registro no Conselho de Enfermagem e, assim, com a profissão ela ficaria livre para se separar e com a consciência leve, poderia voltar a estudar e a cuidar dela, pois teria feito tudo para ajudá-lo", relatou a prima.
Mas não deu tempo. Zezito é acusado de ter golpeado 33 vezes a esposa com uma faca na madrugada de segunda-feira (15), dentro da casa onde o casal morava.
A filha do casal, de 11 anos, foi quem pediu socorro e chegou a pedir para que o pai parasse com os golpes. Jaciara foi levada por vizinhos para o Hospital Jayme Santos, onde era funcionária. Os mesmo colegas que dividiram plantões com a mulher, não conseguiram reverter o quadro e ela morreu.
Nesta quarta-feira (18), ele compareceu ã Delegacia de Homicídios e Proteção à Mulher (DHPM), onde prestou depoimento e saiu pela porta da frente por ter se entregado e porque não havia qualquer mandado de prisão em aberto contra Zezito.
"É como se toda nossa família tivesse sido traída por ele, pois sempre foi recebido por todos. Sinto um desespero em imaginar como teve coragem de fazer uma coisa dessas, tanta brutalidade. Jaciara não merecia isso e nenhuma outra mulher merecia", desabafou Elivânia.
"Vou sempre lembrar dela pelos momentos felizes que vivemos", diz a prima. Essa mesma alegria da técnica de enfermagem era dividida no ambiente de trabalho. Na desta terça-feira, funcionários do Hospital Jayme Santos se reuniram para plantar uma árvore no pátio da unidade em homenagem à Jaciara.
A assessoria do hospital descreveu que a árvore de manacá-da-serra foi escolhida pela exuberância de suas flores. O plantio foi feito próximo a entrada da unidade exatamente para que os colegas de trabalho de Jaciara possam sempre olhar e lembrarem-se dela.
"Parece que tirou um pedaço meu. Não dá pra acreditar que mulheres continuam morrendo nas mãos de homens que se acham donos delas", completou a familiar.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta