O envolvimento de funcionários homens em violência doméstica, principalmente quando o caso tem repercussão, vira polêmica e conta com ocorrência policial, tem levado empresas a decidirem pela demissão do agressor como forma de puni-lo economicamente pelo crime contra a vida de uma mulher.
Embora não haja uma legislação específica, que permita a dispensa por esse motivo, as organizações preferem desligar esses empregados para não terem em seus quadros pessoas com condutas reprováveis e como forma também de passar a mensagem de que não vai mais tolerar ter colaboradores com perfil misógino e machista.
As demissões, nesses casos, ocorrem sem justa causa, ou seja, sem que as empresas informem os reais motivos da dispensa, mesmo ficando subentendido que o desligamento ocorreu por conta do episódio de agressão a uma mulher com que mantém um vínculo, como esposa, namorada, amiga, familiares ou mesmo alguém desconhecido.
Foi o que aconteceu com o DJ Ivis, demitido da produtora onde trabalhava após a divulgação de vídeos dele agredindo a ex-mulher, Pamella Holanda. As agressões ocorreram em frente a filha recém-nascida e de um outro homem, amigo do DJ. As consequências foram ainda maiores, como a suspensão do uso das músicas dele em rádios, boicote aderido, inclusive, pela Rede Gazeta (leia abaixo sobre isso).
"Não admito nem compactuo com nenhum tipo de violência, ainda mais com uma mulher. Nada explica, não tem explicação. Como todo mundo sabe o DJ faz parte da Vybbe, infelizmente, não tem como continuar com ele na nossa empresa”, afirmou o cantor Xand Avião. Além disso, plataformas de streaming retiraram os trabalhos de Ivis de suas programações. O músico está preso.
O superintendente Regional do Trabalho no Espírito Santo, Alcimar Candeias, lembra que quando a empresa declara o motivo da dispensa, em caso de demissão sem justa causa, abre precedente para que esse trabalhador entre na Justiça pedindo indenização por dano moral. Com isso, geralmente, o motivo é velado, ou seja, o empregador prefere não esclarecer ao funcionário a real causa do fim do contrato.
A juíza do trabalho Germana Morelo explica que não há punição na lei trabalhista relacionada à vida particular do empregado, incluindo casos de violência doméstica. A prática só é prevista, se o agressor for preso, e o processo já tiver sido trânsitado em julgado, não cabendo mais recurso. Sem ter condições de exercer suas atividades laborais, o homem pode ser desligado por justa causa, conforme explica a magistrada.
“As empresas têm responsabilidade social e precisam desenvolver canais de conscientização para que mulheres que sofrem com a violência doméstica possam pedir ajuda ou fazer denúncia contra o agressor”, explica.
Por se tratar de demissão sem justa causa, não há estatísticas sobre a quantidade de homens despedidos por conta da violência. No entanto, o que se pode constatar é que esta tem sido uma conduta cada vez mais adotada pelas empresas país afora. A decisão pode estar atrelada a campanhas para a redução de índices de violência e de desigualdades de gênero.
De maneira geral, os homens lideram o ranking de demissões pelo país. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia, mostram que dos 1.268.049 desligamentos, registrados na amostra de maio de 2021, 794.286 eram homens e 473.763 mulheres. No Espírito Santo, das 25.928 demissões, 17.221 eram de pessoas do sexo masculino.
A presidente da Associação Brasileiras de Recursos Humanos, seccional Espírito Santo (ABRH-ES), Kátia Vasconcelos, avalia que as decisões das empresas são tomadas com bases éticas. Ela lembra que comportamentos comuns no passado, como a violência doméstica e o racismo, passam a não ser mais tolerados pelas organizações em tempo atuais, mesmo fora do ambiente corporativo.
O advogado especialista em Direito Trabalhista, Guilherme Machado, complementa que a demissão de um agressor ocorre porque ele infringe uma cláusula social que está ligada à imagem da empresa. “Resumidamente, as organizações cobram de forma expressa no contrato de trabalho, um padrão de civilidade exigível e compatível ao cargo”, avalia.
Já o advogado trabalhista Marcio Dell’Santo, do escritório Genelhu Advogados, acredita que a demissão por conta da violência doméstica não deve provocar um aumento das agressões domésticas. “Na verdade, o que se quer demonstrar com iniciativas como a adotada pela gravadora é justamente o contrário: o ato é tão reprovável que, além dos reflexos na esfera criminal, também podem atingir a vida profissional do agressor”, avalia.
Dell’Santo pontua que existem dois projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, que visam, justamente, à alteração da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), para prever a demissão por justa causa em casos de prática de atos de violência contra a mulher.
Um desses projetos é de autoria da senadora Rose de Freitas (PMDB-ES). A proposta da parlamentar, por meio do Projeto de Lei 96/2017, estabelece a demissão de condenados pelo crime de violência doméstica e familiar que reincidirem nesta prática. A iniciativa modifica o Código Penal, além das regras do trabalho.
O empregado demitido por justo motivo não tem direito de receber o 13º salário, as férias proporcionais, o saque do FGTS, além da indenização da multa de 40% sobre o valor depositado no Fundo de Garantia, obrigatória em demissões sem justa causa. A legislação trabalhista também não garante o seguro-desemprego nesse tipo de demissão.
“Creio que atingindo a atividade laborativa, levando ao reincidente a perda do emprego, do cargo ou da função pública levará ao agressor a refletir mais antes de praticar qualquer ato de violência”, reitera a senadora.
O advogado trabalhista Felipe Loureiro acredita que a demissão de um homem violento pode ser tratada como uma lição perante à sociedade, principalmente em casos de grande repercussão. “A justa causa só pode ocorrer por má conduta dentro da empresa. O que acontece fora do ambiente corporativo vai depender de cada caso”, afirma Loureiro.
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