Um réu que assassinou uma mulher em razão do gênero, ou seja, que cometeu feminicídio, não pode mais alegar que agiu em defesa da honra como forma de tentar justificar o crime. Nesta quinta-feira (11), o Superior Tribunal Federal (STF) decidiu em votação que a tese, chamada de legítima defesa da honra, é inconstitucional.
Mas em que consistia essa tese? Segundo a professora de Direito Penal e advogada, Virgínia Luna Smith, primeiro é preciso entender o que venha a ser a expressão "legítima defesa". "Seria quando você usa moderadamente meios que dispor para repelir a injusta agressão, ou afastar a agressão", pontua.
Quando se fala de "legítima defesa da honra", a professora explica que a legislação de 1890 previa esse argumento. "Era quando o sujeito praticava um crime numa situação de completa privação de sentidos, de emoção, como ao flagrar uma traição. Essa situação, porém, não existe mais no código penal. Mas a ideia estava sendo usada em júris dentro da plenitude de defesa, em que o acusado pode usar todos os argumentos, mesmos os não jurídicos para conseguir a absolvição", detalha Smith.
O tema foi apresentado ao STF pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), em janeiro, ao argumentar que não eram compatíveis com a Constituição absolvições de réus acusados de feminicídio com base na tese de "legitima defesa da honra". Agora, a tese não pode ser usada nos tribunais do júri, cabendo ao juiz ou juíza que presidir o julgamento desconsiderá-la, caso os representantes de defesa do réu insistirem no argumento.
Para Sátina Pimenta, advogada, psicóloga e idealizadora do Projeto Ressignificando, nem sequer deveria ser necessário um julgamento sobre essa situação, a começar pela alegação da situação como legítima defesa e também sobre o que se entende como honra.
"A emoção não torna o acusado inimputável e nem atenua a pena. A emoção é algo controlável por um sujeito que possui razão. O que acontece é que estamos mais uma vez passando a mão na cabeça dos homens, do machismo brasileiro, pois é como se disséssemos que 'ele tem direito de fazer o que quiser mediante a honra'. A nossa Constituição coloca a vida acima de qualquer coisa, inclusive a honra. A honra, aliás, é algo subjetivo, pois nem sempre o que é honroso para mim, será honroso para você", argumenta.
A defensora pública e membra do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), Fernanda Prugner, reforça o ponto de vista apresentado por Sátina. "A honra é um atributo de ordem moral, ética e de origem na construção social dentro de uma sociedade machista. É como se homens estivessem autorizados a trair e também a cometer o feminicídio. A 'legítima defesa da honra' é uma justificativa para atacar as mulheres de forma desproporcional e criminosa", observou Prugner.
Tendo como relator o ministro Dias Tófoli, a aplicação da tese foi considerada inconstitucional pelo Supremo por contrariar princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.
"Não obstante, para além de um argumento atécnico e extrajurídico, a 'legítima defesa da honra' é estratagema cruel, subversivo da dignidade da pessoa humana e dos direitos à igualdade e à vida e totalmente discriminatória contra a mulher, por contribuir com a perpetuação da violência doméstica e do feminicídio no país", afirmou o ministro em seu voto.
A liminar expedida por Dias Tófoli foi confirmada por maioria dos 11 ministros dos STF, nesta quinta-feira (11).
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