Repórter de Cotidiano / gcarraretto@redegazeta.com.br
Publicado em 11 de março de 2021 às 18:46
- Atualizado há 4 anos
Um réu que assassinou uma mulher em razão do gênero, ou seja, que cometeu feminicídio, não pode mais alegar que agiu em defesa da honra como forma de tentar justificar o crime. Nesta quinta-feira (11), o Superior Tribunal Federal (STF) decidiu em votação que a tese, chamada de legítima defesa da honra, é inconstitucional.
Mas em que consistia essa tese? Segundo a professora de Direito Penal e advogada, Virgínia Luna Smith, primeiro é preciso entender o que venha a ser a expressão "legítima defesa". "Seria quando você usa moderadamente meios que dispor para repelir a injusta agressão, ou afastar a agressão", pontua.
Quando se fala de "legítima defesa da honra", a professora explica que a legislação de 1890 previa esse argumento. "Era quando o sujeito praticava um crime numa situação de completa privação de sentidos, de emoção, como ao flagrar uma traição. Essa situação, porém, não existe mais no código penal. Mas a ideia estava sendo usada em júris dentro da plenitude de defesa, em que o acusado pode usar todos os argumentos, mesmos os não jurídicos para conseguir a absolvição", detalha Smith.
O tema foi apresentado ao STF pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), em janeiro, ao argumentar que não eram compatíveis com a Constituição absolvições de réus acusados de feminicídio com base na tese de "legitima defesa da honra". Agora, a tese não pode ser usada nos tribunais do júri, cabendo ao juiz ou juíza que presidir o julgamento desconsiderá-la, caso os representantes de defesa do réu insistirem no argumento.
Para Sátina Pimenta, advogada, psicóloga e idealizadora do Projeto Ressignificando, nem sequer deveria ser necessário um julgamento sobre essa situação, a começar pela alegação da situação como legítima defesa e também sobre o que se entende como honra.
"A emoção não torna o acusado inimputável e nem atenua a pena. A emoção é algo controlável por um sujeito que possui razão. O que acontece é que estamos mais uma vez passando a mão na cabeça dos homens, do machismo brasileiro, pois é como se disséssemos que 'ele tem direito de fazer o que quiser mediante a honra'. A nossa Constituição coloca a vida acima de qualquer coisa, inclusive a honra. A honra, aliás, é algo subjetivo, pois nem sempre o que é honroso para mim, será honroso para você", argumenta.
A defensora pública e membra do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), Fernanda Prugner, reforça o ponto de vista apresentado por Sátina. "A honra é um atributo de ordem moral, ética e de origem na construção social dentro de uma sociedade machista. É como se homens estivessem autorizados a trair e também a cometer o feminicídio. A 'legítima defesa da honra' é uma justificativa para atacar as mulheres de forma desproporcional e criminosa", observou Prugner.
Fernanda Prugner
Defensora pública e membra do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (NudemTendo como relator o ministro Dias Tófoli, a aplicação da tese foi considerada inconstitucional pelo Supremo por contrariar princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.
"Não obstante, para além de um argumento atécnico e extrajurídico, a 'legítima defesa da honra' é estratagema cruel, subversivo da dignidade da pessoa humana e dos direitos à igualdade e à vida e totalmente discriminatória contra a mulher, por contribuir com a perpetuação da violência doméstica e do feminicídio no país", afirmou o ministro em seu voto.
A liminar expedida por Dias Tófoli foi confirmada por maioria dos 11 ministros dos STF, nesta quinta-feira (11).
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