Em um intervalo de apenas 15 dias em setembro, quatro mulheres foram assassinadas no Espírito Santo por maridos ou ex-companheiros. Entre os dias 2 e 16 deste mês, Juliana El-Aouar, Fabiane Rizzo, Andreia Cristina da Silva e Juliana dos Santos entraram para os registros de feminicídio no Estado, igualando o número de mortes ocorridas durante todo o mês de setembro de 2022.
Embora nos primeiros oito meses de 2023 haja dois feminicídios a menos (22) que no mesmo período do ano passado (24), os indicadores não demonstram que esse é um cenário na iminência de melhorar. Todos os dias, pelo menos 58 mulheres são vítimas de violência devido ao gênero no Espírito Santo. Isso equivale a quase 3 casos por hora. São agressões físicas e psicológicas, em casa ou em espaço público, que marcam cotidianamente uma parcela da população feminina capixaba. Em situações extremas, acabam mortas.
Esses são dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) que registrou, de janeiro a agosto deste ano, 13.980 casos de violência doméstica, 442 a mais que em 2022. Em todos os municípios, há denúncias de agressões contra mulheres e é importante ressaltar que, apesar de ser um número elevado de ocorrências, nem todas as vítimas procuram a polícia para registrar os abusos sofridos.
Ainda assim, a delegada Michelle Meira, gerente de Proteção à Mulher da Sesp, acredita que o momento é de mulheres mais conscientes sobre sua condição.
“Cada vez mais percebemos que as mulheres que sofrem violência e vivem em relacionamento permeado por violência quebram o ciclo ao pedir ajuda. Isso faz com que o feminicídio caia por pedir meios que ajudem a protegê-la”, analisa.
Por essa razão, ressalta a delegada, as políticas públicas para informar e fornecer segurança às vítimas são essenciais como estratégias para acabar com o ciclo da violência e evitar novos registros de feminicídio.
“Ela passa a acreditar mais no serviço que é posto à disposição e vê que violência contra a mulher tem punição. A Lei Maria da Penha foi um marco e tiramos essa violência da invisibilidade, que passou a ser um problema público”, opina Michelle Meira.
A opinião é compartilhada pela professora de direito e lei maria da penha da Ufes, Catarina Gazele, que vê mais segurança nas vítimas para poder delatar.
"A percepção é que elas tem em mente que precisam perdir socorro caso aconteça algo com elas. O homem não ficou bonzinho de uma hora para outra e por isso também cairam o número de feminicídios, as mulheres que estão denunciando mais", explicou Gazele.
A especialista afirmou ser necessário reforçar as políticas públicas e uma análise mais ampla dos inquéritos de violência contra a mulher.
"Inicialmente, tem que avaliar se a queda no número de femínicidios não é algo pontual, alguma oscilação. É preciso uma análise de comparativo jurídico no final do ano com períodos anteriores, ver a estatística e investigar os motivos variados do feminicídio. Claro que festejamos que caiu, mas morrendo só uma mulher já assusta", explicou a professora.
Em nada menos que 70% dos assassinatos de mulheres em 2023, o crime foi cometido por maridos ou companheiros. Outros 25% foram praticados por ex, segundo a Sesp.
É o caso da babá Juliana dos Santos, 31 anos, que teve a vida interrompida pelo ex-marido, Marcos John Pedroso, de 35 anos, no último sábado (16), no bairro Araçatiba, em Viana, onde ela morava.
Ele usou uma faca para assassiná-la, após passarem a noite bebendo juntos. Depois do crime, a família informou à TV Gazeta que eles não se relacionavam mais havia um mês, mas a Polícia Militar registrou que eles ainda moravam juntos.
Uma semana antes, Fabiane Rizzo de Jesus, de 48 anos, também foi esfaqueada pelo ex-marido, de quem estava separada havia três meses. Familiares contaram que o homem invadiu a casa, atacou a ex e depois fugiu pelo bairro Teixeira Leite, em Cachoeiro de Itapemirim.
Muitos casos de feminicídio, observa a delegada Michelle Meira, decorrem da insatisfação do homem com o fim do relacionamento. Para Samir Sagi El-Aoaur, pai da médica Juliana El-Aouar que foi morta em um hotel em Colatina, no dia 2 de setembro, a tentativa da filha de se separar do ex-prefeito Fuvio Luziano Serafim teria provocado as recorrentes agressões físicas que culminaram com o assassinato.
No caso de agressões, o sentimento de posse sobre o corpo feminino também é um grande problema.
“Quando fala de outros tipos de violência são ligadas a questão cultura de ciúmes, controle da mulher nas suas redes sociais, com quem fala e entender que ela é propriedade dele”, pontua a delegada.
Em geral, o feminicídio é o encerramento de um ciclo de agressões que se arrasta, por meses, às vezes, anos. Andreia Cristina, também morta a facadas no dia 9, em Pontal do Ipiranga, em Linhares, tinha até medida protetiva contra o ex-marido, porém ele a descumpriu e acabou preso, acusado do crime, após chamar a polícia informando sobre a morte.
Por isso, o reforço das políticas públicas é o caminho apontado por pesquisadores da área de violência de gênero. "Existem muitos locais para buscar ajuda: defensoria, polícia, associações, porém é importante ter sempre a capacitação de quem recebe essas mulheres", reforçou Gazele.
As vítimas devem procurar a polícia para denunciar a violência e um dos caminhos é a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM). Caso a cidade em que reside não tenha uma unidade, podem ir à delegacia mais perto para registrar o caso. Elas também podem ligar para o 190 ou baixar o aplicativo 190 ES, no qual tem a aba ‘SOS Marias’ em que é possível fazer o acionamento em caso emergencial, sem nem mesmo precisar falar.
Caso não se sinta confortável para registar um boletim de ocorrência, ela pode buscar ajuda em outros espaços, como: atendimentos psicossociais, Defensoria Pública e Ministério Público estadual. “O importante é que ela peça ajuda”, frisa a delegada.
Familiares, amigos e conhecidos também podem registrar boletim de ocorrência, caso presenciem alguma violência contra a mulher. Se não quiser se identificar, pode acionar o disque-denúncia.
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