Um relacionamento conturbado, de acordo com relatos de parentes e vizinhos, terminou tragicamente na tarde da última segunda-feira (15). Ana Carolina Rocha Kurth, de 24 anos, foi morta a facadas dentro de um apartamento no Centro de Vitória. O suspeito é o companheiro da jovem, Matheus Stein Pinheiro, 24, que se apresentou à polícia nesta quarta-feira (17) e horas depois foi preso.
"Soube que ela havia deixado o emprego, a pedido dele (namorado). Ele, supostamente, era bastante controlador, ciumento", disse Daniel Rocha, primo da estudante universitária, em entrevista à TV Gazeta. "No prédio, os vizinhos falavam que havia brigas recorrentes, inclusive com a polícia sendo chamada", acrescentou.
O assassinato da universitária levanta, mais uma vez, a discussão sobre relacionamentos abusivos, que, muitas vezes, dão sinais de perigo antes mesmo do ato de violência física em si.
Mas então, como é possível saber que a relação é tóxica e pode ter consequências até fatais? A dúvida surge, principalmente, porque muitas vítimas sentem medo, vergonha e têm a autoestima atacada por seus parceiros, fazendo com que demorem a perceber ou denunciar a violência sofrida.
De acordo com especialistas, não é raro que acusados de feminicídio e de agressões domésticas tenham ficha limpa na polícia e sejam vistos pela sociedade como pessoas acima de qualquer suspeita. O comportamento violento vai aparecendo de forma progressiva e sutil.
É comum, também, que, ainda durante o período de conquista, os homens se apresentem com um perfil romântico, compreensível e cuidadoso. Com o passar do tempo, no entanto, começam a mostrar sinais de quem realmente são, por meio de situações de ciúme, domínio e opressão. É aí que representam um risco à integridade emocional, física e psicológica das companheiras.
Esse sentimento de posse começa a aparecer quando o homem passa a tomar decisões pela mulher e controlar seus horários, roupas e atividades. A professora da Ufes e coordenadora do Laboratório de Pesquisas sobre Violência Contra a Mulheres no Espírito Santo, Brunela Vincenzi, ressalta que a Lei Maria da Penha lista cinco tipos diferentes de violência: física, psicológica, patrimonial, moral e sexual.
"Mostro na minha aula que pedir o salário da mulher no fim do mês, por exemplo, é um tipo de violência, a patrimonial. É necessário admitir os fatos e conscientizar as pessoas", disse.
Em relacionamentos tóxicos, o homem é agressivo nas palavras, faz constantes ameaças, xinga durante discussões e faz ataques à confiança e autoestima da mulher. Ele ainda pode ser manipulador ao inverter situações de briga, se colocar como vítimas e fazer a mulher acreditar que é culpada pelas agressões que sofre.
O comportamento da vítima também é fruto do abuso no relacionamento, que piora gradativamente. Em muitas situações, quando os comportamentos tóxicos começam, as mulheres passam a se isolar, entram em depressão e desenvolvem, até mesmo, fobia social.
A orientação é: ao perceber qualquer um desses sinais, a mulher precisa buscar ajuda e denunciar o agressor. Mas, infelizmente, essa situação nem sempre é realidade. Muitas mulheres que sofrem abusos silenciam-se e sentem dificuldades em buscar ajuda para sair desses relacionamentos.
Chefe da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher, a delegada Cláudia Dematté explica que esse silenciamento muitas vezes é motivado por vergonha. "Muitas se calam por vergonha da própria família, dos vizinhos, dos amigos, de ser julgada, por causa dos filhos."
Colocar um ponto final nessa relação, no entanto, não está nas mãos apenas da vítima. Ela precisa de suporte, tanto da família e amigos quanto do poder público. Com acolhimento, sem julgamentos.
Renata Bravo, mestra em Direitos e Garantias Fundamentais e idealizadora do coletivo Juntas e Seguras, diz que o grupo criado para dar apoio a meninas e mulheres é uma alternativa, inclusive com indicações de locais para buscar ajuda.
Renata reconhece, no entanto, que não se trata de uma tarefa simples.
"Não é só arrumar as coisas e sair de casa porque, além da dependência emocional, muitas vezes também há a dependência econômica; é ele quem controla o dinheiro. A forma de saída para essa mulher é mais um movimento externo que dela. O que quero dizer é que toda a sociedade, os coletivos, a mídia, como neste projeto Todas Elas, têm que dizer 'se está em um relacionamento abusivo, tem muita gente para te apoiar'."
A mulher, orienta Renata, deve sempre ter uma amiga, uma colega de trabalho de quem seja confidente e possa contar o que se passa na relação. O problema, na maioria das vezes, é que em uma união marcada por abusos, um dos atos de violência é justamente afastar a companheira da família e amigos, a deixando isolada.
"Sendo amiga ou parente de uma mulher numa relação abusiva, é importante que se faça presente, ainda que não concorde com o relacionamento. Nossa tendência é nos afastar, afirmando 'estou falando e ela não enxerga'. Mas é fundamental mudar essa postura e dizer 'quando precisar, estou aqui'. A rede de apoio não é só do Estado, de quem é dever amparar, mas somos todos nós", frisa.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta