Desescolarização não pode priorizar o debate
Maria Celi Chaves Vasconcelos é pós-doutora em Educação Domiciliar, professora da UERJ e vice-presidente do Conselho Estadual de Educação do RJ
Há um antigo ditado inglês - Don't throw the baby out with the bath water" (Não jogue o bebê junto com a água suja) - que alertava os apressados sobre os riscos de colocar tudo a perder no açodamento de, ao querer cumprir seus objetivos, não observar o que se está fazendo. O ditado aplica-se, de certa forma, ao que se vê, hoje, nas tentativas de se buscar, sem prévia análise, legalizar a educação domiciliar no Brasil. Inadvertidamente, podem acabar por condená-la a uma prática sem nenhuma credibilidade, atrelada a projetos políticos pontuais, descaracterizando-a do debate na arena na qual deveria estar: os órgãos de educação, e com os interlocutores que deveriam discuti-la, educadores e pesquisadores.
A educação domiciliar é uma modalidade de educação que foi majoritária até que o projeto de escolarização do século XX se tornasse hegemônico. Portanto, não se trata de algo novo, mas sim de uma reconfiguração dos espaços domésticos, com auxílio das tecnologias disponíveis, que recobraram sua capacidade educativa. Em alguns países essa educação jamais foi proibida e continuou sendo praticada. É o caso de Portugal, por exemplo.
Contudo, recentemente, vem sendo demonstrado um maior interesse por parte das famílias de retomar essas práticas, devido a uma série de fatores que vão desde razões religiosas até uma veemente crítica à escola, pública ou privada. Ao ser recolocada no cenário, a disputa que se vê não tem como aspecto nodal apenas o foco na educação domiciliar em si, ainda que se possa defender intensamente a obrigatoriedade da escolarização, a importância da socialização e a convivência para além dos ambientes privados, mas o problema está, particularmente, nas prioridades em educação.
Não se pode priorizar uma prática para a qual não há estudos suficientes sobre seus resultados, sua adequação à realidade brasileira, sua organização, sua necessidade de garantias legais, estruturas que teriam que ser criadas e adequadas condições observadas nos países onde é permitida , quando há assuntos estudados, dissecados em dissertações, teses, programas e projetos que ainda não se tornaram prioridade dos governos.
A questão central não são as consequências que essa legalização poderia trazer, mas a constrangedora constatação que ao invés de se ter como meta prioritária escolarizar todas as crianças na idade certa, ampliar a jornada escolar, melhorar a qualidade das escolas, as condições de formação, de trabalho e salariais dos professores, o debate paralelo que ganha importância é o da desescolarização. Ainda que muito importante, sem dúvida, para as famílias que já praticam o ensino domiciliar e precisam ser consideradas, há milhares de outras que, neste instante, aguardam uma vaga na escola pública e gostariam da mesma intencionalidade pela melhoria do processo de escolarização. É com essas que o poder público deveria ter o compromisso inicial.
Tentar legalizar a educação domiciliar sem um projeto aprovado no Parlamento, discutido nas instâncias que representam a população, sujeito às críticas, às censuras, aos questionamentos, mas também às defesas, às soluções, aos enfrentamentos no campo teórico e prático da educação, é, grosso modo, jogar o bebê com a água da bacia, e recuperá-lo, em sua legitimidade, como modalidade educacional, será tarefa difícil, pois terá, desde a sua origem, cometido a insensatez da solução a qualquer preço.
Um marco para a liberdade educacional
Rick Dias é presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned)
O ano de 2019 deverá ser um marco para a liberdade educacional no Brasil. É que a educação domiciliar, modalidade educacional conhecida internacionalmente como homeschool, poderá ser regulamentada, a partir de uma Medida Provisória, que será enviada ao Congresso Nacional, pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, com a chancela do MEC.
Reconhecida, regulamentada ou permitida em mais de 60 países, nos cinco continentes, a educação domiciliar teve assombroso crescimento no Brasil nos últimos anos, passando de 360 (2011) para 7500 famílias praticantes em 2018, com cerca de 15000 estudantes. Em nosso país, o homeschool se apresenta hoje como um movimento imparável, consolidado, sólido e de crescimento exponencial.
Embora, no Brasil, o assunto seja alvo de questões polêmicas, algumas antagônicas e outras separadas por linhas tênues, como direitos humanos, legalidade, Constituição, Estado, família, socialização, entre outros, são inegáveis os fantásticos resultados proporcionados pela educação domiciliar, em todo o mundo.
Estudos diversos, como os do Instituto NHERI, do Dr. Bryan Ray, mostram que ficou evidente que os homeschoolers (como são chamados os estudantes de educação domiciliar) obtém resultados acadêmicos de 15 a 30 por cento superiores aos dos estudantes de escolas convencionais. Também apresentam menor propensão ao uso de álcool, drogas, mostram-se mais sociáveis, mais envolvidos em atividades cívicas e trabalho voluntário e também demonstram mais tolerância política e religiosa do que os demais estudantes.
Reconhecer, portanto, o direito dos pais poderem optar pelo homeschool, não apenas devolve às famílias brasileiras a prioridade de escolher a forma de educar, como versam os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, mas começa a romper com uma velha casca na combalida educação brasileira e retirar as escoras que sustentam esse modelo obsoleto, falido e agonizante.
Conforme conceituados educadores já haviam previsto, cada vez mais famílias têm abandonado esse modelo compulsório de educação, substituindo-o por outro, interativo, personalizado, eficaz. E seus filhos estão entrando nas universidades com as médias mais altas e com mais conhecimento. Não se pode continuar educando crianças e adolescentes, nascidos com o Google, em salas de aulas do século XIX.
Embora muito distante de assumir uma postura antiescola ou da sua demonização, regulamentar a educação domiciliar quebra velhos e insustentáveis paradigmas, desfaz o mito da socialização e ainda eleva o Brasil no índice de liberdade educacional, no qual ocupa a 58ª posição, vexatória para um país democrático.
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