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Construir presídios resolve a crise do sistema prisional no Estado?

Construir presídios resolve a crise do sistema prisional no Estado?

Prisões no Espírito Santo estão atualmente com um déficit de 9 mil vagas, e essa superlotação mobilizou a criação de uma força-tarefa para pensar e propor soluções para o problema

Publicado em 13 de janeiro de 2019 às 11:29

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(Arabson)

 

REPETIÇÃO DAS MESMAS SOLUÇÕES POR DÉCADAS

Fabrício Campos é advogado criminalista e mestre em Direito, Estado e Cidadania

Nada explica melhor a expressão “murro em ponta de faca” do que a tara dos governos que há décadas falam em ampliar presídios para gerir o número de presos. É claro que, até um certo limite, a superlotação, de fato, deve ser resolvida com a incorporação de mais espaços físicos, ainda mais em emergências. Entretanto, a repetição ao longo das décadas das mesmas soluções torna o que seria excepcional (mais presídios) num instrumento único de gerenciamento da população carcerária.

Os dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) mostram que nunca, desde 1990, tivemos redução do número de presos, hoje (com dados de 2016) na casa dos 720 mil. São 352 pessoas por 100 mil habitantes, posição bem inferior (segundo dados do Institute for Criminal Policy Research, da Universidade de Londres) aos Estados Unidos (655/100 mil) e à Russia (392), mas muito superior à declarada na China (118) e países com compromissos democráticos duvidosos como Arábia Saudita (197) e Venezuela (178). Também prendemos mais do que em países aos quais não se costuma atribuir falta de rigor das leis, como Israel (236), França (104) e Inglaterra (139). Os números relativos militam contra nossa enfadonha autoproclamação de país da impunidade e apontam para a conclusão de que, de fato, prendemos demais. Além disso, dessa gigantesca massa encarcerada, registra o DEPEN algo em torno de 40,2% de presos sem condenação definitiva. E como os dados do Departamento Penitenciário são de 2016, a cifra deve ter piorado, dada a orientação do STF autorizando o cumprimento da pena aos condenados em segundo grau, mesmo sem o trânsito em julgado.

Seguindo-se a lógica desses dados, construir mais penitenciárias só vai resolver o problema até precisarmos de mais penitenciárias, até o ponto em que os governos não vão mais construir nada: só cadeias.

Interromper esse círculo demanda, claro, políticas sociais de redução da criminalidade ainda na raiz. Porém, três medidas enxugariam o sistema a curto e médio prazo: aplicar com mais frequência as técnicas de redução de encarceramento que já existem na lei brasileira e que são formas de evitar a prisão preventiva e garantir por outros meios a segurança do processo; reverter a jurisprudência da execução da pena antes do trânsito em julgado, opção que está hoje nas mãos do STF e que agravará a carga no sistema prisional; e, finalmente, redimensionar nosso enorme acervo de leis penais, racionalizando a gravidade de alguns delitos, como o caso de crimes sem violência.

Enquanto não houver esforço (do Executivo, do Legislativo e do Judiciário) para se prender menos e melhor, a fatura do encarceramento continuará a ser paga com a construção contínua de presídios incômodos e caros.

DÉFICIT SÓ PODE SER RESOLVIDO COM AMPLIAÇÕES

Wilker Kaiser de Freitas é advogado, diretor do Sindaspes e da Federação dos Inspetores Penitenciários do Brasil

O encarceramento de infratores sempre permeou a sociedade, desde a antiguidade, e a sociedade moderna, apesar dos progressos em distintas áreas, ainda não encontrou a melhor solução para punir o indivíduo, que não seja recolhê-lo em prisões. O Espírito Santo, apesar do diminuto tamanho espacial e da população reduzida, possui um alto número de presos recolhidos nas 35 unidades prisionais, atualmente chega a 22. 541 detentos.

No primeiro governo de Paulo Hartung, o Estado contava com 10 mil presos e situação prisional caótica, sendo rotulada como as “masmorras de Hartung”. Foi nesse conturbado momento que a administração resolveu investir, e foram abertas vagas em unidades prisionais construídas com arquitetura moderna e equipadas com aparelhos de primeiro mundo.

No último governo de Paulo Hartung, o Estado já contava com 9 mil presos a mais, e até o final do seu mandato não houve aumento de vagas, com a área sem investimento. Foi nesse cenário que o atual governador do Estado, Renato Casagrande, assumiu.

Apreensivo com a superlotação dos presídios, que classificou como “bomba-relógio”, ele tem buscado alternativas para minimizar os problemas, porém, o déficit de vagas só pode ser resolvido com o aumento delas, por meio da construção de novas unidades prisionais. Ações paliativas, puxadinhos e gambiarras, em curto ou médio espaço de tempo, só maquiam o problema.

Há adiantado processo para construção de dois novos presídios. Essa é uma solução primária e urge envidar esforços para iniciar as obras. Mas além da necessidade de criação de vagas, há outras medidas a serem tomadas paralelamente, como investir na manutenção das penitenciárias já existentes. Há muitos anos não são feitos contratos com empresas, e os equipamentos têm se deteriorado. Do que adianta ter sensores e câmeras se elas não funcionam?

Ao lado disso, não adianta ter modernos equipamentos e não haver profissionais para operá-los. O quadro de inspetores penitenciários hoje é menor do que em 2010, sendo que nesse ínterim o número de presos aumentou exponencialmente, resultando numa carga de trabalho desumana sobre esses profissionais, que exercem a segunda mais estressante e perigosa profissão do mundo. Sem contar com a menor remuneração dentre os profissionais do país, mesmo sendo o sistema capixaba considerado modelo nacionalmente.

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Quem desarma diariamente essa “bomba-relógio" são esses profissionais, que nem sequer foram convidados para discutir o sistema penitenciário, por meio de seus representantes de classe, na comissão criada recentemente pelo governo (na qual participam, além do Executivo Estadual, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública e OAB). E ignorar o servidor, que tem maior expertise na área, não é o caminho, pois ele é justamente o conhecedor dos problemas e quem pode contribuir para soluções mais efetivas.

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