Política energética não é necessária atualmente
Nivalde de Castro é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico- Gesel
Luana Carolina Alves da Costa é pesquisadora da Gesel.
O horário de verão vem sendo adotado de forma ininterrupta desde 1984, tendo sua origem em 1931 no governo Vargas. O seu principal objetivo é aproveitar ao máximo a luz solar no verão, reduzindo assim a demanda de eletricidade. É uma medida simples e objetiva, que permite adiar por mais uma hora o consumo de energia elétrica, por exemplo, das lâmpadas das casas e da iluminação pública.
O adiamento e a consequente redução do consumo de energia elétrica têm um duplo efeito. Em primeiro possibilita uma muito pequena redução dos gastos dos consumidores. E o segundo é o mais importante, pois ocorre uma diminuição em nível nacional do consumo de energia elétrica justamente no horário em que o consumo é muito elevado. Neste período que vai, em média, das 18h às 20h, chamado horário de pico da demanda, o sistema elétrico tem que ter condições de atender à demanda, pois caso contrário haverá cortes de energia, apagões.
Com o horário de verão pode-se assim diminuir a necessidade de investimentos em novas usinas gerados e linhas de transmissão de energia elétrica para atender este período de horário crítico. Trata-se assim, de um instrumento de política energética adotado no Brasil quando a demanda e a capacidade de oferta da energia elétrica estão muito próximas.
O governo, através do Ministério de Minas e Energia (MME), acabou com o horário de verão baseado na análise de que a demanda e a oferta de energia elétrica não correm riscos de desequilíbrios.
Pelo lado da demanda, o consumo de energia vem crescendo bem abaixo do estimado, devido ao atual cenário da maior recessão da economia brasileira das últimas décadas. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) constatou que o consumo de eletricidade no Brasil entre 2013 e 2018 cresceu somente 1,1% ao ano, quando as projeções feitas em 2013 era de crescimento no entorno de 4,0%.
Pelo lado da oferta, ou seja, a capacidade de geração de energia elétrica vinculada ao somatório de todas as usinas hidroelétricas, termoelétricas, eólicas, biomassa, etc, tem crescido muito mais, em função da realização de leilões com regras e marco regulatório consistentes e seguros juridicamente. Os dados da agência regulado do setor ANEEL- indicam que de 2013 até 2017 a capacidade de geração de energia elétrica cresceu cerca de 6%, bem acima da demanda.
Nestes termos, e a título de conclusão, pode-se afirmar que o horário de verão não se faz necessário e presente atualmente, o que justifica tecnicamente a decisão do governo. E, merece ser destacado que nada impedirá, no caso da demanda de energia elétrica voltar a crescer com a tão esperada retomada do crescimento econômico, o MME voltar a adotar o horário de verão.
Toda economia obtida é bem-vinda
Ivo Leandro Dorileo é presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético (SBPE)
A questão do horário de verão merece uma avaliação distinta a respeito de sua efetividade no contexto atual. A medida foi criada para minimizar a demanda no horário de ponta (quando é muito mais alta que nos outros horários do dia). O setor elétrico passou por algumas mudanças que marcaram sua evolução histórica. Construímos um sistema hidrotérmico, com grandes reservatórios, por décadas, garantindo a singularidade da matriz elétrica, basicamente hidrelétrica. Esse modelo de geração constituiu o principal elemento que impulsionou as atuais políticas energéticas e de recursos hídricos a partir dos anos 80, quando se intensificaram as atenções em torno dos usos múltiplos das águas dos reservatórios.
Esse processo está em curso na busca de sua consolidação como instrumento de gestão, mas ainda com diversas imperfeições a serem devidamente corrigidas. Hoje, os dados concretos são o total esgotamento da capacidade reguladora plurianual, desde setembro de 2012, e a incorporação das usinas térmicas convencionais, pensadas como backup do sistema hidrelétrico, como energia de base a partir daquele marco temporal.
Como primeiro sinal, naquele ano, a energia armazenada nas regiões Sudeste e Centro-Oeste caiu 26,73% em relação a 2011 chegando a preocupantes 45,68% em novembro. O Sistema Interligado Nacional (SIN) reagiu e aumentou a geração térmica convencional, com custos elevados. O Operador Nacional do Sistema (ONS) passou a adotar postura reativa como padrão e o uso intensivo da geração térmica convencional passou a ser cada vez mais a tônica da resposta do sistema operacional, com pequenas variações e apelos às limitadas opções de transferências inter-regionais, pois as demais regiões também foram impactadas pelo regime hidrológico atípico, em particular a Região Nordeste. O regime hidrológico de 2013 piora e se agrava em 2014, reduzindo drasticamente o volume dos reservatórios nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, chegando à situação crítica dos dias atuais, com preços altos da energia e bandeiras tarifárias.
O problema envolve, portanto, toda a particularidade de nosso sistema elétrico, que, na sua essência, evidentemente, só existe para prestar serviço e dar resposta ao cidadão consumidor, que deseja e, por força de lei, deve usufruir de tarifas módicas, garantia de fornecimento e serviços de qualidade. Nesse aspecto, o horário de verão tem suas compensações positivas, como viabilizar o acúmulo de volume adicional de água nos reservatórios em vista da redução do consumo energético, moderar a necessidade de geração térmica para atendimento à ponta e manter a segurança operativa e ganhos referentes ao custo evitado para contornar riscos em equipamentos em regime normal de operação, além de aliviar troncos de transmissão, flexibilizar a manutenção e diminuir cortes de carga em emergência.
De acordo com os resultados do ONS, no ciclo 2017/2018 houve economia de 2.896 MW, com redução de 3,3% na demanda noturna no subsistema Sudeste e Centro-Oeste e de 3,43% no subsistema Sul, revelando efetividade do horário de verão. Com as necessárias revisões na metodologia, nos critérios para o SIN, na medida e seus efeitos, toda a economia obtida é bem-vinda, sem perder de vista o bem-estar do cidadão.
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