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Flamengo vai estrear na Libertadores sem público. Punição é justa?

Flamengo vai estrear na Libertadores sem público. Punição é justa?

Após selvageria de torcedores na final da Sul-Americana no Maracanã, no ano passado, clube foi punido pela Conmebol e estreia nesta quarta na Libertadores sem a participação da torcida. Especialistas debatem se punição é justa

Publicado em 6 de janeiro de 2018 às 23:39

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TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADES

Fabiano Mazzini, jornalista e professor universitário 

Não creio que a punição aos clubes seja medida justa para tratar da questão da violência produzida pelas torcidas, mesmo no caso das organizadas. Digo justa, e adiante explico o porquê do termo, considerando o fato de que este tipo de medida pode frustrar quem deseja um efetivo combate ao problema.

É preciso que nos lembremos que a violência que se quer reduzir tem inúmeras causas, manifestações e formas de abordagem. Portanto, sua complexidade não recomenda saídas fáceis, de efeito aparentemente imediato, e que apenas transferem responsabilidades diante do fracasso do Estado, e de amplos setores da sociedade, em produzirem um ambiente que leve a paz aos estádios.

A violência das torcidas de futebol no Brasil é um componente da nossa formação cultural, que precisa ser olhado, inclusive, a partir da constituição da identidade do homem americano em uma sociedade machista, patriarcal e que sinaliza o tempo todo ao adolescente que, para ser aceito em determinado grupo social, ele precisa assumir a postura do bravo guerreiro, destemido, que está pronto para os perrengues da vida adulta.

Nada contra o nosso jovem assumir compromissos, mas no caso das torcidas que produzem violência, o que se assume é, ao contrário, a tentativa de seus membros não terem sua conduta individualizada. E por quê isso? Talvez a resposta seja para fugirem de suas responsabilidades, incluindo as de âmbito criminal. É como se no grupo tudo fosse possível, nada fosse repreensível e, fora dele, há outros indivíduos, com outros afazeres, sujeitos sangue bom ou do bem, como se diz.

É uma pena que isso nada tenha a ver com as estratégias legítimas das torcidas dos clubes em reforçarem uma identidade de grupo, da forma saudável e empolgante com que entoam seus cantos e emprestam suas cores e coreografias ao espetáculo visual que o futebol proporciona.

Também não se pode fechar os olhos para inúmeras outras formas de promoção da violência em uma sociedade cada vez mais violenta e desigual: tem a violência da repressão, às vezes, gratuita da polícia e, não raro, despreparada e seletiva; a violência de um espetáculo inacessível aos mais pobres, que perderam lugar nas arenas modernas, afastados pelos preços exorbitantes dos ingressos; a violência do horário da partida, que termina no início da madrugada por causa da exigência da TV, o que leva torcedores de todas as idades a se aventurarem na insegurança das cidades grandes pelo simples prazer de torcer, para ficar em alguns exemplos.

Portanto, recuperando a expressão “justa” lá de cima, considero a punição aos clubes apenas um paliativo não adequado, não ajustado (no sentido de calibrado) para enfrentar a questão. E que pode, ao contrário, gerar injustiça para o próprio clube e à esmagadora maioria dos torcedores que fazem do cotidiano das arquibancadas um ato de amor ao time, não de violência. Não que o clube não tenha suas obrigações e, sim, ele as possui. A maior delas: não estimular e nem acobertar ato criminoso de seus torcedores, porque é de crime que estamos falando. Se o fizer, que responda da mesma forma, e na forma da lei.

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CLUBES NÃO SÃO ISENTOS

Wallace Valente, ex-árbitro de futebol e secretário de Esportes de Vitória 

Estamos vendo o esporte mais popular e querido do Brasil sendo prejudicado e tendo famílias e torcedores de bem afastados dos estádios de futebol. O motivo? A guerra entre as torcidas.

A briga entre torcidas nos estádios é histórica. Mas, com o passar dos anos e o crescimento das organizadas, bem como seu número de associados, a violência aumentou e, por consequência, a quantidade de torcedores mortos.

Quem não se recorda de um dos mais violentos casos que aconteceu em 20 de agosto de 1995, no jogo da final da Super Copa São Paulo de Juniores entre São Paulo e Palmeiras, onde as torcidas encenaram uma verdadeira guerra com mais de 100 feridos e um torcedor são paulino morto? Há estudos que comprovam que Brasil é o país onde mais morrem torcedores por conta dessas brigas.

Tantos anos se passaram e por que as brigas continuam? São muitos os culpados e os clubes não são isentos. Eles facilitam o acesso aos estádios nos jogos, vendendo ingressos subsidiados para torcidas organizadas. Esses grupos são na maioria das vezes liderados por conhecidos dos clubes e se reúnem para praticarem barbaridades e atos de violência. Tanto os clubes quanto esses grupos precisam entender que não vale tudo em nome de uma disputa, seja ela qual for.

Para tudo é necessário cumprimento de regras, sob pena de um esporte tão querido como o futebol, acabar virando campo de batalhas chegando ao cúmulo de tirar vidas, como temos visto tão frequentemente nos estádios. Diferentemente do que deveria ser, as pessoas são cada vez mais desestimuladas a irem ao estádio. Os verdadeiros torcedores querem que seu clube invista no

Time e na parte social e não mantendo certas relações com verdadeiras facções.

O esporte que ensina tanta coisa bacana não pode ser tratado assim sem que ninguém faça nada. Miremos no exemplo europeu que procura resolver de forma eficiente: punição aos clubes, treinamento específico para polícia, controle aos acessos pelas federações e o que é mais preciso: punição severa aos envolvidos e proibição dos brigões nos estádios.

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Chegou a hora de dar um basta. Essa briga entre torcidas virou uma triste característica do futebol brasileiro. Isso tem que mudar e a mão tem que pesar. Todos devem ser responsabilizados, inclusive com penas pesadas previstas nos regulamentos das competições. Doa a quem doer.

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