Fiscalização demanda conhecimento das regras
Renato Campestrini é gerente técnico do Observatório Nacional de Segurança Viária
O Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelece que a fiscalização é o ato de controlar o cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa de trânsito. Também o artigo 280 do mesmo ordenamento determina que, ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, ela deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
De acordo com a Portaria número 94/2017 do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), todo agente de trânsito deve passar por um treinamento para que a ação de fiscalização e consequentemente o auto de infração de trânsito venha a ser lavrado de acordo com premissas do CTB e Resoluções do Contran. O ato de classificar um comportamento como infração de trânsito demanda orientação, estudo, conhecimento pleno para que o ato seja perfeito. Vale destacar ainda que a fiscalização por sistema de videomonitoramento, muito criticada por suposta invasão de privacidade, por força de Resolução (471, alterada pela 532), deve ser informada através de placas na vias públicas.
Com a apresentação do PL 601/2019, recebemos a informação de que a população poderá registrar infrações de trânsito e enviá-las para os órgãos ou entidades executivos de trânsito. A ideia é que a população possa denunciar, tirando uma foto ou registrando em vídeo o veículo que está infringindo as leis de trânsito, uma alternativa para coibir e, se possível, colaborar com flagrantes. Com a devida vênia, somos contrários a proposta. Primeiro por conta do CTB não possuir previsão desse tipo de ação. A fiscalização, ainda que a título de colaboração, somente pode ser exercida aos agentes da autoridade de trânsito, devidamente capacitados.
Com a união de corpo próprio de agentes, Polícia Militar e guardas civis municipais, o número de profissionais aptos para exercer a fiscalização nas cidades certamente existe, isso sem contar a permissão para o uso das câmeras do videomonitoramento, que reforçam significativamente o alcance do órgão executivo de trânsito. Outro ponto a ser observado diz respeito a como as autuações são lavradas. Por questões de impossibilidade em razão do fluxo, ou mesmo para a segurança do agente da autoridade de trânsito, na maioria dos casos, elas ocorrem sem a abordagem. Apontar o celular para registrar uma infração torna alto o risco de confronto. Atualmente o poder público dispõe de canais hábeis para receber pedidos, reclamações, justamente para apurar fatos dessas e de outras naturezas do trânsito.
Propostas para tornar esse ato legal à luz do CTB já foram apresentadas mais de uma vez no Congresso Nacional e não foram aprovadas justamente pela necessidade de treinamento, de preparo daquele que irá imputar à alguém uma conduta como irregular. A despeito da louvável natureza da proposta, não será ela que irá contribuir para a redução das infrações e acidentes no trânsito do país, mas sim ações educativas.
Objetivo é ampliar o alcance fiscalizatório
Fabiano Contarato é delegado, professor, senador e autor do projeto
Todos os dias são flagradas infrações de trânsito sendo praticadas impunemente. Quantas vezes estamos transitando no sistema viário e presenciamos motoristas totalmente imprudentes? Ziguezagueando pela pista, avançando o sinal semafórico, estacionando em vagas reservadas, dirigindo e falando ao celular.
Pois é, se essas infrações não forem flagradas por agentes de trânsito, elas não possuem valor nenhum perante a lei. Atualmente, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997), é impossível utilizar como prova para a lavratura do auto de infração registros fotográficos ou vídeos feitos por qualquer cidadão que tenha presenciado infrações de trânsito.
A legislação de trânsito atual diverge da legislação penal, em que qualquer meio de prova é válido. Sendo assim, em um hipotético acidente de trânsito com vítima em que populares tenham registrado o fato por vídeos ou fotografias, embora tais arquivos possam instruir inquérito criminal eventualmente instaurado, de nenhuma serventia terá para a lavratura do auto de infração de trânsito. Pode-se o mais, mas não o menos.
A certeza da impunidade funciona também como um estímulo das práticas delituosas. É preciso modernizar a legislação de trânsito e adaptar-se às novas possibilidades de tecnologia para dar maior garantia de aplicabilidade da lei, com a fiscalização permanente, e reduzir os delitos de trânsito.
Uma experiência exitosa foi realizada nas últimas eleições com o aplicativo Pardal da Justiça Eleitoral, para que qualquer pessoa pudesse noticiar a prática de infrações eleitorais. A inovação possibilitou a atuação do Ministério Público Eleitoral de forma muito mais ampla e conferiu maior efetividade no combate à propaganda eleitoral irregular, compra de votos, uso da máquina pública para favorecimento de candidaturas, dentre outros ilícitos eleitorais.
Da mesma forma, é, sim, possível que qualquer cidadão que tome conhecimento da prática de crime de trânsito possa levar ao conhecimento da autoridade policial a notícia do fato, sendo assegurado o direito à contraprova. Esse é o tema do Projeto de Lei (PL 601/2019) que apresentei na primeira semana de trabalho no Senado Federal. Atende às novas possibilidades de tecnologia e permite à sociedade o exercício dos direitos pertinentes à cidadania.
Essa proposta visa permitir que todo cidadão atue como um agente não somente passivo, mas, também, ativo na construção de um trânsito ordeiro, pacífico e seguro.
Vale destacar que o objetivo não é o de transferir a obrigação de fiscalização do Estado para os cidadãos, mas ampliar o alcance fiscalizatório e dar efetividade à legislação. Não tenho dúvida de que quem vai ganhar com isso é a população.
A segurança do sistema viário é um direito de todos e a preservação da vida humana é o principal bem jurídico a ser defendido.
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