Mais cultura e cidadania para mais brasileiros
José Paulo Soares Martins é secretário de Fomento e Incentivo à Cultura da Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania
A cultura brasileira é um dos maiores instrumentos de desenvolvimento social e econômico do país. Atendendo à necessidade de evolução para um melhor atendimento dos anseios da sociedade, mudamos as regras da Lei Federal de Incentivo à Cultura, por meio da edição de uma nova Instrução Normativa. As melhorias visam a tornar a legislação mais inclusiva, mais democrática e mais cidadã.
Com a nova Instrução Normativa, demos um importante passo rumo a uma legislação que visa a ampliar o acesso aos recursos da cultura, tanto para produtores quanto para o público, em especial para as famílias inscritas no Cadastro Único do governo federal. Milhões de brasileiros poderão ter acesso à nossa vasta produção cultural de maneira gratuita e mais artistas poderão ter seus projetos financiados por recursos de renúncia fiscal.
Também estamos promovendo a descentralização dos projetos culturais para fora do eixo Rio-São Paulo. Empresas que apresentarem propostas para serem executadas em locais do país com histórico de poucos projetos culturais poderão dobrar a quantidade de projetos na sua carteira. No Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as empresas podem aumentar em 100%. Na Região Sul e em Minas Gerais e no Espírito Santo, em 50%.
Muito se fala do teto de R$ 1 milhão para captação de recursos. As regras da nova IN, no entanto, apresentam perfis de projetos que não terão limite de captação. Outros terão o teto estendido para R$ 6 milhões. Vale ressaltar que 80% dos projetos beneficiados pela Lei Federal de Incentivo à Cultura não passam de R$ 1 milhão.
Fazem parte do grupo sem teto planos anuais e plurianuais de atividades de entidades sem fins lucrativos; projetos de conservação e restauração de imóveis, monumentos, sítios, espaços e demais objetos, inclusive naturais, tombados por qualquer esfera de Poder; projetos de preservação de acervos, de exposições organizadas com acervos museológicos de reconhecido valor cultural e de construção e implantação de equipamentos culturais. Está incluída ainda como exceção a construção de salas de cinema e teatro em municípios com menos de 100 mil habitantes.
Estão no grupo de projetos com teto de R$ 6 milhões: os que promovam datas comemorativas nacionais, com calendários específicos (Natal, réveillon, carnaval, Paixão de Cristo, festas juninas). Além disso, estão dentro dessas exceções concertos sinfônicos, óperas, desfiles festivos, exposições de artes visuais e eventos literários. Também estão nesse grupo projetos que promovam a inclusão de pessoas com deficiência.
Ao adotar essas medidas, o governo federal reforça a premissa de que a arte é de todos. Por isso, buscamos maior democratização do acesso e a desconcentração de recursos. A cultura não deve ser produzida para apenas parte da população ou somente para determinadas regiões do país. Estamos, agora, cumprindo o que a Constituição estabelece, em seu Artigo 215: O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Reforma não atende novos artistas e periferia
Cida Falabella é atriz, diretora teatral, política e mestre em Artes pela UFMG
Em contradição à pulsão cultural das quebradas brasileiras, projetos e iniciativas de moradores das periferias e das culturas populares, historicamente, não conseguem ter acesso aos meios de fomento à cultura. Uma realidade que em nada se altera com as medidas recentemente apresentadas pelo governo federal. A reforma da Lei Rouanet proposta por Bolsonaro, embora envelopada no discurso da democratização dos recursos públicos, segue a lógica da exclusão e reproduz um erro histórico: centra-se no mecanismo de incentivo fiscal em que impera a lógica das leis de mercado.
> Mudanças na Lei Rouanet afetam produtores e artistas locais
Embora diga privilegiar artistas em início de carreira ou regiões carentes de investimentos culturais, a reforma de Bolsonaro é mais uma fake news do presidente. Esperada há anos, a proposta não muda o que precisava de mudança e não corrige as reais limitações da Rouanet.
Hoje, por meio da lei, apenas 20% dos projetos aprovados conseguem efetivamente captar patrocínio no mercado para sua realização. Entre os que conseguem, quase 80% dos recursos ficam concentrados na Região Sudeste, com predominância para o eixo Rio-São Paulo.
O grande desvio da Rouanet é que uma de suas modalidades, o mecenato praticado via renúncia fiscal, representa cerca de 80% dos recursos públicos destinados para o financiamento e o apoio à cultura. Dessa forma, ao focar uma política de Estado no mecanismo em que as empresas podem abater de seus impostos a porcentagem relativa ao patrocínio a projetos culturais, o Estado transfere suas obrigações para as mãos dos departamentos de marketing.
As medidas de Bolsonaro não promovem a descentralização de recursos, para novos proponentes ou para novas regiões, uma vez que as empresas patrocinadoras estão concentradas no eixo Rio-São Paulo. Guiadas pela lógica do marketing, optam por investir nos grandes centros, áreas de maior visibilidade comercial.
Vazia de propostas, a Reforma de Bolsonaro, na verdade, serve a uma disputa ideológica e eleitoreira, assentada na criminalização de artistas e fazedores de cultura do país. Caso tivesse real interesse na democratização da cultura no país, estaria olhando para iniciativas capazes de valorizar territórios e ações que não são abraçados pelo mercado, como o Projeto de Lei ProCultura, marco regulatório criado em substituição à Lei Rouanet, e a Política Nacional Cultura Viva, que já teve grande dimensão nacional desde sua implementação em 2004.
São instrumentos vocacionados a promover a melhor distribuição dos recursos públicos, reconhecendo a cultura que já existe e acontece, tanto pela tradição quanto pela invenção. Grupos de teatro, de dança, o circo, artistas urbanos, manifestações ligadas aos povos indígenas, aos quilombolas, que acontecem nas quebradas, nos rincões, nas aldeias. De base comunitária, coletiva, e popular, não dependem do Estado para existir, mas não podem prescindir de políticas culturais para sua continuidade.
O que a reforma da Lei Rouanet faz é mais um desvio que escamoteia a incapacidade e a falta de preocupação do governo Bolsonaro em construir políticas reais e estruturantes de inclusão e democratização.
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