Senado deve aprovar o fim da "saidinha" de presos?

Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que acaba com o benefício, a ser apreciado pelos senadores. Convidamos um advogado criminalista e um juiz para debater o tema

Publicado em 21/08/2022 às 02h00
Entrada do presídio de Viana, no Espírito Santo
Entrada do presídio de Viana, no Espírito Santo . Crédito: Reprodução/TV Gazeta

Saída temporária: o retrocesso do Projeto de Lei nº 6.579/13

Raphael Boldt é advogado criminalista, pós-doutor em Criminologia (Universität Hamburg) e professor da FDV

Projeto de Lei nº 6.579/13 pretende restringir ainda mais a saída temporária das pessoas presas em regime semiaberto. De acordo com a proposta, a pessoa presa só poderá usufruir da saída temporária uma única vez ao ano, por prazo não superior a sete dias.

Atualmente, conforme a Lei de Execução Penal, a saída temporária pode ser concedida até cinco vezes ao ano para que a pessoa visite a família, estude ou desenvolva alguma atividade que contribua para o retorno ao convívio social. É um importante instrumento para reconstruir os laços sociais e afetivos que foram rompidos e aniquilados pelo aprisionamento.

Por isso, o projeto é um retrocesso cruel. Permitir que a pessoa saia da prisão, vivencie o afeto familiar e volte a desenvolver relações sociais não é mero ato de benevolência com criminosos, mas um método para evitar que o indivíduo volte a delinquir quando retornar à sociedade.

Há muitos mitos relacionados à saída temporária que precisam ser revistos. Primeiro, ela não aumenta o número de ocorrências criminais. Não há dados que comprovem isso. Segundo, as estatísticas indicam que, em sua grande maioria, as pessoas que saem temporariamente voltam para as unidades prisionais. Em São Paulo, nos últimos 10 anos, mais de 94% das pessoas regressaram para as prisões. Entre 2020 e 2021, quase 95% das pessoas retornaram para o cárcere. De acordo com dados do Infopen de 2019, apenas 0,99% dos presos não retornam às suas unidades prisionais pelas saídas temporárias, transferência de presídio ou por outras razões.

Além disso, a concessão da saída temporária possui requisitos que sempre devem ser observados. Para que uma pessoa saia temporariamente, ela precisa estar no regime semiaberto, cumprir 1/6 (no caso de réu primário) ou 1/4 (no caso de reincidente) da pena e apresentar um histórico de bom comportamento dentro da unidade prisional.

Infelizmente, o projeto de lei está repleto de narrativas eleitoreiras e populistas, sem amparo em dados estatísticos. Com apelo unicamente eleitoral, os políticos se utilizam de casos excepcionais marcados pelo sensacionalismo para justificar a restrição da liberdade de todos os presos. Embora a saída temporária favoreça a reinserção social do apenado, ignora-se o fato de que o problema da criminalidade não será resolvido com mais penas e menos direitos, mas com a universalização de políticas públicas destinadas a promover o desenvolvimento econômico e social.

Acabar com as saidinhas não é retrocesso, mas uma adequação à realidade da violência

Carlos Eduardo Ribeiro Lemos é juiz de Direito e professor da FDV

Estou cansado de ver temas sendo discutidos por um viés ideológico, sem pensar nos resultados para a sociedade. Lutei muito pela dignidade dentro das prisões capixabas, mas verdades precisam ser ditas. Filosoficamente, a progressão do fechado ao semiaberto e para o aberto se justifica como um caminho para restaurar a capacidade de convivência social harmônica do preso.

A saidinha é mais um benefício no regime semiaberto, quando na verdade todo o sistema é falido, fantasioso e precisa acabar, e isso ninguém fala, pois parece politicamente incorreto.

Muitos Estados não têm presídios para semiaberto, e mandam os sentenciados para suas casas sem qualquer tipo de controle e, assim, eles continuam praticando crimes.

Frise-se, este é regime inicial inclusive em crimes como o roubo. E, ainda, nenhum Estado tem local de cumprimento do regime aberto, ou seja, mais de 80% das penas iniciais fechadas são cumpridas soltinhas, o que representa impunidade, e já não colabora para a ressocialização e a diminuição da violência e criminalidade.

O Brasil é o país hoje mais violento, matando mais do que toda a Europa. Matamos, em alguns fins de semana, mais do que a soma de todos os massacres dos EUA, e nossos criminosos cumprem as menores penas do mundo.

A pena deve ter caráter dissuasório, punitivo, educativo, mas vejo um caso de cegueira ideológica. Acabar com a saidinha é ruim? Não está funcionando.

Dei plantão sábado passado, e a maioria dos presos em flagrante já “cumprem penas” no aberto ou estavam de saidinha. Vamos continuar fechando os olhos para isso? Por que insistem nesse discurso vitimizador do criminoso?

Isso vem sendo feito há décadas ao custo de mais de 60 mil vidas por ano. Se estamos no caos hoje foi por permitir que esse pensamento fosse doutrinado por décadas, e vejo “especialistas” que continuam assim, vitimizando o criminoso.

Eu sofro com a desgraça dos réus, mas não posso esquecer a desgraça das vítimas. É certo que na maioria dos Estados o semiaberto e o aberto são ficções, é preciso destacar que o direito não cria realidade, ele regula realidade.

Lembremos: as leis e o direito são sistema e ciência “da realidade”. Especialmente nas circunstâncias de violência atual. Todo jurista deveria ser cético, não sonhador. Direito não é ficção, é respeito e defesa de todos, não ditadura de defesa somente de criminosos. Por isso aplaudo o fim das saídas temporárias. Mais importante do que gritar contra isso, é gritar por mudanças profundas no falido sistema progressivo.

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