O empresário e ex-deputado estadual Tony Garcia pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação de todos os atos praticados pelo hoje senador Sergio Moro (União Brasil) na condução dos processos penais em que foi réu. Ele acusa o ex-juiz federal de ter lhe usado para investigar juízes, desembargadores e ministros em questões que não tinham relação com o seu processo. Moro nega.
No começo dos anos 2000, o ex-deputado foi acusado de fazer parte de um esquema de fraude do Consórcio Garibaldi. Em dezembro de 2004, ele fez um acordo de colaboração premiada homologado por Moro. Anexo ao documento, há uma lista com 30 casos sobre os quais ele deveria trazer informações relevantes para obter os benefícios do acordo.
Nessa lista, só o primeiro item trata do Consórcio Garibaldi. Nos demais, há vários casos de supostas compras de liminares e beneficiamento indevido em processos.
Garcia deveria colher provas em casos em que estariam envolvidos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), um corregedor da Polícia Federal (PF), um juiz eleitoral, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná e um presidente do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).
Além desse ponto, Garcia também acusa o ex-magistrado de ter agido como "juiz, acusador e vítima" no caso de uma escuta telefônica que teria sido instalada por um advogado no telefone de Moro. O assunto chegou a se tornar uma ação criminal depois — na qual Moro era a vítima e Garcia a testemunha.
"Tony Garcia foi o laboratório daquilo que o então juiz Sergio Moro posteriormente colocou em prática na Operação Lava Jato", diz a petição apresentada ao Supremo.
O caso foi revelado pelo portal G1 e confirmado pelo Estadão, que teve acesso aos documentos que Garcia apresentou ao STF. O caso dele está com o ministro Dias Toffoli, que também analisa a suspeição de Moro no caso do advogado Rodrigo Tacla Duran, acusado de ser operador de propinas da Odebrecht.
Antônio Celso Garcia, conhecido como Tony Garcia, foi deputado estadual no Paraná de 1999 a 2002. Em 2018, ele fez outra delação que levou o ex-governador do Estado Beto Richa (PSDB) à prisão. O tucano foi preso pela Operação Lava Jato. Os dois eram amigos íntimos.
Nas redes sociais, Garcia diz que foi "refém" da Justiça. "Eu fui refém dessa 'República de Curitiba' por 19 anos. Fui refém da Gestapo (polícia do nazismo alemão) de que o Moro era o chefe. Me fizeram cometer vários crimes em nome da Justiça", disse o ex-deputado. Ele afirma que só agora decidiu revelar o caso, porque está comprometido com a "causa de passar a Lava Jato a limpo".
Procurado pelo Estadão, Sergio Moro afirmou que "Tony Garcia é um criminoso que foi condenado, com trânsito em julgado, por fraude e apropriação indébita".
"Em 2004, fez acordo de colaboração que envolveu a devolução de valores roubados do Consórcio Garibaldi e a utilização de escutas ambientais autorizadas judicialmente e com acompanhamento da Polícia Federal e do MPF. Essas diligências foram realizadas por volta de 2004 e 2005, e todas foram documentadas. Não incluem qualquer gravação de autoridade com foro privilegiado, nem têm qualquer relação com as investigações do Mensalão ou Petrolão. Aliás, a farsa afirmada por Tony Garcia é facilmente desmascarada por ele não ter qualquer gravação de magistrados do TRF4, STJ ou STF", diz a nota.
De acordo com o pedido que Garcia fez ao STF, Moro teria alinhado e, depois, homologado as condições de um acordo de delação que exigia do empresário levantar provas de vários casos que envolviam supostas condutas ilícitas de membros do Poder Judiciário.
No acordo, ao qual o Estadão teve acesso, os casos estão enumerados um a um, com a suspeita, os envolvidos e o que Garcia deveria fazer. Um dos casos diz que um ex-presidente do TJ-PR e um advogado teriam cobrado R$ 65 mil para admitir um recurso especial. O empresário teria que apresentar documentos comprobatórios a Moro.
Há três casos envolvendo ministros do STJ. Dois são de supostas compras de liminares — por R$ 600 mil e R$ 115 mil, valores de 2004 — e um é de averiguação da influência do ex-advogado de Garcia, Roberto Bertholdo, na indicação de um ministro.
O caso do grampo telefônico, do qual Moro teria sido vítima, envolve o advogado. No acordo, consta que Garcia recebeu Bertholdo de madrugada em casa. O advogado teria lhe dito que ouviu, através de uma escuta telefônica, Moro falar que o ex-deputado seria preso e foi alertar o cliente. Garcia revelou o suposto grampo às autoridades.
Em vários desses casos consta uma autorização para que o delator usasse grampos telefônicos para obter as provas. "O beneficiário poderá testemunhar, fornecer as provas documentais, inclusive com escutas externas", conforme vários dos 30 itens do acordo de delação de 2004.
Na última sexta-feira (22), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu uma investigação contra Moro e outros magistrados da Lava Jato a partir de um relatório de correição feito na 13ª Vara Federal de Curitiba e nos gabinetes da 8ª Turma do TRF-4. A auditoria apontou "uma gestão caótica no controle de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência".
No despacho que instaura a reclamação disciplinar contra o ex-juiz federal, o corregedor Luís Felipe Salomão afirma que pesam contra Moro "indícios de atuação na magistratura com fins político-partidários".
O CNJ tem competência para aplicar sanções administrativas contra magistrados. Moro não faz mais parte da categoria, porque se desligou da magistratura para ingressar na política. No entanto, o despacho de Salomão aponta para a existência de procedimentos administrativos contra o ex-juiz federal quando ele deixou a carreira.
"A jurisprudência do CNJ busca impedir que magistrados deixem a carreira para se livrar de eventuais punições administrativa e disciplinares. À época do pedido de sua exoneração, Moro respondia a cerca de 20 procedimentos administrativos no CNJ", diz a decisão.
O apontamento pode levar o senador ao mesmo destino de Deltan Dallagnol, ex-procurador da Lava Jato que perdeu a cadeira como deputado federal. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o mandato dele por entender que os procedimentos administrativos no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) foram "burlados" pela saída de Dallagnol da carreira.
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