A Justiça de Goiás rejeitou nesta quinta-feira (8) a denúncia por crime de constrangimento ilegal feita contra um policial militar pela abordagem do ciclista e youtuber Filipe Ferreira, 28. O juiz considerou que o jovem negro resistiu às ordens dos agentes. O Ministério Público vai recorrer da decisão.
No dia 28 de maio, enquanto gravava um dos seus vídeos, o youtuber foi abordado pelo cabo Gustavo Brandão da Silva e pelo soldado Fábio Ramos de Moura na orla do Lago Jacob, na Cidade Ocidental, um município de Goiás, a 50 km de Brasília.
Os dois PMs saíram da viatura e, com a arma em punho, foram em direção a ele, em sua bicicleta. Um deles grita: "Desce da bike aí".
Questionando o motivo da abordagem, já que estava apenas treinando, um dos policiais respondeu que era porque estava mandando. "Oxe, não é assim não", disse Ferreira, enquanto descia da bicicleta.
Foi o estopim para que outro policial começasse a gritar, mandando ele colocar a mão na cabeça –sempre apontando a arma. Ferreira afirma que está gravando e pergunta qual o motivo da ação. Ele também pede insistentemente que o policial abaixe a arma.
"Eu sou trabalhador, filho. Por que você faz isso comigo? Como se fosse um vagabundo? Eu não sou vagabundo, não. Olha como você tá apontando para mim", disse o youtuber.
"Esse é o procedimento! Coloca a mão na cabeça!", responde gritando o PM. "Isso aqui é uma abordagem, se você não obedecer, você vai preso. Eu tô te dando uma ordem legal."
Ferreira tira a camisa para mostrar que não estava armado, mas ao virar de costas é algemado. Quando pergunta o motivo de ser algemado, ouve a ameaça: "Resiste aí para você ver o que vai acontecer contigo".
A ação foi filmada pelo próprio youtuber e o vídeo termina após o agente pegar o celular do jovem. As imagens, no entanto, viralizaram nas redes sociais e o caso foi apontado como de racismo e violência policial.
Cerca de um mês após a abordagem, Ferreira denunciou nas redes sociais que estava sendo perseguido por PMs na cidade.
No fim de junho, ele publicou um novo vídeo, questionando outra vez o comportamento dos agentes. Na gravação, um policial sai de uma viatura e avisa: "Pode parar aí". O PM também grava o jovem e pergunta: "A viatura passou, deu 'tchauzinho', mas qual foi a ameaça que foi feita?".
Na postagem, o youtuber escreveu: "Estou sendo perseguido. Onde vou é assim, polícia me olhando e dando tchau, disparando sirene, sempre me intimidando".
O Ministério Público então ofereceu uma denúncia contra o cabo Gustavo Brandão da Silva, que estava na abordagem no fim de maio, pelo crime militar de constrangimento ilegal. A promotoria considera que não há motivo para denunciar o soldado Fábio Ramos de Moura.
Segundo o MP, a ação policial se deu "sem que houvesse qualquer notícia pretérita de crime ou mesmo fundada suspeita de cometimento de crime".
Para o juiz Gustavo Assis Garcia, da Vara da Auditoria Militar, no entanto, a expressão de "fundada suspeita" é subjetiva.
Na decisão, ele levou em consideração o argumento dos policiais, de que Ferreira era suspeito por estar de bicicleta, em um local comumente frequentado por traficantes e usuários de drogas, e teria tido uma "atitude antecedente" de levar a mão à boca.
Na visão do magistrado, Ferreira resistiu à abordagem e "seria o caos total" se todos os abordados questionassem a ordem policial.
"Somente após o não atendimento da ordem pelo abordado –configurando resistência deste– foi que o investigado, mantendo a visualização e insistindo na verbalização a todo momento, reavalia o uso seletivo da força e lança mão de outros meios menos letais (colocação de armamento em posição pronto)", escreveu Garcia.
O juiz também não viu ilegalidade dos agentes ao algemar Ferreira.
"O policial militar não dispõe de bola de cristal. A sua expertise, o conhecimento da localidade e da comunidade em que atua e o instinto policial exercem influência na decisão de abordar ou não uma pessoa. E cumpre ao abordado obedecer, já que a ordem é lícita, decorrente do poder de polícia do Estado. Essa postura dos milhares de policiais militares goianos é que mantém os cidadãos seguros", escreveu.
O Ministério Público afirmou em nota que irá recorrer da decisão.
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