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Privatização de praias: entenda o impacto da PEC no litoral brasileiro

Privatização de praias: entenda o impacto da PEC no litoral brasileiro

O debate ultrapassou os limites do Congresso e se intensificou com o bate-boca virtual entre a atriz Luana Piovani e o jogador Neymar – que anunciou recentemente parceria com uma construtora para empreendimentos na beira do mar

Publicado em 1 de junho de 2024 às 16:29

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BRASÍLIA - O Senado Federal retomou na última semana de maio as discussões em torno da polêmica PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que transfere terrenos de marinha em áreas urbanas da União para estados e municípios ou para proprietários privados.

O debate ultrapassou os limites do Congresso Nacional e da Esplanada dos Ministérios e se intensificou com o bate-boca virtual entre a atriz Luana Piovani e o jogador Neymar – que anunciou recentemente parceria com uma construtora para empreendimentos na beira do mar.

Após dez meses parada, a PEC voltou a ser discutida no Senado, com uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça. O pedido de realização dessa sessão, ainda em agosto do ano passado, já havia sido uma manobra do governo para buscar que a proposta fosse votada na comissão.

O requerimento havia sido apresentado pelo senador governista Rogério Carvalho (PT-SE). Naquela mesma sessão, o presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) afirmou que muitos senadores estavam "cobrando a deliberação dessa matéria".

A proposta, conhecida pelo nome de PEC da privatização das praias, foi aprovada pela Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022. O seu principal ponto é a mudança nas regras referentes aos terrenos de marinha, permitindo a passagem de algumas dessas propriedades da União para estados, municípios e para entes privados.

O município de Vitória concentra o maior volume de imóveis em terreno de Marinha
O município de Vitória concentra o maior volume de imóveis em terreno de Marinha. (Marcelo Prest/Arquivo AG)

O relator da proposta na comissão, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que deu um parecer favorável à proposta e apontou que ela dará mais segurança jurídica aos atuais ocupantes dessas áreas, vai aumentar a arrecadação e atender necessidades de municípios com grandes áreas litorâneas.

Por outro lado, ambientalistas apontam riscos para a diversidade ecológica, com a transferência dessas áreas. O governo federal ainda aponta que a demarcação e administração desses terrenos são fundamentais para garantir a gestão adequada dos bens da União.

E, no meio da discussão, ainda surgiram versões de que praias poderiam ser privatizadas e que a PEC pode regularizar grandes conglomerados urbanos, como o Complexo da Maré, no Rio.

Entenda os principais ponto da PEC, que se tornou alvo de grande disputa entre ambientalistas e o mercado imobiliário e prefeituras de cidades banhadas por rios, mares ou lagoas.

O que são os terrenos de marinha e qual a situação atual?

Os terrenos de marinha são áreas à beira-mar, ocupando uma faixa de 33 metros ao longo da costa marítima e das margens de rios e lagos que sofrem a influência das marés. Elas foram medidas a partir da posição da maré cheia do ano de 1831. Ou seja, são áreas que ficam atrás da faixa de areia, não abrangendo portanto a praia e o mar —onde há residências, hotéis e bares.

Pela legislação atual, essas áreas pertencem à União. A ocupação por particulares, comércio ou indústrias é feita mediante o pagamento de uma retribuição, que depende do regime, e o responsável deve recolher anualmente o foro ou a taxa de ocupação.

O que mudaria, se a PEC em discussão fosse aprovada?

O texto da PEC prevê que seguirão propriedade da União as áreas afetadas ao serviço público federal, inclusive aquelas que são destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos, como os portos, as unidades ambientais federais e as áreas ainda não ocupadas.

As demais passariam ao domínio pleno de estados e municípios que as estejam usando para os seus serviços públicos, incluindo por meio de concessionárias e permissionárias. Proprietários e ocupantes de imóveis inscritos junto ao órgão de gestão do patrimônio da União ou não inscritos, mas que tenham ocupado o local pelo menos cinco anos antes da publicação da emenda constitucional, também são abrangidos pelo texto.

Ficaria proibida a cobrança de foro ou de taxa de ocupação dessas áreas, a partir da data de publicação desta emenda constitucional.

Como seria essa transferência? Os donos de imóveis precisariam pagar?

A PEC prevê que a transferência seria gratuita no caso de áreas ocupadas por habitação de interesse social. As demais se dariam por processos onerosos, o que significa que seus ocupantes deverão comprar os terrenos.

As praias seriam privatizadas?

O relator Flávio Bolsonaro apontou que isso é uma "fake news" da esquerda. De fato, o texto aborda apenas as questões dos terrenos de marinha, portanto as praias não seriam privatizadas e poderiam ser frequentadas, sem o pagamento por seus usuários. No entanto, especialistas apontam que haverá a possibilidade de que empreendimentos, como resorts, controlem os acessos às áreas.

Durante a audiência, Carolina Gabas Stuchi, secretária-adjunta da Secretaria de Gestão do Patrimônio da União afirmou que o modelo atual cumpre "um papel bastante importante para a preservação do caráter público das praias brasileiras" e disse que a PEC " favorece a privatização e cercamento das praias"

De quantos imóveis estamos falando? Por que o governo considera que haveria um "caos administrativo" com a PEC?

O governo não tem ainda conhecimento de todos os imóveis que são ocupadas nos terrenos de marinha. A Secretaria do Patrimônio da União tem cadastrado em seus sistemas cerca de 565 mil imóveis. No entanto, dados do último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam um cenário diferente, com milhões de imóveis ainda desconhecidos.

"Então, ainda que a PEC fosse aprovada hoje, a gente teria um caos administrativo, um caos na gestão disso, porque teríamos que achar e cadastrar todos os ocupantes desses quase 3 milhões de imóveis que ainda não conhecemos", afirmou Carolina Gabas Stuchi.

Qual o valor desses terrenos e o impacto na arrecadação federal?

O governo afirma que esses imóveis constituem uma reserva estratégicas de recursos, que podem provocar uma perda de R$ 500 bilhões no Balanço Geral da União. Em termos orçamentários, a perda seria de R$ 2,5 bilhões anuais.

Há risco de danos ambientais?

Ambientalistas e integrantes do governo apontam que muitas dessas áreas constituem uma faixa de segurança, incluindo para evitar cheias, além de muitas áreas se referirem a alguns ecossistemas importantes para a sociedade.

"Acabar com a instituição dos terrenos de marinha, da faixa de segurança e, principalmente, ocupar essas áreas é perder ecossistemas e serviços ecossistêmicos, perder qualidade de vida e bem-estar humano nas cidades costeiras, um bônus para pouquíssimos e um ônus para toda a sociedade brasileira muito alto", afirma Marinez Eymael Garcia Scherer, coordenadora-geral do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

Quais os principais argumentos em favor da PEC?

O relator, senador Flávio Bolsonaro, aponta que o principal benefício da PEC é a segurança jurídica para quem atualmente ocupa esses terrenos. Além disso, cita a geração de empregos e potencial de aumento da arrecadação, com eventuais empreendimentos turísticos.

"Pelo menos do meu ponto de vista, [a PEC] interessa aos moradores, às quase 8,3 mil unidades do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, que estão em terreno da União, e do qual nós estamos tentando, há muito tempo, entregar para eles o título de propriedade, para eles serem os donos das casas deles. Interessa também aos quilombolas da Restinga da Marambaia, que estão em terrenos da União, cujo título definitivo de propriedade uma mãe não pode deixar para o seu filho quilombola", afirma.

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