Laudo da Polícia Federal reforçou os argumentos do Ministério Público Federal contra o inquérito aberto pelo presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Humberto Martins, para investigar integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato.
Com base na conclusão policial, a Procuradoria afirmou ser tecnicamente impossível atestar a integridade e a autenticidade das mensagens apreendidas com os responsáveis pelo ataque hacker contra procuradores da República e outras autoridades -e, portanto, inviável seu uso como prova, como defende Martins.
O posicionamento do Ministério Público Federal foi enviado nesta segunda-feira (12) à ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), relatora de recursos em que a legalidade da investigação do STJ é debatida.
No mês passado, atendendo a um pedido do ex-Lava Jato Diogo Castor de Matos, a ministra suspendeu o inquérito. A decisão está pendente de análise pela Primeira Turma da corte. Não há data prevista para o julgamento.
A liminar concedida por Rosa e a perícia da PF, segundo a avaliação de procuradores, reduziram as chances de o inquérito de Martins ir adiante, embora ele tenha recebido sinalizações favoráveis de ministros do Supremo críticos da Lava Jato.
A apuração do STJ foi aberta em fevereiro pelo presidente do tribunal sob a justificativa de esclarecer se integrantes da Lava Jato tentaram investigar, ilegalmente, ministros da corte superior.
A hipótese foi levantada a partir de reportagens sobre o conteúdo das mensagens trocadas entre representantes da Procuradoria vazadas no ataque hacker em 2019.
O procurador Deltan Dallagnol, ex-coordenador da força-tarefa de Curitiba, também é um dos citados no inquérito do STJ.
Os peritos da PF apontaram dois caminhos possíveis para atestar a autenticidade e integridade das mensagens apreendidas em poder dos hackers.
Ou acessar os bancos de dados dos servidores centrais da empresa russa responsável pelo Telegram, aplicativo de onde vazaram as mensagens, ou o conteúdo armazenado nos dispositivos utilizados pelas vítimas dos hackers.
Na manifestação ao STF, o sub-procurador-geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá afirmou que as soluções teóricas "são materialmente inviáveis".
"Não há como acessar os servidores centrais do aplicativo russo Telegram", disse. "Não é um caminho faticamente viável nos dias atuais."
Quanto ao outro caminho, disse Sá, "as vítimas dos hackers, por questão de segurança e seguindo orientação institucional, apagaram os conteúdos então armazenados".
"Não há laudo pericial atestando a integridade e a cadeia de custódia do material que serviu de base para a instauração e desenvolvimento do inquérito [do STJ]", disse o representante do Ministério Público, "razão pela qual [o material] não pode ser considerado prova".
Para instaurar o inquérito, Humberto Martins se baseou no regimento interno do tribunal, segundo o qual é atribuição do presidente zelar pelas prerrogativas da corte.
Com o objetivo de garantir o cumprimento dessa autodefesa institucional, o artigo 58 da mesma norma prevê a possibilidade de instauração de inquérito.
A redação desse artigo 58 é similar a trecho do regimento interno do STF, lastro da abertura do inquérito das fake news --resposta aos ataques que ministros do Supremo sofreram de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
Martins defendeu o uso das mensagens da Vaza Jato, como ficou conhecido o ataque hacker e a divulgação do conteúdo das mensagens na imprensa. Alegou que não há declaração por parte do Supremo de que as provas sejam ilícitas.
Nos últimos meses, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, autorizou à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acesso às mensagens vazadas. O material está anexado à ação penal da Operação Spoofing, que prendeu os hackers, que tramita na Justiça Federal em Brasília.
O material tem sido explorado pelo petista para reforçar argumentos de quebra de imparcialidade pelo ex-juiz Sergio Moro.
Ao enviar ao Ministério Público Federal informações sobre o laudo pericial, o delegado Felipe Alcantara de Barros, do setor da PF encarregado dos inquéritos do STF e do STJ, afirmou que se trata de abuso de autoridade a utilização de provas ilícitas em investigações.
"Eventual ação de obtenção de novos elementos e padrões, por meio de investigação lastreada por provas com prévio conhecimento de sua ilicitude, configura crime de abuso de autoridade", afirmou.
De acordo com o policial, a autenticidade e a integridade das mensagens não são presumíveis. "Notadamente quando se reúnem indícios de que o invasor agiu com o dolo específico não apenas de obter como também de adulterar os dados", disse.
Procurado pela reportagem, o presidente STJ afirmou, por meio da Secretaria de Comunicação Social, que o caso é sigiloso e que foi "suspensa a investigação por decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, até a decisão de mérito pela Primeira Turma".
"Quanto às provas, se são lícitas ou não, compete a análise e decisão da ministra Rosa Weber, relatora do HC, afastando-se qualquer abuso de autoridade, já que o caso está sendo apreciado e decidido pelo STF. Dessa forma, não há mais nada a informar", afirmou o tribunal.
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