Após anular a quebra de sigilos bancário e fiscal, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu nesta terça-feira (16) preservar um dos principais conjuntos de provas das apurações sobre o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso das "rachadinhas".
Por 3 votos a 2, a Quinta Turma da corte, encarregada da matéria, considerou regular o compartilhamentos de dados do Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) com o Ministério Público do Rio de Janeiro, condutor da investigação.
Está pendente ainda de análise pela turma recurso em que Flávio contesta a legalidade de atos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, no inquérito, uma vez que o Tribunal de Justiça do Rio estabeleceu no ano passado que o caso deve tramitar na segunda instância.
O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro é acusado de liderar um esquema de rachadinha em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa entre 2007 e 2018, período em que exerceu o mandato de deputado estadual.
Segundo a Promotoria, o parlamentar recebia de volta parte dos salários dos assessores lotados em seu gabinete. O MP acusou o ex-assessor Fabrício Queiroz de ser o operador.
Flávio foi denunciado em novembro de 2020 pela Promotoria fluminense pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ele nega as acusações.
Desde que tomou ciência das investigação, a defesa de Flávio contesta pontos da apuração em diferentes recursos. Relator do caso das "rachadinhas"' no STJ, o ministro Felix Fischer negou monocraticamente os recursos, desde o mês passado submetidos ao crivo da Quinta Turma.
No primeiro recurso, o colegiado entendeu que o juiz Itabaiana não fundamentou na forma da legislação a quebra do sigilo bancário e fiscal do parlamentar e a anulou.
A justificativa do magistrado em abril de 2019 tomou apenas um parágrafo, fazendo referência às razões expostas pelo MP em 87 páginas. Em junho, ao deferir um outro pedido de quebra de sigilo, ele se estendeu para justificar sua decisão anterior.
No domingo (14), a PGR (Procuradoria-Geral da República) recorreu dessa decisão, por meio de um recurso extraordinário a ser enviado pelo STJ ao STF (Supremo Tribunal Federal).
A investigação sobre as "rachadinhas" foi aberta após um RIF (relatório de inteligência financeira) do Coaf apontar movimentação atípica de R$ 1,2 milhão nas contas do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz de janeiro de 2016 a janeiro de 2017.
Além do volume movimentado, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo. As transações ocorriam em data próxima do pagamento de servidores da Assembleia, onde Flávio exerceu o mandato de deputado por 16 anos (2003-2018) até ser eleito senador.
Queiroz afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem o conhecimento do então deputado.
A partir desse RIF inicial, outros relatórios foram produzidos pelo Coaf a pedido dos promotores de Justiça do Rio.
Após o voto de Fischer, reconhecendo a regularidade do compartilhamento de informações pelo conselho com o MP, o ministro João Otávio Noronha defendeu a nulidade de dois RIFs.
No início de sua manifestação, Noronha afirmou que não se contesta no recurso de Flávio a atuação do Coaf. Tampouco que o conselho possa, segundo previsão legal, receber dados sigilosos de instituições financeiras e compartilhá-los com órgãos de investigação.
O ministro disse, no entanto, que avaliou os limites de atuação do conselho. E, segundo ele, não estão entre as atribuições do órgão a realização de investigações, o bloqueio de valores ou outras atividades desta natureza.
Noronha entende que relatórios produzidos pelo Coaf no caso envolvendo Flávio avançaram o sinal por serem de "intercâmbio" -e "não de compartilhamento espontâneo"-, o que, no entendimento dele, exigiria decisão da Justiça a autorizar o envio de dados ao MP.
"Quando já há elementos para requerer o afastamento do sigilo, não se pode prosseguir solitando o intercâmbio de informações ao Coaf", disse.
Ele afirmou que, após o RIF inaugural, quatro relatórios foram produzidos pelo conselho "sob encomenda" para envio à Promotoria, anteiores à quebra dos sigilos.
Além disso, afirmou o ministro, os RIFs contemplaram informações detalhadas e uma gama de elementos que não deveriam constar em seu corpo.
O Coaf não é órgão de investigação e muito menos de produção de prova. Ele tem que fazer o relatório de inteligência, e então está finalizada sua missão, afirmou. Ele não pode ser utilizado como órgão auxiliar do Ministério Público.
Ele defendeu a nulidade de todas as informações constantes do inquérito obtidas a partir do relatórios do Coaf por ele reprovados e eventuais desdobramentos.
Próximo ao presidente da República, Noronha foi elogiado por Bolsonaro no ano passado. Confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeira vista. Me simpatizei com vossa excelência. Temos conversado com não muita persistência, mas as poucas conversas que temos o senhor ajuda a me moldar um pouco mais para as questões do Judiciário."
O mesmo Noronha concedeu prisão domiciliar a Fabrício Queiroz, após o amigo de Bolsonaro e ex-assessor de Flávio ser preso por determinação da Justiça do Rio.
Após recapitular a análise que o Supremo fez sobre o compartilhamento de informações por instituições como Coaf e Receita com investigadores, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca se alinhou ao relator, ao concluir pela legitimidade no envio de dados ao MP do Rio.
Fonseca concluiu que a legislação, além de prever a figura do RIF espontâneo, prevê também o relatório de intercâmbio para aprofundamento e esclarecimentos das informações.
O ministro Ribeiro Dantas também aderiu à tese do relator.
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