Há 30 anos, a Justiça era um tema de especialistas. O Poder Judiciário se pronunciava mediante linguagem técnica, acessível apenas aos indivíduos especialmente treinados e que acessavam autos físicos e páginas muito pouco atrativas dos diários oficiais.
Quem quisesse ter conhecimento a respeito do conteúdo de sentenças ou de acórdãos teria que se dirigir a um dos fóruns normalmente lotados, enfrentar filas para identificação e ingresso, acessar elevadores superlotados e aguardar, não raro, mais de 30 minutos, para ter a esperança de que o servidor responsável tivesse registrado adequadamente, em ficha manual, a localização dos autos do processo. Caso contrário, viria um pedido de retorno no próximo dia, na esperança de que o processo, incrustado de grampos enferrujados, fosse encontrado.
A outra opção, a qual garantia apenas um acesso parcial aos atos decisórios, era manter uma assinatura do diário oficial ou mesmo de jornais de jurisprudência, disponibilizados com grande delay, sempre alguns meses após as decisões de magistrados e de cortes de Justiça.
Difícil pensar em uma Justica pop ou em magistrados superstar nessas circunstâncias. O televisionamento e, depois, a digitalização e streaming dos atos do Poder Judiciário, todavia, alteraram completamente o estado das coisas.
A Justiça passou a estar na boca do povo. E aparentemente gostou. Pelo menos, parte de seus agentes assumiram posturas midiáticas, que levaram o Poder Judiciário a interferir em temas a respeito dos quais esse poder não foi originariamente concebido. Tanto na definição de políticas públicas, pelo famigerado processo estrutural, quanto na regulação abstrata da sociedade, mediante a criação de verdadeiras leis fabricadas por juízes, sob o indeliberado nome de precedente.
Inaugurando 2025, e pensando para o futuro, trago uma reflexão, na esperança de resgate aos compromissos constitucionais de 1988, e aos parâmetros transnacionais de democracia e republicanismo ao Judiciário: menos é mais!
A sociedade brasileira apresenta graves problemas, sociais, econômicos, políticos, criminais, e de diferentes outras ordens. A solução desses problemas é complexa e envolve uma quantidade enorme de fatores.
Sentenças e acórdãos não terão o poder de resolver as grandes e complexas questões da sociedade, e a melhor atuação possível, em nome da harmonia democrática, é simplesmente a da aplicação da lei.
A autocontenção talvez seja a melhor resolução possível de ano novo para a Justiça. As sentenças são apenas uma peça no sistema complexo da democracia, e não deve cair sobre os ombros dos juízes o enorme ônus de transformar cada ato decisório em uma peça de transformação e justiça social.
A missão constitucional da Justiça é mais singela, e reside na mera aplicação da lei e dos contratos, e no respeito aos atos do poder legislativo e executivo. O protagonismo deve estar no equilíbrio entre os poderes. Não em figuras ou órgãos individualizados.
Há algumas décadas, talvez, essa promessa não faria sentido algum, afinal a sociedade desde Montesquieu já tinha estabelecido um consenso no sentido da verdadeira esfera de influência e poder do Judiciário. Pensar no futuro, todavia, pode exigir o resgate a esse valor tradicional.
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