Muitos talvez não saibam. Acham que são donos, verdadeiros proprietários, de suas casas ou apartamentos, mas, na verdade, não o são. Trata-se dos famigerados terrenos de marinha, sobre os quais os particulares podem estabelecer certos direitos, podendo usar e fruir do bem, mas não são efetivamente donos da coisa.
Pertencerá à União, e não a mim ou a você, todo e qualquer imóvel situado dentro de certa proximidade com o local onde existia o mar em tempos remotos. Pela definição legal, “terreno de marinha” é todo aquele situado em “águas sujeitas ao regime das marés” ou os quais estejam numa faixa de 33 metros, medidos “à linha da preamar média antiga”, é dizer, ao nível máximo do vestígio de água nas praias, encontrada nos registros históricos de 1831.
Uma ficção. Talvez uma efígie imperial trazida aos tempos presentes, não como representação histórica ou cultural, mas como meio de incrementar os cofres públicos, com o recolhimento das taxas de laudêmio, não sem antes estimular milhões de processos judiciais para debater o tema e de impor ao particular – como sói de ocorrer em nossa pátria – uma quantidade enorme de burocracia, requerimentos, formulários e trabalho para despachantes e advogados.
Diante disso, a notícia de Proposta de Emenda Constitucional – PEC que trouxesse a possibilidade de resolver esta questão, e permitir que o cidadão se torne verdadeiramente “proprietário de seu bem”, haveria de ser recebida com otimismo pelo homem comum.
A PEC 03/2022, aprovada na Câmara e que agora tramita no Senado, prevê que todos os indivíduos que até a data da publicação da Emenda Constitucional se encontrem regularmente inscritos na SPU como cessionários, foreiros ou ocupantes regulares de terreno de marinha poderão adquirir a propriedade plena de seus bens, livrando-se de taxas e burocracias.
A transferência ocorrerá de modo gratuito em relação às unidades de interesse social, e mediante pagamento, para que se consolidem em favor de particulares
Até aí, uma proposta equilibrada. Redução de burocracia, diminuição do peso do Estado sobre as pessoas comuns, isenção de custos para situações de interesse social, e pagamento por aqueles que têm condições de pagar.
É difícil entender como tal proposta acabou se tornando controversa, transfigurando-se na suposta “PEC da privatização das praias”. O termo desinformação vem sendo utilizado abusivamente nos últimos tempos, mas talvez aqui tenhamos um bom exemplo do fenômeno.
A PEC não tem como objeto tratar das praias, nem tampouco tem a eficácia de permitir a privatização das praias. A lei continua a assegurar que as praias sejam bens de uso comum do povo, acessíveis a todos e destinados ao uso geral da população, assim como os rios, mares e estradas (artigo 10 da lei 7.661/88).
Não há como privatizar a praia e, muito antes disso, não há nem sequer como garantir o uso e fruição exclusiva, de natureza privada, das praias, como hoje já se permite a certos proprietários de terrenos da marinha. A PEC visa a resolver a situação de quem já utiliza de bem da União, com exclusividade, permitindo que este se torne proprietário da coisa. Não visa a atribuir propriedade, ou mesmo direito de uso exclusivo, a áreas que pela lei são necessariamente de uso comum.
Uma tristeza seria pensar que uma notícia plantada, ou uma enviesada interpretação, sobre algo que não condiz com o cerne da alteração legislativa, seja usado como base para fulminar tão importante alteração, e de especial interesse daqueles que vivem na Ilha de Vitória, a qual, aparentemente, tinha preamares por todos os lados em 1831.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.