É advogado. Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)

O julgamento da Justiça e o julgamento do povo

A anulação de um processo judicial não deve vincular o julgamento popular. À sociedade e à História, relevantes são os fatos como efetivamente aconteceram

Vitória
Publicado em 04/07/2024 às 01h30

Para que alguém receba uma punição, na perspectiva do Direito, não basta que tenha cometido ilícitos, infringido a norma penal ou a norma civil. Mais do que isso, é necessário se avaliar se todo o processo, responsável por estabelecer a sanção, seguiu estritamente o devido processo legal.

E o que significa esse tal de “devido processo legal”?

Não se trata de uma regra específica, mas de uma expressão que resume um conjunto de regras que estabelecem parâmetros mínimos para que o Estado (juiz, Ministério Público, e demais servidores) possa conduzir um processo, com aptidão de retirar a liberdade do indivíduo (com uma pena de prisão por exemplo), ou afetar seu patrimônio, com penhora e restrições sobre seus bens.

Estas regras estabelecem que o processo deve ser conduzido por um juiz imparcial, que não tenha vínculo prévio com as partes, respeite sempre o contraditório, concedendo oportunidade para todos se manifestarem e tenham verdadeiras condições de influenciarem o convencimento do juiz, o qual deve sempre decidir de modo fundamentado, justificando sua decisão a partir do Direito e das provas produzidas.

Na perspectiva da Justiça, ainda que no curso do processo seja inegável que um crime foi cometido, ou que determinado sujeito descumpriu uma regra civil, a pena pertinente, de privação da liberdade ou privação do patrimônio, não poderá ser aplicada se o devido processo legal não foi respeitado. Teremos aí um processo nulo, incapaz de impor sanções.

Muitas vezes, acontece de anos serem consumidos para que essa declaração de nulidade seja estabelecida. Muitas vezes, os critérios para se declarar tais nulidades são excessivos e desproporcionais, gerando enormes distorções no sistema e impedindo que corruptos sejam presos.

Independentemente disso, um processo nulo não admite sanção judicial. E como normalmente se consome muito tempo para se declarar a nulidade, é possível que sequer reste tempo hábil para a repetição dos atos viciados, o que acaba por gerar a impunidade por meio da famosa figura da prescrição. O tempo consumido pelo processo é tamanho que a Justiça entende que não se pode mais punir.

A visão da Justiça, todavia, é apenas a visão da Justiça. Não é um elemento reconstrutor da História ou criador de uma realidade paralela. A declaração de nulidade ou de impossibilidade de punir, produzida por um juiz em determinado processo judicial, não faz desaparecer os crimes ou ilícitos praticados e provados no processo, ou mesmo fora dele. Não absolve os criminosos do julgamento da História e da sociedade.

Os juízes têm o poder de punir, de acordo com os critérios de Direito. Os juízes, todavia, não têm o poder de reconstruir a História. De declarar como os fatos aconteceram, como os ilícitos foram praticados, e qual foi a participação de cada sujeito no mundo real. Quem deve fazer esse julgamento é o indivíduo, eleitor, e a sociedade como um todo.

A História deve julgar os fatos, a partir apenas dos fatos, de como aconteceram. Dos crimes praticados e provados, do que é conhecido ou confessado, a partir das provas obtidas, sem nenhuma preocupação com o formalismo do processo judicial. Um processo anulado, justa ou injustamente, e uma condenação desfeita não muda nada a respeito do que efetivamente aconteceu.

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