O direito de propriedade é um dos pilares da democracia. Não existe nenhuma experiência na humanidade pela qual os direitos fundamentais foram respeitados, sem o mais profundo respeito ao direito de propriedade. A liberdade de expressão, de organização política, de ir e vir, de votar e ser votado, não será respeitada se a propriedade igualmente não o for.
O mais importante artigo da Constituição (artigo 5º) elege o direito de propriedade entre os “direitos e garantias fundamentais’, ao lado da “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança”.
Nada mal, não? O direito de existir segue ao lado do direito de ter e possuir coisas.
Aquilo que o ser humano conquista mediante o seu esforço, trabalho, inventividade, empreendedorismo deve ser respeitado por todos, como uma garantia de ordem e de prosperidade social.
Numa democracia, deve existir um sistema de proteções para que o proprietário possa, nos termos da lei, usar, gozar e fruir de seus bens livremente e, ainda, reavê-lo de quem injustamente o possua. Quanto mais se relativiza essa garantia, em prol de valores abstratos e de utópica consecução, menor é o estímulo do ser humano para criar, ser produtivo e produzir riqueza para a sociedade, e maior é o poder dos burocratas para distribuírem a riqueza retirada do indivíduo com base em seus interesses políticos e particulares (e.g. assistencialismo eleitoreiro, emendas parlamentares, auxílios moradia e verbas indenizatórias), não raro sob a desculpa da justiça social e da igualdade.
É por isso que o Direito restringe e declara excepcionais as hipóteses nas quais o individuo pode perder a sua propriedade por ato do Estado. Na Constituição, a figura da desapropriação (perda da coisa por vontade do Estado) exsurge como uma grande exceção, exigindo atendimento de requisitos rigorosos para tanto, com indenização justa e prévia ou mesmo a demonstração do descumprimento de deveres legais pelo proprietário.
Fora isso, para que seja possível restringir o direito de propriedade, deve-se estar diante de situação absurda, crítica, absolutamente excepcional, dentro daquela linha clássica de que o direito de um indivíduo apenas acaba quando o seu exercício representa cerceamento a direito fundamental de outro.
O exemplo em voga diz respeito ao condômino antissocial, recentemente privado pela Justiça capixaba de uma de suas faculdades essenciais inerentes à propriedade: usar e gozar de seu próprio imóvel.
A Gazeta noticiou na semana passada sentença da Justiça Estadual que tornou definitiva a expulsão de um empresário de 67 anos, do seu próprio imóvel, localizado na Praia do Canto, em Vitória. A acusação foi de comportamento antissocial, que vem se repetindo desde 2017, e que põe em risco a segurança dos demais moradores do prédio, assim como dos funcionários.
Para ficar bem claro. Não é qualquer conduta antissocial que justifica medida de tamanha gravidade. Ninguém vai retirar do proprietário o direito de uso do seu próprio imóvel pelo fato de o individuo não dar bom dia pela manhã, ou mesmo adotar outras condutas antissociais mais graves relacionadas à higiene pessoal, hábitos e costumes deslustrados ou mesmo a prática de alguns ilícitos isoladamente.
A situação, a justificar medida de tamanha gravidade, deve ser absolutamente teratológica, de modo a tornar o exercício pleno da propriedade de seus vizinhos inviável. Os fundamentos apresentados naquele caso são ilustrativos dessa situação excepcional: “agressões e brigas entre ele e os seus visitantes/hóspedes, supostamente usuários de drogas; agressão praticada contra moradora; arrombamentos; vandalismo; ameaças a funcionários do prédio; trânsito no elevadores com pouca roupa; funcionários ameaçados por não autorizar a entrada dos visitantes/hóspedes; portas arrombadas".
O texto aqui vem como uma alerta e um esclarecimento. O caso citado não vai e não deve ser usado para restringir a propriedade privada, mediante a simples demonstração de condutas indevidas do proprietário no uso da coisa. A restrição ao direito de propriedade depende de uma situação excepcional, que apresente risco aos vizinhos e que os impeça de exercer livre e adequadamente o direito de propriedade. Toda intervenção a esse respeito dependerá da severa demonstração destas exigências fundamentais.
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