É advogado. Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)

Somos campeões mundiais em processos contra empresas aéreas. Por que isso é ruim?

Em países como os Estados Unidos, o litígio apresenta custos superiores e coloca o demandante em situação de risco, especialmente se não tiver condições de demonstrar seu direito

Vitória
Publicado em 15/08/2024 às 01h30

As duas das principais companhias aéreas brasileiras ocupam o primeiro e segundo lugar da América Latina e top 50 das melhores empresas aéreas do mundo, de acordo com o prêmio World Airline Awards, da Skytrax, empresa que avalia os serviços aéreos e tem base em Londres, no Reino Unido.

O ranking se pauta nas avaliações dos consumidores, em relação à experiência, no que diz respeito a diferentes aspectos, tais como o serviço de cabine, serviço de terra, conforto, política de preços e atendimento.

Como se trata de um ranking que conta de 350 companhias, é possível falar que nossas empresas áreas não estão tão mal, se comparadas ao resto do mundo, colocando-se entre as 15% melhores.

Passagem aérea, aeroporto
Viagem, negócios, turismo. Crédito: Pixabay

É evidente que, diante da enormidade das operações diárias, mesmo as melhores empresas acabam gerando situações de conflito, nas quais passageiros demandam indenizações e têm de ser reparados pelos danos que sofreram em decorrência de defeito na prestação do serviço. Tanto aqui, com as nossas companhias, quanto em qualquer outro lugar do mundo.

No entanto, uma outra estatística chama bastante atenção: somos os campeões mundiais em processos judiciais contra as empresas aéreas, concentrando 98% dos processos em todo o mundo, segundo a IATA - Associação Internacional de Transportes Aéreos.

O setor aéreo brasileiro produz uma ação judicial para cada 227 passageiros. Nos Estados Unidos, maior mercado mundial, uma ação se apresenta para cada 1.254.561 passageiros. Em bom português, a chance de surgir um processo judicial em empresa aérea nos EUA é 5.526 vezes menor do que no Brasil.

E não há nenhum indício de que nossas empresas sejam piores do que as outras do mundo a justificar tantas demandas. Ao contrário, as avaliações mostram que o atendimento das empresas aéreas nacionais é bem acima da média mundial. Então, por qual motivo temos tantos processos?

O primeiro motivo está nos custos e na facilidade. Demandar no Brasil é grátis e não apresenta risco nenhum para quem demanda, especialmente nas causas de valor inferior a 40 salários-mínimos. A sociedade brasileira optou por subsidiar os custos dos caríssimos processos judiciais, para que a elite, que tem acesso a transporte aéreo, possa se valer gratuitamente do Judiciário para obter indenizações contra empresas aéreas.

O segundo motivo está na subjetividade dos critérios para indenizar e dos valores para indenização. O Código de Defesa do Consumidor, criado com a melhor dos intenções, é a fonte de grande insegurança jurídica, já que contém normas abertas a permitirem que os magistrados, nos casos concretos, flexibilizem critérios para determinar responsabilidades e fixar valores indenizatórios.

Esses dois critérios não se apresentam do mesmo modo no resto do mundo. Em países como os Estados Unidos, o litígio apresenta custos superiores e coloca o demandante em situação de risco, especialmente se não tiver condições de demonstrar seu direito. E mais gravemente ainda: as hipóteses passíveis de indenização e os valores das indenizações, no transporte aéreo, estão devida e objetivamente identificadas, permitindo que tanto companhias aéreas como passageiros possam saber, com maior exatidão, se existe direito à indenização e qual é o seu respectivo valor.

Embora, no Brasil, ainda seja muito polêmico o debate dos custos e riscos dos processos e da revisão – absolutamente necessária – do Código de Defesa do Consumidor, já há projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional (PL 1829/2019), que ainda aguarda sanção presidencial, com a finalidade de trazer ao Brasil o mesmo sistema indenizatório previsível que se aplica à maior parte do mundo desenvolvido. A aguardar os próximos capítulos desta história!

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