BRASÍLIA - O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que empresas não podem continuar abatendo do Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) benefícios dados pelos Estados. A decisão é favorável ao governo e, de acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, permite a arrecadação de R$ 90 bilhões para os cofres públicos. A ação é considerada crucial para o sucesso do novo arcabouço fiscal.
A decisão, porém, não terá eficácia por enquanto porque o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão do julgamento a pedido de uma associação do agronegócio. A liminar de Mendonça será submetida ao referendo do plenário na semana que vem.
Segundo Mendonça, o STF vai julgar um processo relacionado ao tema e, se o STJ julgar, o assunto pode ser encerrado na Justiça, antes mesmo de o Supremo analisar o caso. Os ministros do STJ afirmaram que não receberam o comunicado oficial e continuaram com a ação.
O ministro Bento Gonçalves, relator da ação, afirmou que a tese do crédito presumido, em que o STJ acatou o pleito das empresas, não se aplica a este julgamento. O crédito presumido é um tipo de benefício fiscal. "A não inclusão do crédito presumido na base de cálculo dos tributos federais não tem a mesma aplicabilidade para todos os demais benefícios fiscais", afirmou o ministro.
Ao iniciar o julgamento, o presidente da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Sérgio Kukina, afirmou que ainda não havia sido notificado oficialmente sobre a liminar do STF, por isso, seguiu normalmente o julgamento. "No curso dos trabalhos, se a comunicação chegar por via oficial, o relator adotará as medidas que julgar convenientes", afirmou Kukina.
A reportagem ouviu tributaristas que conhecem o teor do julgamento para entender como esse benefício foi criado. O ICMS, imposto cobrado pelos Estados, tem uma alíquota nominal e outra efetiva. Por exemplo, a venda de mercadorias é tributada com uma alíquota de 18%. Mas devido a vários artifícios, que fomentaram a guerra fiscal entre os Estados, na prática essas alíquotas são menores por meio da diminuição da base de cálculo do imposto, isenção e crédito presumido (que reduz o imposto a pagar por meio de uma compensação).
Além desses artifícios, existe um benefício fiscal que os Estados concedem para atrair empresas. É a chamada "subvenção de investimento" que nada mais é que trocar o valor que determinada empresa investiu pelo valor do ICMS que ela pagará quando a sua fábrica, por exemplo, ficar pronta e as mercadorias começarem a ser vendidas.
Mas existe outro benefício aplicado que é chamado de "subvenção para custeio". Basicamente é a redução da alíquota ou do valor que a empresa tem a recolher do ICMS, sem nenhuma contrapartida para o governo estadual. Muitos desses benefícios são conseguidos por pressão de empresas e grandes lobbies.
Devido a um "jabuti" (medida diferente do teor da proposta original) incluído na Lei de Complementar 160, de 2017, as empresas passaram a abater dos impostos federais esses incentivos que foram dados pelos Estados. Essa lei validou os incentivos concedidos no passado pelos Estados e com o "jabuti" equiparou todos os incentivos fiscais às "subvenções para investimentos".
Os dois incentivos começaram a ser usados para deduzir o valor a recolher de IRPJ e CSLL. Só que há uma grande diferença entre eles. Na subvenção de investimento, a empresa realmente desembolsa dinheiro para fazer a fábrica. O segundo é apenas redução de imposto. No incentivo de custeio, as empresas registram na contabilidade a despesa total do ICMS da alíquota. Por exemplo, a alíquota é de 18%. Só que geralmente há um benefício de 20% de redução ou mais do imposto. Dos R$ 18 registrados como despesa, por exemplo, a empresa acaba pagando, na prática, R$ 14. Os R$ 4 seriam a "despesa fictícia".
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou na noite desta quarta-feira (26), que a decisão do STJ, por unanimidade, de autorizar a cobrança de IRPJ e CSLL sobre benefícios fiscais de ICMS foi "exemplar", recompõe o Orçamento federal, e dará mais garantia de crescimento com baixa inflação.
"Considerei o julgamento [do STJ] exemplar. O voto do relator foi acompanhado por outros oito ministros. Isso dá muita confiança que estamos no caminho certo para remover do sistema tributário aquilo que está impedindo a busca de um equilíbrio orçamentário. O orçamento não é equilibrado por conta da despesa de salário mínimo, saúde e educação", disse.
Segundo ele, o principal problema do País é o "chamado gasto tributário", que implica perda de arrecadação de R$ 70 bilhões à União e outros R$ 20 bilhões para os Estados e municípios. Haddad ainda declarou que cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas ele se disse tranquilo de que o entendimento do STJ será mantido.
"O problema é o chamado gasto tributário, o dinheiro que sai pelo ralo nessas decisões que acabam conturbando o sistema tributário brasileiro, e essa conta era altíssima, prejudicava o governo federal em quase R$ 70 bilhões e outros R$ 20 bilhões a estados e municípios pobres, que deixavam de receber o FPE e o FPM. Realmente era um grande estrago nas contas públicas, e o STJ reparou por unanimidade", disse.
Para o ministro, a decisão do STJ recompõe o Orçamento e dá garantia de que haverá crescimento e baixa inflação. Segundo ele, outras medidas para aumentar a arrecadação devem ser tomadas até agosto para dar "mais consistência" ao orçamento.
"Obviamente que tomaremos outras medidas relativas ao arcabouço para dar consistência ao orçamento, e queremos que elas estejam tomadas até agosto, pois aí o Orçamento pode ser encaminhado em agosto já com uma previsão de um equilíbrio ou próximo do equilíbrio previsto no arcabouço fiscal. Temos o equilíbrio total com uma pequena banda, uma pequena margem, que nem queremos usar", declarou.
Na segunda-feira (24), Haddad havia se reunido com o ministro do STJ Benedito Gonçalves, relator do processo, para discutir o assunto.
Ao mandar suspender o julgamento, o ministro do STF André Mendonça atendeu a pedido da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), que alegou que "a eventual inclusão do crédito presumido de ICMS e/ou de demais benefícios fiscais nas bases de cálculo do PIS/COFINS (em lógica eventualmente aplicável a outros tributos, como o IRPJ e a CSLL) elevaria, sobremaneira, a carga tributária incidente sobre o consumo".
A Abag também sustentou que há uma ação com "matéria constitucional de fundo seria idêntica" em tramitação no STF. "Permitir que seja iniciado o julgamento do Tema 1182, pelo E. STJ, antes que se finalize a análise do Tema 843 por esse E. STF, pode aumentar a insegurança jurídica", afirmou a entidade.
Mendonça, ao acolher o pedido, destacou que já haviam sido proferidos todos os onze votos possíveis no plenário virtual do STF a respeito do tema. A maioria formada era no sentido de proibir a inclusão de créditos presumidos do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins. O julgamento no Supremo foi suspenso por pedido de destaque de Gilmar Mendes.(Colaborou Antonio Temóteo)
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