SÃO PAULO, SP - Um grupo de investidores vítimas de golpe envolvendo bitcoin busca, na Justiça, o ressarcimento de R$ 7 bilhões da empresa Atlas Quantum, conforme ação civil pública proposta pelo IPGE (Instituto de Proteção e Gestão do Empreendedorismo).
No processo, o grupo acusa a empresa de diversas irregularidades, entre elas, manter em seu poder 15,2 mil bitcoins e 34,8 mil criptodólares de seus clientes. Ao todo, estima-se que são 39 mil clientes no Brasil e 200 mil em todo o mundo. Atualizados, os valores chegariam a R$ 4 bilhões.
A ação pede ainda 40 salários mínimos como indenização a cada um dos que foram lesados, além de danos sociais e morais coletivos desde 2019, quando a Atlas Quantum parou de pagar seus clientes.
O processo, protocolado no final de julho de 2022 na Justiça de São Paulo, ainda não teve nenhuma decisão. Paralelo a ele, há ações penais na Justiça Federal contra a empresa, 700 processos no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e investigações na Polícia Civil de São Paulo, na Polícia Federal, em SP, e na CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Nenhum deles, no entanto, chegou a uma conclusão.
Segundo o advogado Jorge Calazans, do escritório Calazans Vieira Dias Advogados, especialista em defesa de vítimas de fraudes financeiras e responsável pela ação civil pública, o pedido é para que o proprietário da empresa devolva tudo o que foi captado por ele com os investidores.
O processo envolve outras empresas ligadas à Atlas e pede a responsabilização de associados ao proprietário que possam ter sido beneficiados de forma ilegal com o dinheiro das vítimas.
Procurada desde o último dia 5, a Atlas Quantum não respondeu aos emails da reportagem e os telefones informados na internet não funcionam. O escritório de advocacia que atende a empresa na Justiça não quis se manifestar.
Segundo Calazans, além dos crimes contra o sistema financeiro -investigados pela polícia e que correm também na Justiça-, há a acusação de pirâmide financeira.
"O que ocorria era um falso anúncio de investimento que gera rendimento, mas nada mais era do que a entrada de novas pessoas que sustentavam as mais antigas no esquema", diz ele, referindo-se ao fato de que a Atlas Quantum utilizava o dinheiro dos novos clientes para pagar os antigos investidores.
Como a Atlas Quantum funcionava
A Atlas Quantum se apresentava no mercado como uma empresa de arbitragem (compra e venda de bitcoins) por meio de um robô exclusivo chamado quantum. Clientes eram levados por investidores que já estavam nela ou eram atraídos por propagandas em rede nacional, em grandes empresas de comunicação.
Os novos investidores podiam levar as criptomoedas que já tinham ou pagar valores em reais; havia ainda a possibilidade de comprar criptomoedas de empresas indicadas pela Atlas, que seriam ligadas a ela. Nos contratos, era oferecido aos clientes rentabilidade de 1% a 6% do valor investido.
No início, a empresa pagava normalmente seus clientes após a realização de operações que lhe rendessem lucro. O pagamento em dia seria sustentado com a entrada de novos investidores, como em um esquema de pirâmide financeira. Quando menos investidores passaram a ingressar, os pagamentos da Atlas Quantum a quem já investia teriam começado a falhar.
A queda teria ocorrido após a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) apontar irregularidades e proibir movimentações, levando a pedidos de saque em massa. Desde 2019, não teria ocorrido remuneração de clientes e nem a devolução dos valores que haviam sido investidos.
Clientes tentam receber valores há três anos
Convidado por um amigo, o professor universitário Evandro Carlos Teruel, 48, da área ciência da computação, passou a investir na Altas Quantum em 2018. Ele afirma que, na época, investiu 1,57 bitcoin, que valem hoje cerca de R$ 194 mil.
"Investi valores em bitcoin e o retorno era em torno de 7% ao mês, acima da maioria das opções do mercado financeiro, mas nada fora de possibilidades reais", diz.
Segundo ele, inicialmente, a Atlas fazia os pagamentos todos os meses, sem falhar. Com o crescimento do mercado de criptomoedas, em 2019, e com o investimento em propaganda maciça na TV, houve um aumento de clientes, mas, em seguida, os pagamentos começaram a falhar.
Em agosto de 2019, a Atlas teria parado de pagar os investidores de vez. Em processo, a CVM encontrou indícios de irregularidades e proibiu novos negócios. Até hoje, os clientes tentam receber.
Teruel, que também tem um canal de investimentos nas redes sociais, reuniu 580 vítimas da empresa. Procurou o Judiciário e registrou denúncia na Polícia Federal. "Tudo que eu fiz com as 580 pessoas foi na parte criminal, para que os responsáveis sejam punidos criminalmente, ou seja, sejam processados e presos."
O processo aberto em 2019 teve a primeira resposta em abril deste ano. O Ministério Público Federal deu 120 dias para a Polícia Federal investigar o caso e apresentar relatório. O prazo vence nesta semana, mas nada foi informado até agora.
"Na minha visão, depois de três anos, a única chance de recebermos é se todos os responsáveis forem expostos pelas investigações da Polícia Federal e forem presos. Presos, acredito que eles irão querer devolver o dinheiro para se livrar da cadeia."
Procurada, a Polícia Civil de São Paulo informou que há um inquérito policial instaurado pela 4ª Delegacia da Divisão de Crimes Cibernéticos, do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais).
Segundo a nota, as investigações começaram em junho de 2021, após a divisão tomar conhecimento dos fatos por meio do Ministério Público. "Diligências prosseguem com oitivas de vítimas e com buscas por elementos que auxiliem na localização dos suspeitos", diz o texto.
Já a Polícia Federal disse que não comenta "possíveis inquéritos em andamento".
A CVM afirmou, em nota, não comentar casos em andamento e disse estar atenta ao que ocorre no ramo das criptomoedas, mas só pode atuar até onde lhe "é cabível no que diz respeito ao mercado de capitais".
A autarquia disse ainda que prepara um documento com recomendações para o setor, com a intenção de diminuir irregularidades. "Não se trata, pelo menos por enquanto, de uma regulação, tendo em vista que não há, atualmente, previsão legal. O documento terá um caráter de recomendação e orientação ao mercado", afirma texto do órgão.
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