Uma disputa entre conservadores e progressistas é o pano de fundo para o conflito na Igreja Batista da Praia do Canto, em Vitória. Um grupo de 25 pessoas conseguiu na Justiça fazer cumprir uma determinação da Convenção Batista Brasileira (CBB) de afastar o pastor Usiel Carneiro de Souza do comando da instituição pelo que entendem como "desvio de doutrina batista". O pastor diz que não pretende deixar a igreja, e obteve em culto realizado no último domingo (8) apoio massivo dos fiéis: 400 deles assinaram um documento pela permanência de Usiel.
O grupo de 25 pessoas, algumas delas fundadoras da igreja e participantes antigos da comunidade batista da Praia do Canto, recorreu em 2022 à CBB após terem sido expulsos do quadro de membros. Elas reclamam de "desvios doutrinários" praticados pelo pastor, como o uso de teólogos de outras religiões no material didático aplicado no Instituto Bíblico e o acolhimento de pessoas e casais homossexuais na igreja, inclusive em posições de destaque, desrespeitando, na avaliação desse grupo, as escrituras sagradas.
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No documento enviado à CBB, eles afirmam que há relatos de que o pastor Usiel "estaria aceitando tais práticas (homossexualidade) e aconselhando membros de famílias tradicionais da igreja a admitirem tal prática". Além disso, o pastor teria permitido que um homem gay ministrasse cânticos e louvores na igreja.
O pastor se defende e diz que o grupo é contra uma leitura das escrituras mais moderna e inclusiva. "A minha postura pastoral insere uma atitude de acolhimento e respeito com as pessoas. Eu compreendo a igreja como espaço em que toda em qualquer pessoa que nela desejar estar pode estar para receber instrução espiritual, cuidado, ensino. Porém, não é assim que esses líderes pensam", constata.
Além disso, ele acredita que pesa o fato de, pessoalmente, ter um posicionamento político mais alinhado à esquerda. "Não sou partidário, não sou petista, mas me alinho com a ideia de um estado maior, que dá mais assistência ao pobre. Eu não me posiciono politicamente na igreja. Eu como cidadão me vejo livre, e a igreja abraça essa perspectiva; eu me posiciono nas redes sociais".
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A disputa tem ainda um ingrediente material. O estatuto da IBPC afirma que, caso haja um racha ideológico na instituição, um conselho formado por 15 pastores das igrejas pertencentes à Convenção Batista Brasileira tem que definir qual dos grupos segue corretamente a doutrina batista. Esse grupo terá direito a usar o nome da igreja e o espaço físico onde ela está instalada.
Foi com base nesse dispositivo que o grupo de 25 pessoas pediu que o caso fosse analisado pelo concílio da CBB. Como o pastor Usiel e o conselho da IBPC não reconheceram a legitimidade das pessoas para ingressarem com o pedido, eles ignoraram o processo e foram julgados à revelia.
Em 6 de setembro de 2022, o pastor Hilquias Paim, presidente do Concílio Decisório e da CBB, assinou a sentença revertendo a expulsão dos 25 fiéis e alegando que eles são o grupo que permanece firme às práticas e doutrinas batistas.
Segundo a decisão, "há quebra de preceitos doutrinários por parte do pastor da igreja e seus ensinos e práticas não estão em harmonia com os princípios emanados da DDCBB (Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira)". Diz ainda que, "conforme provas testemunhais, a pregação e os ensinamentos do pastor Usiel Carneiro de Souza não mais evidenciam aquilo que creem os batistas."
Como o ministério do pastor Usiel não reconheceu a decisão nem deixou a liderança da igreja, foi movido um processo judicial para fazer cumprir o estatuto da instituição.
"Eu entendo esse processo que gerou esse concílio como um movimento politicamente articulado com o objetivo de me prejudicar, de me tirar da igreja, até porque se trata de uma igreja de muita expressão, uma igreja num bairro nobre, há interesse nisso. Talvez se eu fosse pastor de uma igreja da periferia, isso não estivesse acontecendo, mas sendo pastor de uma igreja tão visível, a minha presença incomoda", avalia o pastor.
Segundo membros da igreja ouvidos por A Gazeta, a expulsão do grupo de 25 fiéis aconteceu depois que eles teriam promovido uma campanha de difamação contra o pastor pelo WhatsApp. Ao serem confrontados em audiência pública, que durou mais de quatro horas, eles não recuaram e foi aberto um procedimento disciplinar interno contra esse grupo. Depois, conselho decidiu pela expulsão do grupo.
À CBB, eles afirmam que o julgamento não foi justo, já que alguns membros do conselho eram também alvo das denúncias de "desvio de doutrina" e teriam interesse direto em se beneficiar, sendo impossibilitados de tomar uma decisão imparcial no assunto.
Pastor Usiel foi eleito pastor-presidente da Igreja Batista da Praia do Canto em 2013. Segundo ele, não há racha ideológico na congregação, que conta atualmente com cerca de 360 membros. Mas ele admite que há um racha ideológico na comunidade evangélica "entre aqueles que se consideram fundamentalistas ou mais conservadores e aqueles que se consideram mais progressistas ou liberais", pontua o pastor.
"A nossa igreja está mais unida do que nunca. Às vezes, em momentos difíceis como esse, se o interesse era desestabilizar, na verdade, o efeito é contrário, nunca estivemos tão unidos e certos do caminho que a gente está trilhando", afirma.
Sobre a cláusula do estatuto que fala que a igreja pertence ao grupo que seguir e se mantiver mais fiel à doutrina batista, ele diz que não tem medo de perder a liderança da igreja.
"Primeiro porque não há nenhuma doutrina ferida, não há nenhuma doutrina apontada ou comprovação de que tenha havido esse rompimento. Segundo porque, ritualisticamente falando, o rito processual foi equivocado, foi maculado. Então, ele não tem legalidade. Mas, mesmo que tivesse, seria necessário provar que houve um desvio e essa prova não existe porque não houve (o desvio). Você pode ler a declaração doutrinária batista e ela não toca, por exemplo, em nada que diga que eu não tenha o direito de acolher as pessoas como eu acolho", aponta.
Ele acredita que a decisão judicial foi equivocada e que o juiz foi levado ao erro. O pastor Usiel diz que pretende recorrer para reverter a decisão. "Não há a menor chance de que a igreja se dobre à vontade da convenção (CBB) que estabelece um rito impróprio e ilegal e tomou uma decisão absurda. Não temos obrigação alguma de ceder a essa decisão", argumenta.
A Gazeta procurou um advogado que figura no processo como defensor dos 25 ex-membros da igreja. Ele diz que não poderia falar a pedido de seus clientes, que estariam temerosos. Disse apenas que a diferença doutrinária se iniciou há 8 anos.
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