Quando voltava do supermercado no último sábado (2), a aposentada Creuzeli Fardin Simonato, de 67 anos, foi atropelada ao atravessar a Avenida Aristides Campos, no bairro Nova Brasília, em Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Estado. No mesmo dia, o motorista Zeniel Louzada dos Santos, cujo teste do bafômetro deu positivo, foi preso, após ter fugido do local do acidente. Mas não por muito tempo. Na audiência de custódia realizada nesta segunda-feira (4), ele ganhou a liberdade.
Dadas as circunstâncias do acidente, a liberação de Zeniel causou indignação e provocou questionamentos de muitas pessoas sobre as razões para ele ter sido solto. Afinal, o motorista foi preso em flagrante, houve a constatação de que ele havia ingerido bebida alcoólica após teste de bafômetro, além de ter deixado o local do atropelamento sem prestar socorro à vítima, que é uma idosa.
Para entender a situação, A Gazeta consultou um especialista e o texto da decisão proferida pelo juiz Bernardo Fajardo Lima, que garantiu a soltura de Zeniel.
Primeiramente, é preciso levar em conta qual é a acusação que pesa contra Zeniel. Ele foi autuado em flagrante pela polícia, em dois artigos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), por lesão corporal culposa (quando não há a intenção) na direção de veículo automotor.
"Nós estamos diante de um crime de trânsito. Por se tratar de um ato ilícito cometido na direção de um veículo automotor, em que o condutor estava embriagado. Para sair da esfera do trânsito e ser caracterizado um dolo eventual, que é quando o motorista assume o risco de praticar algo mais grave, é necessário identificar um elemento que estava ausente nesse caso, que é a alta velocidade", explica o advogado criminalista Flávio Fabiano.
Segundo o criminalista, é fundamental observar que o caso está sendo enquadrado na legislação de trânsito, que trata o possível crime como culposo (sem intenção), mesmo que o motorista estivesse dirigindo sob o efeito de álcool. "A embriaguez por si só não é causa de se considerar um crime doloso", aponta Flávio.
O importante de se entender a diferença entre um delito culposo de um doloso, além da definição de ambos, é que o tamanho da pena é muito diferente, sendo maior nos casos onde há o dolo. E o tamanho da pena, consequentemente, é um fator que influencia na determinação de uma eventual prisão preventiva.
"Crime de trânsito, mesmo um possível homicídio culposo, teria uma pena de 5 a 8 anos, em tese. Inicialmente teríamos o cumprimento de pena em regime semiaberto. Se o regime final seria um semiaberto, não podemos, neste momento, admitir uma prisão, porque a prisão preventiva teria um caráter mais gravoso do que um eventual condenação", explica o criminalista.
Na decisão, o juiz Bernardo Fajardo destaca esse aspecto da legislação. "Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Portanto, é indubitável que a prisão anterior à sentença condenatória é medida de exceção, somente devendo ser mantida ou decretada quando evidente a sua necessidade ou imprescindibilidade, eis que a regra é a de que o réu tem o direito de se defender em liberdade."
Outra característica do caso que chama a atenção é a vítima ter 67 anos. O criminalista, no entanto, esclarece que a idade da vítima, neste caso, é um elemento esporádico. "Ele não escolheu quem atropelar, não escolheu a vítima. É diferente de um delito cometido no âmbito familiar, por exemplo, onde há violência doméstica."
O magistrado também cita a Lei 13.964/2019, conhecida como "Pacote Anticrime", uma iniciativa do Ministério da Justiça durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e que entrou em vigor em 2020. Uma das mudanças provenientes desse pacote é mencionada na decisão: um juiz não pode decretar prisão preventiva de ofício. Isso significa dizer que, se não há um pedido do Ministério Público, o magistrado não pode decretar a prisão. No caso de Cachoeiro de Itapemirim, o MP optou pela liberdade provisória de Zeniel.
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) diz, em nota, que lamenta o ocorrido com a vítima e informa que, no auto de prisão, a autoridade policial indiciou o condutor por lesão culposa e arbitrou fiança de R$ 3.500,00. Caso o condutor pagasse esse valor, receberia liberdade provisória. Como isso não ocorreu, foi encaminhado para audiência de custódia.
O MPES informa também que, conforme o artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal, em caso de acidentes, só caberá o decreto de prisão preventiva nos crimes dolosos, o que não foi descrito pela autoridade policial. Desta forma, na audiência de custódia foi cumprida a legislação atualmente em vigor, com base nas informações contidas no auto de prisão.
Por fim, o Ministério Público informa que seguirá acompanhando o caso e, após a conclusão do inquérito policial, analisará novamente os fatos e adotará as demais medidas cabíveis.
Mesmo que o juiz tenha concedido a liberdade provisória a Zeniel, uma série de condições foram determinadas. Entre elas:
Procurada pela reportagem, o advogado Diego Rocha, que faz a defesa do motorista, observa que, segundo a legislação brasileira, a prisão é para quem já foi condenado. "Como ele é primário, tem bons antecedentes, nunca se envolveu com nada, o próprio Ministério Público pediu a liberdade dele. O MP pediu a liberdade, inclusive, com ou sem fiança", disse ele, ressaltando que a fiança foi estabelecida pelo juiz.
No dia 4, Alan Fardin, filho de Creuzeli, relatou à reportagem de A Gazeta, que a mãe estava atravessando a avenida quando foi atropelada por um veículo em alta velocidade e desgovernado. Segundo a defesa, Zeniel não fugiu do local do crime, ele apenas não se lembra do que aconteceu. "Tanto que ele não se recusou a fazer o teste do bafômetro", disse o advogado.
O advogado acrescentou que Zeniel "se solidariza com a vítima e sua família, está torcendo para que se recupere bem e está à disposição da Justiça".
Após a publicação desta matéria, o Ministério Público do Espírito Santo se manifestou sobre o caso. O texto foi atualizado.
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