Apesar das objeções de moradores e de grupos de arquitetos que defendem a doação do espaço à comunidade, uma parte dos galpões do extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC), em Jardim da Penha, Vitória, será colocada à venda no dia 12 de abril.
O leilão, que foi anunciado em março, contempla a venda dos galpões de lotes 1 a 15, que totalizam uma área de 6,6 mil metros quadrados. Segundo portaria publicada no Diário Oficial da União (DOU), combinados, os lotes, que estão situados na Rua Comissário Octavio de Queiroz, nº 520 - Quadra X, Bloco H, terão lance mínimo de R$ 10,79 milhões, e os interessados podem realizar ofertas por meio de um site disponibilizado pelo Ministério da Economia.
A sessão pública para licitação será realizada no dia 12 de abril, às 15 horas. Será permitido o envio de propostas até as 14h59 da mesma data. A venda dos lotes não interfere no espaço cedido ao Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), que, em agosto de 2021, assumiu a gestão, manutenção e segurança de parte do espaço, com a intenção de implantar um polo de inovação no local, que já está em operação.
Até 2020, a intenção do governo federal era leiloar todo o quarteirão, mas após pressão de diversos setores da sociedade, foi fechado um acordo e parte do espaço foi cedido para que o Ifes estabelecesse o seu centro de inovação.
Às vésperas do leilão, entretanto, a decisão de venda do espaço restante ainda causa insatisfação. Em carta de repúdio, a rede BrCidades Núcleo Espírito Santo (BrCidades ES), o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-ES) e a Associação de Moradores de Jardim da Penha (AMJAP) alegam que a venda é ilegal e o leilão deve ser anulado.
O protesto decorre do fato de que os galpões foram provisoriamente tombados pelo Conselho Estadual de Cultura em novembro de 2020, e a legislação existente coloca algumas barreiras para utilização e venda dos espaços tombados.
“Por ser imóvel público, pela lei o tombamento provisório dos galpões do IBC torna o imóvel inalienável, não podem ser vendidos pela SPU. Os galpões do IBC e o terreno onde estão inseridos são patrimônio público, que tiveram tombamento provisório, como bens imóveis de interesse de preservação histórico cultural do Estado”, observa a arquiteta urbanista, professora doutora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e participante da rede BrCidades ES, Martha Campos.
A arquiteta relembra ainda que a legislação estabelece restrições contra o uso de imóveis tombados, como, por exemplo, garantir a visibilidade do mesmo. “Isso passa deste a definição de altura das edificações vizinhas e materiais construtivos de acabamento, entre outras definições estabelecidas, ou seja, por exemplo, neste caso dos galpões do IBC, se alguma parte do terreno for vendida para empreendedores que pensam na verticalização do espaço, isso pode vir a ser uma interferência extrema na visibilidade dos galpões na paisagem, não sendo legítima quando se trata de um bem tombado.”
Ela pondera que é preciso promover um debate amplo sobre a destinação de usos para o espaço, que devem permitir a apropriação coletiva do imóvel, integrando-o na esfera da vida cotidiana do bairro, de modo a atender a população moradora da Capital.
O coordenador da Associação de Moradores de Jardim da Penha, Angelo Delcaro, pontua ainda que há muito tempo a comunidade espera que o espaço seja destinado ao uso coletivo, e que o anúncio de venda de parte dos galpões é preocupante.
“No ano passado, conseguimos que parte fosse destinada ao Ifes. Agora veio a notícia de que parte será leiloada, mas não é o interesse da comunidade. Entendemos que pode ser utilizado em prol da comunidade também. Temos várias coisas que precisamos: um CMEI, um centro da terceira idade, um mercado para tirar a feira da avenida principal. Se venderem, vai trazer alguns problemas”, afirma Delcaro.
Entre os inconvenientes esperados estão aumento no fluxo de veículos e a continuidade da superlotação de espaços, como escolas e postos de saúde, que ele diz não comportarem mais os moradores da região.
“A gente sabe que há uma especulação imobiliária muito grande, é um bairro ainda visado. Então a associação se posiciona contra porque a vontade do morador é que seja um espaço voltado para o morador, não para benefício do setor imobiliário.”
Apesar do tombamento provisório dos galpões do IBC, a alienação de parte do espaço é permitida, conforme destacaram a Secretaria de Estado da Cultura (Secult-ES) e a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, por meio de sua Superintendência do Patrimônio da União no Espírito Santo (SPU-ES).
A Secult informou, em nota, que o processo de tombamento não interfere em processos de venda do imóvel. O objetivo é resguardar e proteger o bem material enquanto patrimônio cultural com valor simbólico. Contudo, reforça que, em caso de mudança de proprietário, o Conselho Estadual de Cultura precisa ser informado. “A legislação está disponível no site da Secult, e os artigos 11 e 12 (da Lei Estadual Nº 2.947) versam sobre a transferência de propriedade”, observou.
Questionada sobre o andamento do processo de tombamento dos galpões, a pasta informou: “O processo de tombamento dos galpões está em fase de instrução processual e, durante essa fase, o tombamento provisório permanece até que haja uma deliberação em definitivo por parte do Conselho Estadual de Cultura (CEC).”
Já a SPU-ES informou, em nota, que “não identificou a existência de tombamento definitivo do IBC de Jardim da Penha junto à Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo – SECULT”, e solicitou à Secult esclarecimentos sobre o andamento do processo de tombamento iniciado pela secretaria.
“Sobre o processo de venda do imóvel, ele continua em andamento, com a data de 12/04/2022, para o encerramento da alienação. Mesmo se existisse tombamento do IBC de Jardim da Penha, não haveria impedimentos legais para a continuidade da venda do imóvel.”
A especialista em Direito Público, Cristina Daher explica que o tombamento de um bem, seja ele pertencente à pessoa jurídica de direito privado ou à pessoa jurídica de direito público não altera a propriedade, ou seja, não se trata de uma desapropriação.
O necessário é apenas que se mantenham suas características, segundo a especialista. Por isso o proprietário pode vender ou alugar, devendo apenas notificar o ente, neste caso, o Conselho Estadual de Cultura (CEC), sobre a questão relacionada à alteração da propriedade.
“Quanto a alienação dos bens pertencentes à União, é necessário que sejam observados os requisitos legais para a venda pois, em se tratando de bens públicos a venda deve ser feita através de leilão, ou na forma exigida na legislação específica como por exemplo na Lei 9.636/98 ou na Lei 14.011/2020.”
O advogado Renato Risk Minassa explica que isso vale também para os imóveis tombados provisoriamente, aos quais, para todos os efeitos, se aplicam as mesmas regras existentes para imóveis com tombo definitivo.
“O tombamento não é uma simples lei. É preciso que seja feito um estudo a respeito da importância histórica do imóvel e com base no estudo, o imóvel é tombado, classificado como bem que tem que ser preservado. Mas os imóveis tombados podem ser vendidos, mesmo sendo bem com tombamento provisório, desde que se tenha uma autorização legislativa, e ela existe. Não cria inalienabilidade do bem, apenas garante sua proteção. Para passar por obras, por exemplo, precisa de algumas autorizações.”
O ponto é reforçado pelo advogado imobiliário Diovano Rosetti, que observa ainda que, apesar de um imóvel tombado poder ser comprado, é preciso avaliar, justamente por conta das restrições de uso, se é algo economicamente viável.
“Por conta do acervo cultural existente, é até muito difícil alguém da iniciativa privada adquirir porque vai ter uma série de restrições. Não há realmente uma transação comercial a ser feita na aquisição de um imóvel tombado, é mais para utilização por alguma instituição, alguma outra coisa que não cause tantos impactos.”
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