Uma decisão da Justiça estadual atendeu ao pedido feito por diversas famílias de crianças autistas para que o plano de saúde delas mantenha o tratamento que seria suspenso na segunda-feira (17), após descredenciamento de nove clínicas especializadas. Mais de 3,5 mil atendimentos poderiam ser afetados.
Nesta semana, seis famílias chegaram a procurar A Gazeta relatando problemas com a Samp. Raquel Costa Oliveira, por exemplo, é mãe de um menino de 3 anos, inserido no espectro, e conta que a criança vinha sofrendo com a mudança da clínica em que as terapias são realizadas.
“A gente conseguiu um instituto que entrou com uma ação na Justiça e foi batido o martelo hoje, proibindo o descredenciamento. A clínica nova não oferece o tratamento ABA, que é o recomendado. É difícil. Diminuíram as sessões, havia super lotação. Mas não desistimos. Nossos filhos merecem atenção.”
De acordo com os relatos, após o descredenciamento das clínicas, que levou a uma série de protestos, a operadora de saúde firmou um acordo para que houvesse um período de transição até que as clínicas que foram credenciadas em substituição estivessem aptas a realizar o tratamento de forma adequada.
Nove clínicas foram descredenciadas, mas somente três foram habilitadas, e, segundo as famílias, por conta da grande demanda, estavam sem vagas para atendimento até final do mês de novembro. Além disso, alegaram que as clínicas para as quais as crianças foram redirecionadas não oferecem o mesmo tipo de terapia, realizam atendimentos em grupo, e as sessões têm duração mais curta do que o habitual.
O mesmo foi denunciado à Justiça, que, na tarde de quinta-feira (13), determinou que os atendimentos sejam mantidos “até que seja suficientemente comprovado que as novas unidades em substituição ofereçam os mesmos padrões qualitativos e quantitativos em conformidade com o método ABA de forma individualizada já adotada nas atuais clínicas.”
A decisão é liminar, ou seja, provisória. Na justificativa, o juiz Manoel Cruz Cuval, da 6ª Vara Cível de Vila Velha, apontou que a Samp descumpriu o acordo firmado, que estabelecia a manutenção dos tratamentos por pelo menos mais 30 dias, para que não houvesse prejuízo ao tratamento. Mas nem mesmo o prazo inicialmente definido foi seguido. A operadora notificou as famílias de que o tratamento nas clínicas descredenciadas seria suspenso no dia 17, apenas três semanas depois.
A ação foi movida pelo LIBER Instituto para Crianças Especiais, que representa as famílias. A advogada voluntária da organização, Sabrina Freitas, explicou que a operadora havia notificado as famílias sobre o descredenciamento das clínicas, uma medida que, segundo ela, poderia prejudicar mais de 1.300 crianças.
“Fizemos contato através do instituto, informei que não poderia. Então fizeram um acordo administrativo para que houvesse um prazo de 30 a 60 dias de transição, mas antes que esse prazo se encerrasse, notificaram que suspenderiam os atendimentos no dia 17. Na quinta (13), o juiz emitiu uma liminar exigindo que a Samp continue com o credenciamento dessas clínicas até que o plano prove que outras clínicas conseguirão absorver todas essas crianças dentro de um plano de atendimento adequado.”
Pai de uma criança autista, o presidente do LIBER, Argemiro Nascimento Neto, explica que o descredenciamento de clínicas especializadas pelos planos é um problema regular, mas se tornou ainda mais evidente depois que o Congresso aprovou, em junho, uma lei que garante atendimento ilimitado para tratamentos especiais, derrubando o rol taxativo.
“Há vários meses vínhamos percebendo essa situação. Decidimos montar um grupo de WhatsApp para tentar entender se havia um padrão, e o que vimos foi uma série de situações preocupantes, mães com depressão, crianças retrocedendo no tratamento, e entramos com uma ação coletiva na Justiça. Mas antes dessa ação, nós sentamos com a Samp, que nos prometeu uma solução, fez um acordo, mas descumpriu. Diante disso, o juiz emitiu uma liminar dizendo que era para a Samp atender nossas reivindicações.”
E acrescentou: “Hoje, o ABA é o único método reconhecido no Brasil para tratamento de crianças com autismo e similares. E se você não faz o tratamento adequado, acaba havendo uma perda para a criança. O que estamos exigindo é que seja cumprido. Se existe uma ciência por trás, tem que ser respeitada. Não é por nenhum capricho econômico. Essas crianças de hoje que estão passando por terapia serão cidadãos amanhã. E se não tiverem uma melhora? Como vai ser?”
A Samp foi procurada pela reportagem e na quinta (13), antes da decisão judicial, a operadora havia informado que “a mudança do prestador de serviços de terapias especiais foi necessária para ampliar e garantir assistência adequada aos pacientes autistas e outros. A operadora entende que toda mudança gera adaptação e explica que novo atendimento é individualizado e o tempo e a frequência são avaliados caso a caso, sem prejuízo ao paciente. Os tratamentos são definidos pelos terapeutas e médicos". A empresa foi novamente procurada pela reportagem nesta sexta (14), após a liminar, mas manteve o mesmo posicionamento da véspera.
Neste sábado (15), após a publicação da matéria, a assessoria da Samp divulgou nova nota:
"A Samp esclarece que está honrando o acordo feito com as famílias de pacientes em terapias especiais sobre a mudança de prestadores de serviço. A operadora de saúde informa que cumpre todas as exigências da ANS e ainda ampliou o prazo de aviso prévio da mudança para melhor adaptação das famílias. Além do acordo, é importante ressaltar que em nenhum momento houve descontinuidade do tratamento oferecido aos pacientes. Os serviços continuam a ser prestados pelas clínicas, conforme o acordo firmado. A Samp reforça que vem mantendo comunicação permanente com as famílias. A operadora continua aberta ao diálogo e à disposição para qualquer esclarecimento."
O texto foi atualizado com nota posterior enviada pela assessoria da Samp.
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