O Espírito Santo protocolou um recurso na Justiça, nesta terça-feira (28), contra a decisão que pode excluir cidades capixabas, entre Serra e Conceição da Barra, das medidas de reparação em áreas atingidas pelos rejeitos de mineração lançados no Rio Doce após o rompimento de uma barragem da Samarco, em Minas Gerais. Uma ação no fim de outubro do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) determinou uma nova perícia para confirmar se a região foi alvo do dano ambiental, econômico e social.
"A gente tem uma confiança de que essa decisão vai ser revista, porque há provas mais do que suficientes de que houve impacto no litoral: os milhões de metros cúbicos de rejeitos derramados no Rio Doce a caminho do mar, que continua sendo depósito desse material. Isso é comprovado em diversos estudos e a gente acredita que esses municípios não serão excluídos", afirmou a promotora de Justiça Elaine Costa de Lima, coordenadora do Grupo de Trabalho de Recuperação do Rio Doce, do Ministério Público do Espírito Santo (MPES).
A promotora explicou que a decisão determinava uma nova perícia para avaliar os danos no litoral capixaba. "O que estamos argumentando é que já existem provas suficientes, no processo ou visivelmente, incontestáveis. Então, não é necessário atrasar mais o processo, pedimos que não seja realizada a perícia."
Em documento conjunto elaborado pelo MPES, Procuradoria Geral do Estado (PGE), Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) e Defensoria Pública da União (DPU), os órgãos ressaltaram que "o expressivo número de estudos produzidos comprova irrefutavelmente que esses danos ocorreram, ainda que se possa questionar sobre a exata gravidade dos danos ou quem seriam os atingidos."
O desembargador do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, Ricardo Machado Rabelo, assinou a decisão que retirava as cidades capixabas da reparação de danos no dia 27 de outubro. Ele aceitou o recurso apresentado pela Samarco e suas mantenedoras, a Vale e a BHP Billinton, e pela Fundação Renova.
Com essa medida, ficou determinada a realização de nova prova de perícia da região. “Defiro o pedido de antecipação da tutela recursal e suspendo a decisão agravada, ficando determinado que seja realizada a prova pericial requerida pelas agravantes”, determinou o magistrado.
Considerado o maior e mais grave desastre ambiental já ocorrido no país e um dos maiores do mundo, o rompimento da barragem de Fundão, em 5 novembro de 2015, matou 19 pessoas.
Segundo informações do Ministério Público Federal (MPF), foram ainda despejados mais de 40 milhões de m³ de rejeitos no Rio Doce e afluentes, devastada área de cerca de 32 mil km², atingindo, direta e indiretamente, 49 municípios situados a partir do local do rompimento, em Mariana (MG), até a foz do Rio Doce, em Linhares (ES), onde alcançou o Oceano Atlântico.
No início de novembro, o governo do Espírito Santo informou que apresentaria um recurso, por meio da Procuradoria Geral do Estado (PGE), à 4ª turma do TRF6, instância em que o processo tramita. Na ocasião, o procurador-geral Jasson Hibner Amaral afirmou haver inúmeras provas de que o litoral capixaba fora atingido.
Ele, então, se reuniu com representantes do MPES e defensorias públicas do Estado e da União para discutir alternativas que poderiam ser tomadas. À época, a promotora de Justiça Elaine Costa de Lima reforçou o posicionamento da PGE em defesa dos atingidos no Estado.
A expectativa é de que a decisão seja reformada pelo colegiado do TRF6 até a assinatura do acordo de reparação de danos, conhecido como Tratado de Mariana, prevista para 5 de dezembro. O acordo conta com a participação de representantes dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, de diversos órgãos e da cúpula do governo federal.
O subsecretário da Casa Civil do governo estadual, Ricardo Iannotti, citou como exemplo do impacto da lama no litoral capixaba a proibição da pesca determinada pela própria Justiça em decorrência da contaminação. Ele ressaltou que a decisão do TRF6 desconsiderou várias perícias já realizadas, assim como a decisão do Comitê Interfederativo (CIF), e atendia ao interesse das empresas para a realização de uma nova perícia.
Outro ponto importante, destacado por ele, é que o desastre ambiental afetou ainda um patrimônio do Estado. "A moqueca capixaba é um patrimônio gastronômico e cultural do Espírito Santo e um de seus principais ingredientes está contaminado", apontou à época.
Ianotti ressaltou ainda o desconforto em efetivar ações como a assinatura do acordo. "Assinar um acordo que prejudique o Estado, mais do que já foi prejudicado, isso o governo não vai fazer", garantiu.
Em outubro de 2022, a Justiça Federal confirmou a inclusão de áreas de cinco municípios do litoral capixaba entre as regiões impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão. A decisão foi de Michael Procopio Ribeiro Alves Avelar, juiz federal substituto da 4ª Vara Cível e Agrária de Belo Horizonte.
Desde março de 2017 essas localidades já tinham sido reconhecidas como atingidas pela lama de rejeitos de mineração da Samarco, em deliberação do Comitê Interfederativo (CIF) — colegiado incumbido de acompanhar as atividades de recuperação, compensação e reparação dos danos ambientais —, e vinham sendo desrespeitadas pela Renova e suas mantenedoras, segundo a determinação judicial.
Com aquela decisão, foram confirmadas como tendo áreas atingidas no litoral as seguintes cidades: Aracruz (novas comunidades), Serra, Fundão, São Mateus e Conceição da Barra. Outros municípios já tinham obtido o reconhecimento de danos ambientais. Elas estão localizadas ao longo da calha do Rio Doce. São eles: Baixo Guandu, Colatina, Marilândia e Linhares.
Havia ainda processos que pedem a inclusão de outras cidades que também enfrentam danos decorrentes do rompimento da barragem. São elas: Sooretama, por danos causados por barragem construída em Rio Pequeno para evitar a contaminação da Lagoa Juparanã; Anchieta, por prejuízos causados pelo fechamento das usinas da Samarco na cidade; e Vitória, pelos impactos aos camaroeiros.
A decisão foi em um processo movido pela Samarco, Vale, BHP e Fundação Renova, que solicitaram a exclusão do litoral capixaba das áreas afetadas. Mas a Justiça Federal decidiu por reconhecer os danos, que já haviam sido declarados na Deliberação 58 do CIF, de março de 2017.
No mesmo processo, o governo do Estado do Espírito Santo, o MPES, a Defensoria Pública do Estado e a da União, o MPF e o Ministério Público de Minas Gerais informaram que as empresas estavam descumprindo o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), decisões judiciais de reconhecimento de áreas do Espírito Santo como impactadas, dados de monitoramento, análise do laudo pericial sobre qualidade do pescado, avaliação dos impactos e valoração dos danos.
As empresas recorreram dessa decisão e conseguiram, em outubro, um posicionamento favorável a suas reivindicações.
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