Há sete anos está sendo aguardada a reparação financeira pelos danos ambientais e socioeconômicos causados ao Rio Doce em Minas Gerais e no Espírito Santo, e ao litoral capixaba, após o rompimento da barragem de Fundão, na cidade de Mariana (MG). Mas a proposta apresentada pelas empresas em audiência nesta quarta-feira (24) ficou aquém das expectativas dos governos e, com isso, instituições dos dois estados deixaram a mesa de negociações. O governo do Estado pretende recorrer à Justiça.
“Estamos há um ano e meio na mesa de negociação, em busca de um acordo de conciliação mediado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e após mais de 240 reuniões - presenciais e on-line -, recebemos uma proposta que é um desrespeito a todo este movimento de conciliação”, assinalou Jasson Hibner Amaral, procurador-geral do Estado.
A proposta de valores apresentados na reunião, segundo Jasson, não é condizente com a dimensão do dano causado ao meio-ambiente e para a economia dos estados. “E a reparação proposta seria para gerações futuras, dilatada em período temporal imenso, o que não é razoável”, destacou.
Os valores oferecidos não foram divulgados em decorrência de um acordo de confidencialidade. Em ação proposta na Justiça pelo Ministério Público Federal (MPF), foi solicitado uma indenização de R$ 155 bilhões. Mas as informações obtidas pela reportagem são de que foi oferecida pelas empresas uma proposta que oscila em torno de 60% deste valor, com prazo de pagamento de décadas.
O procurador-geral do Estado informou que já foi informado ao CNJ que as instituições não vão participar de novas reuniões para discutir a proposta apresentada pelas empresas. “Para voltar a negociar tem que ter uma proposta compatível com a extensão do dano”, assinalou.
A intenção agora é recorrer a novas medidas judiciais. “Vamos discutir com todas as instituições envolvidas, e ao lado delas vamos adotar medidas judiciais enérgicas e pedir ao Judiciário que faça com que as empresas sintam no bolso a demora desta reparação”, explicou o procurador-geral do Estado, Jasson Hibner Amaral.
O ideal, explica Jasson, é que as medidas judiciais sejam adotadas junto com todas as instituições. “Mas se não houver consenso, o Espírito Santo adotará as medidas que julgar cabíveis e necessárias para conseguir a compensação e reparação do desastre ambiental e humano”, destacou.
Explicou ainda que também será cobrado em juízo o pagamento de multas já aplicadas às empresas. “Vamos a juízo exigir a cobrança, já que não houve pagamento”.
A judicialização também é o caminho apontado pelo defensor público Rafael Portella, coordenador do Núcleo de atuação em desastres e grandes empreendimentos (Nudege) da Defensoria Pública do Espírito Santo.
“A conjuntura atual aponta para a judicialização da questão, o que se tentou impedir com a tentativa da mesa de repactuação, um acordo por causa das medidas urgentes, de justiça social para o caso, mas não está havendo convergência de princípios e valores que traga justiça social”, observa Portella.
Na avaliação dele, o sentimento foi de decepção com a proposta das empresas. “As condições que são colocadas não dialogam com as necessidades das comunidades e de fortalecimento das políticas públicas e das ações de reparação que não foram realizadas pela Fundação Renova nos últimos seis anos. A Defensoria Pública do Espírito Santo não visualiza possibilidade de prosseguimento das negociações”, assinala Portella.
Participaram da audiência representantes dos governos de Minas Gerais e Espírito Santo, assim como o Ministério Público e a Defensoria Pública dos dois Estado, além do Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União, além da direção das empresas Samarco e de suas mantenedoras, Vale e BHP Billiton.
O dano ambiental, apontado como um dos maiores já registrados no país, ocorreu em novembro de 2015 após o rompimento da barragem de Fundão, na cidade de Mariana, em Minas Gerais. A lama de rejeitos de mineração atingiu o Rio Doce, deixando um rastro de destruição e 19 pessoas mortas.
No Espírito Santo 11 municípios foram atingidos. Quatro deles localizados na calha do rio: Baixo Guandu, Colatina, Linhares e Marilândia. No litoral, quando a lama atingiu o mar, cinco cidades foram afetadas: São Mateus, Conceição da Barra, Aracruz, Fundão e Serra.
E ainda Anchieta, que foi impactada pelo fechamento da Samarco, e Sooretama, em razão de impactos decorrentes da construção de uma barragem para conter a contaminação das lagoas.
De acordo com a promotora de Justiça Elaine Costa de Lima, coordenadora do grupo de trabalho de recuperação do Rio Doce (GTRD) nos dois estados, mais de 200 mil pessoas foram afetadas.
“O MPES empenhou esforços em 268 reuniões sobre o caso. Mas a proposta insatisfatória apresentada pelas empresas mostra a falta de sensibilidade e que o viés lucrativo impera. A responsabilidade social e ambiental fica de lado quando se precisa de uma resposta que afete o lucro delas”, destaca.
Ela acrescenta que nas audiências sempre foi ponderado que havia capacidade financeira das empresas para arcarem com o pagamento, diante do lucro publicado anualmente. “Vale e BHP, entendemos que teriam capacidade financeira de honrar e arcar com o acordo e com as indenizações devidas, compatível com o dano ambiental e social”, assinala Elaine.
Outro ponto, segundo a promotora, é que o prazo de pagamento para quitar o acordo foi inaceitável. “Vão ser gerações futuras a receberem os pagamentos e não os diretamente atingidos, que sofreram e vivenciaram o desastre, estes não veriam as ações de reparação e readequação, seja para retomada da atividade econômica, ou reparação ambiental, embora já tenha se passado sete anos do desastre. É inaceitável que se espere mais tempo”, disse.
O subsecretário da Casa Civil do governo do Espírito Santo e coordenador estadual do Comitê Pró-Rio, Ricardo Ianotti, destaca que o Estado só retorna às negociações se houver uma nova proposta por parte das empresas.
“O Espírito Santo espera que as empresas se organizem e apresentem uma proposta minimamente condizente com o tamanho do dano ambiental e socioeconômico causado em terras capixabas”, informou Ianotti.
Ele observa que a proposta de repactuação, mediada pelo CNJ, tinha o objetivo de se conseguir um acordo melhor e mais rápido, em especial para os atingidos. “Passados um ano e meio, dezenas de tratativas e ontem (dia 24), quando se tinha expectativa para o encaminhamento final do acordo, foi apresentada uma proposta que não foi a contento”, explica o subsecretário.
Na avaliação dele houve indiferença por parte das empresas. “A sensibilidade da Samarco e suas mantenedoras - Vale e BHP Billiton - é praticamente de indiferença com o que aconteceu com o Rio Doce e mar capixaba”, acrescenta.
Laudo pericial realizado a pedido da 12ª Vara Federal Cível e Agrária da Seção Judiciária de Minas Gerais, que cuida da reparação e compensação dos danos advindos do rompimento da barragem de Fundão, aponta que não é seguro o consumo dos pescados, tanto do rio quanto do mar nas regiões afetadas. O resultado informa que os animais estão contaminados com metais pesados.
Ianotti avalia que o laudo piorou a situação das empresas. “Reforça a gravidade do acidente, os danos incertos e futuros. O acordo tem que ser tratado com o tamanho e responsabilidade do fato”, destaca.
Outro ponto apontado pelo subsecretário é que o Espírito Santo é litorâneo. “A pesca faz parte do nosso PIB, a moqueca é bem imaterial, sem falar que desastre afetou ainda o turismo, a rede hoteleira, a exportação. Precisamos que este acordo tenha tratamento adequado”, ponderou.
A mineradora enviou nota afirmando que "as conversas sobre a repactuação têm ocorrido no âmbito do Observatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e se pautam em cada um dos 42 programas socioeconômicos e socioambientais previstos no acordo anterior. Os diálogos buscam soluções para conferir celeridade, eficiência e definitividade ao processo reparatório. A negociação segue em andamento. A Vale, como acionista da Samarco, reforça o compromisso com a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão e vem prestando suporte à Fundação Renova, responsável por executar os programas de reparação e que já indenizou mais de 400 mil pessoas, através de vários sistemas indenizatórios disponíveis ao público. Dentre indenizações e programas reparatórios e compensatórios, até julho/22, já foram destinados cerca de R$ 24 bilhões."
“A BHP Brasil participou ontem, 24 de agosto, de mais uma rodada de renegociações do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) mediada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A BHP Brasil permanece aberta ao diálogo que traga soluções definitivas para os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão da Samarco em 2015. A BHP Brasil continua comprometida com as ações de reparação e compensação em andamento pela Fundação Renova. Até o momento, foram desembolsados R$ 23,06 bilhões em programas executados pela Renova e mais de 389 mil pessoas foram indenizadas. A Samarco é uma joint venture administrada de forma independente na qual a BHP Brasil detém 50%.”
A Samarco informou que se mantém aberta ao diálogo junto às autoridades competentes. A mediação promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acerca da repactuação no contexto do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) tem sido realizada a partir de amplas discussões técnicas e avaliação criteriosa de cada um dos 42 programas que compõem o TTAC, considerando todas as ações executadas pela Fundação Renova.
A Fundação Renova informa que o trabalho de reparação dos danos começou imediatamente após o rompimento da barragem de Fundão, em 2015, em Mariana (MG). "Esse trabalho segue com o pagamento de indenizações e auxílios financeiros, reassentamentos, recuperação ambiental, monitoramento da qualidade da água e repasses de recursos a municípios e governos estaduais, entre outras ações previstas nos 42 programas definidos no Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC). O Termo foi assinado entre Samarco, suas acionistas Vale e BHP, os governos federal e dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo". Acrescenta que as atividades continuaram mesmo durante as negociações conduzidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), "das quais a Fundação Renova não faz parte. A instituição permanece empenhada na reparação e na compensação, que se encontram em um momento de avanços e entregas consistentes dos programas que tiveram definição clara pelo sistema de governança participativo". Informa que até julho de 2022, mais de 400 mil pessoas receberam R$ 11,16 bilhões em indenizações e auxílios financeiros em Minas Gerais e no Espírito Santo. Esse valor integra um total de cerca de R$ 24 bilhões desembolsados nas ações socioambientais e socioeconômicas. "A Fundação Renova trabalha para que as primeiras famílias possam se mudar para o reassentamento de Bento Rodrigues em dezembro deste ano e, para Paracatu de Baixo, em 2023. Essas famílias moram em casas alugadas pela Fundação Renova", diz ainda no texto. Destaca que no reassentamento de Bento Rodrigues, até julho, 53 casas foram concluídas e 100 estão em construção. "As famílias participam de atividades culturais, socioambientais e religiosas no local onde irão morar e iniciam uma nova fase de diálogo para definição de como será a vida no reassentamento. As obras de infraestrutura estão concluídas, considerando vias, drenagem, energia elétrica, redes de água e esgoto, além de bens públicos como Postos de Saúde e de Serviços, Escola Municipal e Estação de Tratamento de Esgoto (ETE)". Diz ainda em nota que em Paracatu de Baixo, 56 casas tiveram as obras iniciadas. Estão em construção escola fundamental, escola infantil, posto de saúde, Estação de Tratamento de Água (ETA), Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) e salão comunitário. "A qualidade da água da bacia do rio Doce apresenta condições semelhantes às de antes do rompimento da barragem de Fundão, conforme mais de 1,5 milhão de dados gerados anualmente pelo Programa de Monitoramento Quali-Quantitativo Sistemático de Água e Sedimento (PMQQS), desde 2017. As informações são compartilhadas com os órgãos ambientais. A água do rio Doce pode ser utilizada para os fins previstos na legislação de enquadramento – classe 2 de águas doces, conforme a resolução Conama 357, o que significa que pode ser consumida pela população após tratamento convencional e usada para dessedentação animal e irrigação, dentre outros usos previstos na legislação", é dito no texto. Explica ainda que a Fundação Renova concluiu, no primeiro trimestre de 2021, a implantação da restauração de cerca de 550 hectares de florestas em áreas atingidas em Mariana, Barra Longa, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Ponte Nova. "Uma área equivalente a 28 mil campos de futebol será reflorestada em terrenos não impactados, por meio de editais de reflorestamento no valor de mais de R$ 800 milhões em Minas Gerais e no Espírito Santo". "Também foram disponibilizados mais de R$ 700 milhões para projetos de saneamento nos municípios impactados. A Fundação Renova concluiu um repasse de R$ 830 milhões aos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e prefeituras da bacia do rio Doce, para investimentos em infraestrutura, saúde e educação", finaliza em nota a Renova.
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