Os lavradores Luane Monique de Moura Silva e Adeildo Souza da Silva, pais do menino Artur Moura Silva, de 5 anos, que morreu em 15 de agosto de 2018 em Dores do Rio Preto, na Região do Caparaó, afirmam que foram coagidos pela Polícia Civil a confessarem que foram culpados pela morte da criança. Após quase três anos presos, o casal foi absolvido pela Justiça da acusação dos crimes de homicídio, omissão e tortura do filho.
Em entrevista concedida nesta terça-feira (26) ao repórter Thales Rodrigues, da TV Gazeta Sul, Adeildo contou que se sentiu aliviado ao ouvir a sentença que inocentou ele e a esposa. Eles ficaram em presídios no Sul do Estado até março deste ano e afirmaram que pretendem acionar o Estado na Justiça.
“Foi a coisa mais alegre que senti naquela hora ali, não tinha palavras para decifrar. O tanto que lutei e sofri para provar nossa inocência... Pedia a Deus para me desse vida para provar minha inocência, pois foi muita mentira. Naquele dia, tudo foi esclarecido, pagamos pelo que não fizermos. Foi um presente. A dor vai ficar, nunca vai passar, mas conseguimos provar nossa inocência”, desabafou Adeildo Souza da Silva.
Os dois continuam morando no interior de Dores do Rio Preto e trabalham como lavradores. A mãe do menino também afirmou que houve Justiça, mas disse que se sente triste pela morte do filho. “Quando recebi aquele papel do alvará e a liberdade, foi muito gratificante para mim. Em nenhum momento ele foi agredido, eu não tive como ver meu filho depois de morto. Quando estava no hospital, pedia à enfermeira que salvasse meu filho”, relembrou a mãe de Artur, emocionada.
Ao lado da mulher, Adeildo foi questionado sobre as acusações de agressão feitas na época, quando o casal foi indiciado pelo delegado de Dores do Rio Preto por tortura. Ele disse que alegou sua inocência, mas foi desacreditado. “Contava e não acreditavam, não confiavam. Só Deus sabe a angústia que sofri. Não confessei que agredi, me obrigaram a dizer. Somos da roça. Eu dizia que não fiz aquilo e só abaixava a cabeça. Puseram o que quiseram e só falaram para eu assinar”, contou o lavrador.
Luane confirmou o que o marido disse. Segundo ela, o casal foi coagido pela polícia a confessar que matou o filho. "Lá de fora eu escutava eles gritando e batendo na mesa. Meu esposo falou que, na hora que estavam pegando o depoimento dele, o delegado colocou uma pistola em cima da mesa e falou: 'Se você não confessar e não falar o que eu estou escrevendo, eu te mato agora'. Comigo, foi a mesma coisa. Só não colocaram arma em cima da mesa, mas pegaram aquele livro grandão que eles usam de Justiça e batiam na minha nuca. Falavam: 'Ou você fala, ou vocês dois morrem aqui dentro. Não vai ter chance nem de ir para o presídio, que daqui vocês vão direto para o cemitério", relatou a lavradora.
Adeildo disse que não guarda rancor pelo que aconteceu no passado. “Meu coração está cortado, sinto que essa dor não vai passar. Não tenho nada contra eles, não. Eles têm que prestar conta a Deus e quem sou eu para julgar alguém, sou um pecador, não tenho raiva de ninguém”, disse.
Após o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) afirmar, nesta segunda-feira (25), que houve erro da Polícia Civil na investigação da morte de Artur, o delegado-geral da corporação, José Darcy Arruda, informou, nesta terça-feira (26), que enviará o caso para ser apurado pela Corregedoria da PC.
Em entrevista à reportagem de A Gazeta, o delegado-geral da Polícia Civil disse que discorda do MPES e ressaltou que a responsabilidade da apuração dos fatos não pode ser atribuída somente à investigação policial. “Se houve alguma irregularidade, se houve alguma inconsistência, se houve alguma coisa que não ficou bem elucidada nas investigações, na ação penal, deveriam ter trazido isso antes, não esperar chegar ao tribunal do júri. Não é justo colocar a responsabilidade na Polícia Civil, pois ela não trabalha sozinha. A prova do inquérito é toda refeita pela promotoria e pelo judiciário”, afirmou José Darcy Arruda.
O chefe da Polícia Civil no Estado também afirmou que, na época do crime, o delegado autuou o pai do menino pelo crime de tortura, não por homicídio, como denunciou o órgão. “O que mais me chamou atenção é que, além de o promotor ter denunciado (os pais da criança) por homicídio, ele pediu o júri (popular), o que causou mais estranheza. Se o delegado errou, não errou sozinho. Ele, na verdade, teve a convicção em razão do depoimento do pai, de vizinhos e do laudo de necrópsia, com as lesões que o menino teve. Em nenhum momento o promotor e advogado cogitaram que aquela morte foi de uma doença. Teriam resolvido isso naquela ocasião e não deixar chegar ao ponto que chegou”, esclareceu o delegado-geral.
O delegado-geral da PC também falou sobre a afirmação do casal de que houve coação por parte da polícia para confessarem que mataram o filho. “Acho muito difícil isso acontecer, temos uma polícia com formação jurídica. Pode até ser que o pai tenha sido levado por uma pressão popular a ter falado algo nesse sentido, mas ser forçado, acho difícil acontecer. O delegado sabe que a Corregedoria é forte e pode alcançá-lo, então não acredito nessa versão. Sentimos muito pelo que aconteceu, mas não entendo por que ele não disse ao promotor ou no interrogatório com o juiz”, afirmou Arruda.
Artur Moura Silva, de 5 anos, foi levado ao Pronto-Socorro de Guaçuí, no dia 15 de agosto, com sintomas de febre alta, dores no corpo, falta de apetite, vômito, diarreia e convulsões que a criança estaria apresentando há três dias. O menino morreu horas após o atendimento médico.
No dia 16 de agosto de 2018, o então delegado de plantão de Alegre, Carlos Vitor de Almeida, informou que Artur também apresentava hematomas pelo corpo e disse que, em depoimento, o pai do menino, Adeildo Souza da Silva, havia confessado à polícia que matou o filho após "ouvir vozes".
Na ocasião, o delegado de plantão de Alegre autuou, em flagrante, o pai do menino e também a mãe de Artur, Luane Monique de Moura Silva, por homicídio duplamente qualificado — por motivo fútil e impossibilidade de defesa da vítima. Os dois foram encaminhados ao Centro de Detenção Provisória de Cachoeiro de Itapemirim. Posteriormente, segundo a Polícia Civil, o então delegado de Dores do Rio Preto, ao concluir o inquérito, indiciou o casal pelo crime de tortura.
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